Com tequila e com amor [Concl...

By mllenica

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Uma garrafa de tequila embalada com papel de presente não era exatamente o que Amanda estava esperando, mesmo... More

2. Qualquer coisa que faça não pensar
3. Efeitos duradouros
4. Amêndoas Amargas
5. Realidade e imaginação
6. Um minuto
7. Misterioso Alvoroço
8. O acender das luzes
9. Excesso de informação
10. Uma pergunta
11. Aflição
12. Avanços
13. Ainda não te disse nada
14. Pouco a pouco
15. Estranho, divertido e mágico
16. Real? (parte 1)
16. Real? (parte 2)
17. Entre dormir e acordar
Notas finais e agradecimentos
Bônus (Epílogo) - Com o coração ainda mais seu
Curiosidades
Surpresinha!!
Com tequila e com amor - Lado B
Minhas outras histórias
Questionário
COM TEQUILA E COM AMOR - LADO B
1. Não é o meu dia - Lado B
2. Qualquer coisa que faça não pensar - Lado B
3. Efeitos Duradouros - Lado B
4. Amêndoas Amargas - Lado B
5. Realidade e imaginação - Lado B
6. Um minuto - Lado B
7. Misterioso alvoroço - Lado B (Parte 1)

1. Não é o meu dia

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By mllenica

"Não era meu dia. Não era minha semana. Não era meu mês. Não era meu ano. Não era a porra da minha vida."
(Charles Bukowski)

A primeira coisa em que você precisa pensar quando tudo começa a dar errado é nos sinais. Não é como se de uma hora para outra tudo começasse a desmoronar. Tudo bem, às vezes é assim, mas, no meu caso, tudo começou, porque não prestei atenção ao primeiro sinal e nem aos outros que apareceram logo em seguida.

O primeiro sinal veio do despertador. Ele tentou me avisar quando decidiu não tocar essa manhã. Aquele aviso tinha o mesmo significado de: fique na cama o dia inteiro. Ou quem sabe, apenas levar as meninas na escola, já que Monstrinha só levanta depois das dez e nunca pode levar as filhas. Acordei com Isadora me puxando pelo pé. Ela disse que estávamos atrasadas. De fato, eram quase sete e meia e Isadora e Alicia precisavam estar na escola e eu no hospital.

O segundo sinal apareceu quando eu estava escovando os dentes. Lili apareceu na porta com as mãos na barriga, dizendo que estava tendo uma hemorragia. Fico me perguntando onde é que garotinhas de cinco anos aprendem esse tipo de coisa, mas então me lembro do quanto ela assiste Discovery Home and Health. Eu deveria ter mais canais infantis na TV a cabo. Deveria ter prestado atenção, mesmo sabendo que essa era mais uma de suas encenações para ficar em casa. Se eu tivesse atrasado a saída, tudo poderia ter sido diferente.

Em vez disso, puxei-a por um braço, a irmã pelo outro e saí rebocando as duas porta afora.

O terceiro sinal foi o mais enfático. O exato momento em que eu deveria ter percebido e voltado para casa. Logo depois de deixar as meninas, perdi o retorno para a saída da cidade e tive que desviar a rota em quase sete quilômetros para chegar ao trabalho. Poderia ter entendido que era o meu sexto sentido tentando me salvar. Só que não tenho uma boa relação com ele.

E tenho certeza de que haveria um quarto sinal, se eu tivesse tido tempo de ler o horóscopo antes de sair. Não que eu acredite nessas coisas, até por que, segundo as previsões, todos os meses o amor bate a minha porta, embora eu ache que ele sempre erre o apartamento. Tenho certeza de que estava lá em aquário: "hoje é um dia para se resguardar; rever sentimentos do passado. Não é um dia para grandes decisões..." Além de todas as outras coisas genéricas que esses astrólogos adoram dizer. Elas realmente fariam sentido essa manhã.

Todos os sinais tentaram me avisar que não era para eu estar aqui.

Quero dizer, não exatamente aqui, dentro da sala de descanso dos enfermeiros. Nessa posição que denuncia totalmente que estou me escondendo: agachada, espreitando pela persiana.

Não era para eu ter vindo trabalhar hoje, mas meu senso de responsabilidade é sempre tão burro!

O dia mal começou e já está péssimo.

Relaxa, Dica. Respira. Só respira. Lembra do que a professora de Yoga disse na semana passada.

Respirar para oxigenar o cérebro. Respirar para oxigenar o cérebro. Respirar para oxigenar o cérebro. Respirar para...

— Amanda? O que está fazendo aqui?
— Silvia, a coordenadora da enfermagem pergunta. Com a cara de azedo de sempre.

— Silvia! — digo rapidamente, ajeitando a postura — Eu entrei aqui, porque me senti mal. Uma enxaqueca horrível — Toco as têmporas com as pontas dos dedos, fazendo uma careta de dor — Deve ser a mudança de tempo. Eu estava lendo sobre isso na internet outro dia e fiquei assustada com a quantidade de sintomas que podem diagnosticar a enxaqueca. Sabia que até o...

— Amanda — Ela me corta impaciente — Não estão precisando de você na unidade neonatal?

Ela não precisa me dizer como fazer o meu trabalho! Odeio essa velha e o jeito como ela prende o cabelo com essas presilhas de borboletas horrorosas. Até pensei em dar um pacote de elásticos de presente de Natal no ano passado, mas ela não faz por merecer.

— Claro! É como eu disse, eu só parei aqui para tomar um copo de água.

— Não era enxaqueca? — pergunta ela, arqueando as sobrancelhas pintadas com henna.

Tenho muita pena das enfermeiras que precisam ter uma chefe como Sílvia. Será que ela nunca pode ser gentil? Eu não pareço que estou com dor realmente, só que ela deveria entender que todo esse disfarce significa que estou com problemas. Mas, por outro lado, a velha está certa. Estão precisando de mim na unidade neonatal e eu sou uma péssima mentirosa.

O que eu estava pensando quando corri até aqui? Por que simplesmente não fui para um lugar menos óbvio? Tipo o almoxarifado, ninguém caça pessoas por lá. Ninguém como Sílvia, eu tenho certeza.

— É tanta dor que até esqueci da água — respondo enrugando a testa — Acho que é melhor eu ir andando.

Seguro a maçaneta prendendo a respiração. Me lembro do motivo de eu ter me escondido aqui e dou alguns passos para trás.

E se ele ainda estiver aqui? O seminário pode estar num intervalo para o café e, no exato momento em que eu abrir a porta, ele estará saindo do elevador e...

Puta merda!

— Algum problema, Amanda?

Eu quero contar a verdade a Sílvia, talvez ela tenha um pouco de compaixão depois de ouvir a minha história trágica. Só que eu não posso. Aliás, como posso dizer que estou escondida, porque estou evitando uma pessoa? Ela vai rir de mim, tenho certeza.

Agarro a maçaneta com mais força e recomeço meu mantra mentalmente.

— Estou melhorando, Sil — respondo. É sério, Dica? Você sabe que ela odeia esse apelido — Vou passar na farmácia e pedir um remédio a João.

Ela me responde com um olhar atravessado. Improvisação não é o meu forte, embora eu realmente vá passar na farmácia. Preciso de um calmante. Daqueles que me deixam tão zonza a ponto de esquecer meu próprio nome. João vai me dar, claro, mas não sem antes fazer o seu discurso sobre eu não estar precisando de remédios e sim de sexo.

Ajeito o cabelo, antes de deixar a sala. Posso ouvir Silvia dizendo alguma coisa que não consigo distinguir, mas pouco importa. Já estou indo na direção das escadas.

Há um problema real acontecendo. Bem maior do que as mazelas das enfermeiras que se escondem na salinha de descanso para fugir do trabalho e de Silvia. Há uma Amanda que precisa voltar à unidade neonatal sem passar perto do auditório, pois o episódio no elevador já foi suficiente.

O que aconteceu no elevador foi demais para um coração fraco como o meu.

Minhas estruturas nervosas não são capazes de suportar mais um encontro. Se ele vier falar comigo, sei o que vai acontecer e Monstrinha já pode reservar meu caixão na casa funerária. Terei um mal súbito.

Se eu tivesse prestado atenção nos sinais...

Como eu estava atrasada quando cheguei, decidi subir até o terceiro andar de elevador. O que é péssimo para a rotina de exercícios que criei: subir os cinco lances de escadas. Minhas pernas têm agradecido muito! Só que a correria para chegar ao trabalho já deve ter provocado um gasto calórico suficiente, que estou aumentando por subi-las novamente agora, mesmo que seja apenas um lance de escadas.

Quando as portas do elevador se abriram, me assustei com a quantidade de pessoas espremidas lá dentro. Cabia mais um, é claro que cabia. Eu visto 38 e minha bunda nunca foi grande. Eu me encaixaria perfeitamente entre a velhinha do setor administrativo e o garoto do T.I., mas preferi esperar pelo próximo.

Um erro gigantesco.

Com a nova abertura das portas, respirei aliviada por haver bastante espaço. Mas eu tivesse analisado as pessoas que estavam lá...

No canto direito, em uma conversa animada com um médico velhinho. Lindo como sempre, com os cachinhos escuros de sempre, o pescoço maravilhoso de sempre, a voz tranquila e rouca de sempre e os olhos castanhos de sempre.

Meu peito gelou. O estômago deu tantas voltas que eu achei que pudesse cair. Eu queria chorar, gritar e vomitar. Tudo ao mesmo tempo. Mas me forcei a continuar olhando para a frente, de maneira quase mecânica. Eu parecia uma estátua viva. A cada segundo que eu passava respirando o mesmo ar que ele, doía em algum lugar diferente. Comecei a ficar ofegante e quase pedi para a ascensorista parar em qualquer andar, porque eu precisava sair. Eu estava intoxicada.

Por acaso, solidariedade, ou qualquer palavra bonita e mágica que se possa substituir, alguém apertou o botão do segundo andar.

Agradeci com as palavras embolando na garganta e, por isso fui flagrada. Não virei para conferir se ele estava me olhando ou não, mas eu senti. A conversa animada parou e minha nuca queimava como se eu estivesse com febre.

Ele me viu, eu tenho certeza.

Por esse motivo saí correndo e entrei na primeira porta destrancada: a sala de descanso dos enfermeiros. Onde tentei assimilar tudo e não adiantou.

Assim que alcanço a porta vermelha da saída das escadas de emergência, minhas pernas ainda estão moles. Exercício demais para um dia só, ou eu deveria dizer emoções demais para uma manhã? Preciso de um pouco de ar e de pílulas.

—Dica! — Rosa grita, se esquecendo completamente que estamos em um hospital — Para onde está indo?

Ela está saindo do elevador, com as mãos dentro dos bolsos do seu jaleco e mascando chiclete.

— De volta ao trabalho — respondo sem encará-la — Tenho dois atendimentos me esperando.

— Eles podem esperar mais um pouquinho — Ela me puxa pelo braço na direção oposta da que eu devo ir — Preciso de café, vem comigo.

Sempre achei que era impossível alguém viver, literalmente, à base de café até conhecer Rosália. Ou Rosa, porque ela diz que é jovem demais para ter um nome como esse. Ela me arrasta até o café que fica próximo a varanda do terceiro andar.

— Tenho que fazer um intervalo agora, Dica e precisamos conversar.

— Qual a novidade dessa vez?

Ela é o tipo de pessoa que tem um estoque de novidades para duas gerações.

— Já viu a quantidade de médicos gostosos que estão no seminário? Jesus! — Rosa leva as mãos à testa — Eu já disse o quanto gosto de geneticistas?

Só se falou disso no Hospital por meses. Sediar o IV Seminário de Genética Médica no Hospital Escola de Marina era um feito para a história. Se eu soubesse o que aconteceria, não teria ficado tão animada.

— Você não estava dizendo a mesma coisa sobre os residentes da pediatria que encontramos no refeitório outro dia?

Fico imaginando o que Rosa diria dele. Eu não cheguei a contar a ela. Até por que, não é o tipo de história que eu tenho o prazer de sair espalhando por aí.

— Tenho gostos expansivos, sabe disso — Ela diz. E eu concordo e acho expansivos até demais — Mas a questão não é essa!

Todas as vezes que encontro Rosa, me pergunto como é que ela mantém esse emprego. O quadro de enfermeiros do hospital está um pouco defasado e o trabalho é bem pesado, mas ela passeia mais pelos andares do que cuida das crianças na emergência pediátrico que, aliás, nem fica nesse prédio. Além do fato de ela ser o escândalo em forma de gente.

— E qual é?

— Dei um encontrão em um deus grego da medicina e acho que essa pode ser a sua chance!

Será que foi o mesmo encontrão que eu?

Não! Não seja paranoica, foi só uma coincidência que já estava mais do que na hora de acontecer. Vocês moram na mesma cidade!

— Você é louca!

— Pensa comigo — Ela tira os óculos do bolso do jaleco e coloca no rosto — Você está solteira há quase um ano — Esse deve ser o motivo pelo qual ela não trabalha, a função de ser o meu cupido particular lhe toma muito tempo — E não venha me dizer para colocar suas saídas com aquele anão de jardim do departamento jurídico nos cálculos, porque eu me recuso!

Eu até tenho que concordar. Foram apenas duas saídas que deram em nada. Adriano é simplesmente insuportável. Do tipo chato exibido, que se gaba até por saber usar um perfurador de papel. O que posso fazer se não tenho sorte e meu cupido particular não tem critérios?

— Continue.

Quero saber até onde ela é capaz de chegar para acabar com a minha vida.

— Nós temos de um lado a sua solteirice e do outro um auditório inteirinho com homens lindos para você escolher. Então, poderíamos simular uma coincidência por lá ou talvez na frente dos elevadores.

No dicionário de Rosa simular coincidência é o mesmo que forçar uma situação patética para chamar atenção. Com ela sempre funcionou, claro, só que não posso competir com sua altura de passarela ou sua loirice exuberante e natural.

— Não temos mais quinze anos, sabia?

Ela não tem, porque eu não fazia esse tipo de coisa. Aos quinze, eu já tinha um namorado sério.

— Por que você é tão mal-humorada?

Porque acabo de ter o pior encontro dos últimos quatro anos, que não foi propriamente um encontro, mas está às vias de se repetir a qualquer momento.

— Não vai pedir o seu café? — sugiro, mudando de assunto. Sempre funciona. Rosa não é uma pessoa das mais centradas.

— Desisti de tomar — diz me olhando nos olhos — Acho que as garotas estão precisando de você, Dica.

Ela pisca para mim, se levanta. Segue andando na direção dos elevadores, como se não tivesse praticamente me arrastado há poucos minutos ou estivesse tão eufórica para ter uma conversa. Eu já estou acostumada com o fato de ela ter esses rompantes estranhos, mas é sempre chocante ser deixada por ela no meio de algo que estou querendo dizer. Como agora. Essa seria uma ótima oportunidade de contar a ela o atual drama da minha vida.

Sigo até a farmácia e a encontro vazia.

Estranho. João é tão leão de chácara e nunca deixa o balcão sozinho. Sempre que ele precisa dar uma saída, pede para alguém ficar no seu lugar. Qualquer pessoa mesmo. Outro dia, passei pela farmácia e vi Judite, uma das seguranças do térreo, do outro lado balcão. Ela parecia, literalmente, uma estranha no ninho.

Quando me aproximo, percebo que estou enganada. Ele está lá, com seu jaleco bordado, cochichando ao telefone no espaço entre duas estantes. Em um volume tão alto que posso ouvir sem precisar chegar muito perto.

— Eu sei, mas ela ainda não passou por aqui. Mel vai trazer os brigadeiros sem granulado, porque ela odeia. Rosa vai trazer os descartáveis, você sabe como ela não tem jeito para cozinhar. É claro que o bolo é por minha conta! Certo, só não esquece que o aniversário de Amanda é depois de amanhã. Liga para ela para dar os parabéns.

Definitivamente esse não é o meu dia.

Na verdade é sim o dia do meu aniversário, mas tudo parece errado.

Eu detesto festa de aniversários. Festas surpresas são como uma pegadinha de mau gosto. Não preciso de uma lembrança de que estou envelhecendo, o espelho já faz esse trabalho muito bem. Além de não gostar de festas, só aceito parabéns a partir das oito e quinze da noite. Foi a hora em que nasci, segundo Monstrinha.

É um costume antigo entre mim e minha irmã mais velha. Apenas dar parabéns depois da hora do nosso nascimento. O que, no caso de Monstrinha é um pequeno inconveniente, porque ela nasceu na madrugada.

Não vejo sentido em fazer uma festa de aniversário para alguém que odeia e, ainda, no dia errado.

— Johnny, preciso de pílulas — digo me debruçando sobre o balcão.

Dica! Como vão os últimos dias com vinte e três? — pergunta ele em sua costumeira afetação.

— Pode me dar um calmante?

Eu não sou uma pessoa viciada em remédios. É que depois de vir trabalhar nesse hospital, com tantas emoções inesperadas, duas pílulas de um ansiolítico leve me fazem muito bem.

— Eu recebi ameaças de que vão caçar o meu registro se eu continuar distribuindo remédios aos funcionários sem conferir a receita — Ele diz exibindo seus dentes brancos.

— Achei que eu fosse uma funcionária especial — provoco com as mãos no rosto, apoiadas pelos cotovelos.

— Já viu as delícias que estão entrando e saindo do auditório hoje? — Ele diz com os olhos brilhando.

Reviro os olhos com o comentário. Se ele falar alguma coisa a respeito de eu precisar aproveitar as chances que o destino está me dando, sairei correndo.

— Joaquim sabe desses seus desejos adúlteros a essa hora da manhã? — resmungo deitando as bochechas no balcão. Eu sei que essa é uma péssima ação para se fazer em um hospital lotado de bactérias, mas ficar mais intoxicada do que já estou é impossível.

— Ele tem consciência de que não sou cego — João adora se gabar do ciúme que o namorado dele sente — Quer que eu lhe diga o melhor remédio para acabar com esse estresse matinal?

Ele tenta responder, mas Sílvia aparece exatamente no momento em que vai começar com as obscenidades. Ela me encara por alguns segundos, talvez tentando encontrar algum resquício da minha atuação de momentos atrás, mas apenas lhe direciono um sorriso, quando retomo a minha postura profissional que em nada se parece com essa Amanda à beira do desespero.

Eu espero João atendê-la para continuar as minhas súplicas.

— Dois comprimidos e eu vou embora.

— Sabe que podem te demitir por estar se drogando durante o expediente, não sabe? — pergunta ele examinando suas unhas sempre perfeitas.

— Eu não estou... — desisto de discutir — Deixa para lá! Vou voltar para a minha salinha e me encharcar com as lágrimas das famílias dos bebês prematuros. Quem precisa de drogas quando se tem isso?

Ele ri e balança as mãos me mandando embora, porque o telefone dele volta a tocar. Não posso continuar ouvindo os acertos da minha festa de aniversário no dia errado.

Me empurro de volta para as  escadas e subo mais dois lances até a unidade neonatal.

Mesmo com o cheiro estéril de éter, eu sempre sinto cheiro de bebês quando passo pelas portas. Deve ser psicológico.

Do lado de dentro, há uma senhora sentada nas cadeiras de espera de frente a minha sala. Ela tem cabelos grisalhos, presos em um coque profissional que não combina muito com seu conjunto laranja folgado.

Ela tem um semblante profissional, que nunca terei, aliás. Eu nunca terei a cara de uma assistente social bem sucedida. Valentina chega bem perto disso, mesmo sendo apenas uma estagiária. Não tenho esse porte elegante ou esse olhar minucioso e analítico que a senhora tem. A mulher lembra até uma psicóloga que ministra terapia em grupo.

Cumprimento-a com educação, fingindo que não sei que ela está me esperando há quase meia hora. E que eu, com essa cara pós-adolescente, serei a pessoa a ajudá-la a lidar com a cirurgia do netinho prematuro. A mulher me responde com um sorriso, provavelmente, um dos que ela usa para incitar seus pacientes antes da apresentação inicial.

Mando-a entrar na sala e, quando estamos frente a frente parece que eu sou a paciente. Só consigo pensar no momento da minha apresentação na sessão do grupo dos desiludidos anônimos:

"Oi, meu nome é Amanda. O dia está uma merda e não é só por que hoje é o meu aniversário. É que acabo de me encontrar com meu ex-noivo e não faço a menor ideia de como lidar com isso".

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