Capítulo 518 O limiar da fadiga de um deus e o fastígio de um demônio 1
Não adiantava.
Era inútil se precipitar.
O único que tinha as respostas que precisava era Bai Wu Xiang ou o próprio Huan Shui.
Não ajudaria se voltasse para Zhen Yan mais uma vez de mãos vazias depois de todo esforço dos Sacerdotes para localizar o deus da Água Púrpura, nem se sentiria melhor se voltasse para sua morada onde Tang Shi e Huang Ho esperavam seu retorno... O que ele diria? Não poderia lidar com a decepção nos rostos deles.
Procurar Hua Cheng também era uma ideia infrutífera, a não ser que o aquele Senhor da Cidade Fantasma soubesse para onde o junco havia partido.
Apesar de mais uma vez possuir o vigor de um deus maior, Jun Wu tinha a mente exausta, impossibilitada de estabelecer um rumo ou tecer uma estratégia.
O coração envolto em sombras taciturnas, afundado em infortúnios, mortificado de tal modo que sentou-se no chão perto da fonte naquele palácio feito de verdes, púrpuras e azuis e não se moveu por um bom tempo enquanto se esvaía a madrugada.
O silêncio dentro do palácio era quase sepulcral, se não fosse pelo som da água corrente da fonte envolta num túnel verde da onde pendiam flores, ao passo que o silêncio no Reino Celeste apenas se somava a tudo isso, ninguém se importava afinal.
Jun Wu se concentrou nesse som e tentou ao menos descansar do peso do próprio fracasso em resgatar a pessoa que amava.
O som da água o confortava parcialmente, soava como a própria essência de Shui.
E o som que o confortava era o mesmo que o consumia.
Tendo Fang Xin junto ao seu corpo, Jun Wu fechou os olhos com a mão segurando o guarda-mão de sua espada de jade negro.
Sua silhueta absorvida pela penumbra.
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Tudo parecia feito do céu noturno, fartamente estrelado.
Uma noite eterna, até o chão era o céu e seu corpo estava encostado num pedaço de céu intensamente escuro, salpicado de pontos de luz.
Jun Wu abriu vagamente os olhos, ainda abraçado a Fang Xin.
E se deparou com esse cenário insólito, insurgente.
Ele se lembrava que tinha adormecido sentado encostado na fonte, dentro do palácio e sem esboçar grande reação, seu olhar mais escuro do que todo aquele céu percorreu a paisagem sem fim, enquanto se levantava.
O deus maior se moveu e quanto mais avançava, uma névoa baixa se formava sobre seus pés.
Até que, sem medir o tempo que caminhou, naquela atmosfera entorpecida, freou os pés ao perceber que no meio de todo aquele céu, a névoa nos pés, abriu-se o que parecia um lago que refletia a noite, as constelações do Dragão Azul do Leste, a Tartaruga Negra do Norte, o Tigre Branco do Oeste e o Pássaro Vermelho do Sul.
Jun Wu olhou para dentro do lago com uma expressão neutra, quase indiferente.
E, ao invés de ver o próprio reflexo refletido na água, deparou-se com o pseudo-semblante de Lao Shi, o alter ego de Bai Wu Xiang.
Por mais fantástico e estranho que aquele cenário lhe parecesse, Jun Wu ainda não tinha certeza se era um sonho criado por sua mente exausta ou se era uma artimanha do Branco sem Face.
Por conta disso, continuou agindo como se toda situação não fosse nada demais, apenas observando.
Fingindo que sua aura assassina havia se dissipado.
O rosto do antigo Duque ondulou levemente refletido naquela superfície batizada de estrelas e não estava ali casualmente, o rosto refletido na água devolvia outro tipo de olhar para Jun Wu, algo indecifrável.
Não, não era um maldito sonho apenas fruto da sua mente.
Definitivamente, a expectativa de um suposto diálogo era sufocante, Jun Wu sentia-se preso naquela situação.
O deus maior estreitou o olhar frio e o face do Duque refletida piscou, recitando:
— Eu não sabia onde você estava, Jun Wu. A única alternativa foi tentar me conectar a você através do sonho... Não ouse tentar acordar.
Naturalmente, Jun Wu se sentia furioso e quando encarava aquele rosto, um mar de sangue provocado por sua espada surgia deliberadamente em sua mente.
Contudo, ele respirou fundo, tentando parecer controlado, porque... Havia algo estranho no tom e na atitude de Bai Wu Xiang. Por que ele tentaria estar com Jun Wu num sonho logo após tê-lo passado para trás, fugindo de seu alcance? Não havia qualquer sentido.
Jun Wu se inclinou, agachando-se sobre um dos joelhos flexionados, sua expressão gelada.
— Foi você que articulou cada detalhe para favorecer sua fuga. — Sua voz refutou ríspida, sem indício de paciência. — Por que vir até mim depois de tudo?
Curiosamente, Bai Wu Xiang hesitou diante do inquérito, seu semblante também estava tenso e austero, desviando o olhar para um ponto indefinido.
Jun Wu teve a sensação que viu Bai Wu Xiang bufar brevemente, ele também estava odiando a situação e isso era inédito!
— Para onde foi aquele seu divertimento mesquinho? — Jun Wu ironizou, entregando um olhar de soslaio. — Hum? O que pretende com isso?
De forma custosa, Bai Wu Xiang tornou a encarar Jun Wu de má vontade, a expressão de sua face retorcida e não era apenas por estar refletido na água levemente ondulante.
— Você... — Lao Shi disse lentamente, a voz melodiosa frígida. — Sei que cuidou do Shui quando ele estava doente pelo efeito das orbes. Que medicina ele usou? Quem fabricava? Responda, Jun Wu.
As pupilas de Jun Wu encolheram, Huan Shui teria piorado ainda mais? Não havia outra razão para Bai Wu Xiang se submeter a este tipo e conversa.
— O que houve com A-Shui?! — Jun Wu rosnou, apertando sua espada entre os dedos. — Ele já está sem a medicina há tempo demais! O que fez com ele, seu demônio bastardo?!
— Demore a responder e talvez ocorra o pior. — Lao Shi cuspiu baixo, incisivo. — Diga de uma vez, não estou com tempo para seus surtos de raiva.
Não importava que fosse um sonho ou uma alucinação, Jun Wu emanava uma aura escura, completamente possesso.
— Eu já sabia que algo estava errado, tentei executar o feitiço de troca de alma com A-Shui e não encontrei a alma dele! O que você fez?!... Seja o que for, sei que foi longe demais e a medicina de antes, com certeza não vai adiantar para aplacar os efeitos das orbes.
O reflexo da face de Lao Shi tornou-se mais turvo, sua expressão inelegível.
— Não fui eu quem fez. — O Duque retrucou meio que para si mesmo. — Está louco? Eu jamais causaria...
Lao Shi não conseguiu terminar a sentença, era doloroso demais, seus lábios se trincaram um no outro e acabou se obrigando a dizer entre dentes, a raiva e a frustração, o medo em proporções divergentes:
— Eu... não posso reverter isso sozinho.
As sobrancelhas de Jun Wu se arquearam cheias de sarcasmo e ira, sua voz cheia de malícia e provocação.
— Ora... Entendi direito? Está se humilhando ao ponto de pedir minha ajuda?