Filhos da Entropia

By ssotavares

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Wolfgang é um jovem brasileiro que começa a viver um estranho e inexplicável fenômeno. Pobre, filho de um imi... More

O Viajante - Capítulo I - Wolfgang - Janeiro de 1973
O Viajante - Capítulo III - Mikael - Janeiro de 1973
O Viajante - Capítulo IV - Wolfgang - Janeiro de 1973
O Viajante - Capítulo V - Mikael - Janeiro de 1973
O Viajante - Capítulo VI - Wolfgang - Janeiro de 1973
O Viajante - Capítulo VII - Mikael - Fevereiro de 1973
O Viajante - Capítulo VIII - Wolfgang - Fevereiro de 1973
O Viajante - Capítulo IX - Wolfgang - Fevereiro de 1973
O Viajante - Capítulo X - Mikael - Fevereiro de 1973
O Viajante - Capítulo XI - Isabelle - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XII - Wolfgang - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XIII - Isabelle - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XIV - Mikael - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XV - Levi - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XVI - Wolfgang - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XVII - Isabelle - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XVIII - Wolfgang - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XIX - Levi - Março de 1973
O Viajante - Capítulo XX - Mikael - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXI - Wolfgang - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXII - Isabelle - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXIII - Levi - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXIV - Wolfgang - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXV - Wolfgang - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXVI - Mikael - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXVII - Isabelle - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXVIII - Wolfgang - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXIX - Wolfgang - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXX - Levi - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXXI - Mikael - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXXII - Isabelle - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXXIII - Wolfgang - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXXIV - Wolfgang - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXXV - Mikael - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXXVI - Levi - Abril de 1973
O Viajante - Capítulo XXXVII - Wolfgang - Maio de 1973

O Viajante - Capítulo II - Wolfgang - Janeiro de 1973

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By ssotavares

Acordei, pela manhã, atordoado. Tudo o que aconteceu no dia anterior fez minha cabeça zunir. Após tomar um banho frio, olhei-me no espelho e vi as olheiras evidentes enquanto fazia a barba - se é que aqueles fiapos esparsos podiam ser chamados de barba. Analisei minha face após raspar aquela barbicha mal crescida. Minha pele era muito pálida e, com exceção a isso, eu não tinha quase nada do meu pai. Havia herdado os cabelos da minha mãe. As madeixas eram negras, assim como os meus olhos.

Após fazer a barba, penteei aqueles cabelos. Eram volumosos, eu os usava grandes, até os ombros. Mesmo após eu passar o pente algumas vezes, os fios continuaram a ter um aspecto bagunçado.

Não fui capaz de despertar por completo da sonolência. O cheiro de café misturado com cigarro dominava a casa. Andei até à cozinha e encontrei Wilhelm sentado à mesa. Ele bebia café e lia jornal. Metade de um cigarro apagado jazia no cinzeiro. Sentei-me à mesa.

— Bom dia, pai. — Minha voz saiu preguiçosa.

— Bom dia. — Seus olhos cansados foram até mim. Servi-me do café com dificuldade pelas mãos feridas. — As mãos tão doendo?

— Não. — Tomei um gole do café. Estava terrivelmente amargo. — Acabou o açúcar?

— Não. — Wilhelm franziu o cenho. — Tá muito amargo?

— Porra! Demais.

— Olha a boca. — Reclamou. Uma reclamação automática, sem peso. Wilhelm sempre dizia isso quando eu falava algum palavrão. Era quase um rito. — Acho que coloquei pouco açúcar.

— Tá certo. Café tem que ser amargo como a vida, né, seu Wilhelm? — Falei de maneira jocosa. Ao menos, havia conseguido recuperar o meu humor. Meu pai esboçou uma ameaça de sorriso breve e voltou os olhos para o jornal.

O silêncio imperou por algum tempo. Wilhelm se levantou, levou sua louça para a pia e caminhou até a cadeira que eu estava sentado, parando ao lado dela. Sua mão tocou o meu ombro.

Fitei-o.

— Wolfgang… — Sua voz estava mais séria que o habitual. — Presta atenção no que vou te falar. Eu não quero mais saber dessas suas brigas na rua, entendeu?

— Sim, pai. — Respondi após engolir o café com pressa. Meu pai tirou a mão do meu ombro, mas permaneceu parado e me olhando.

— Você já é homem. Não dá pra continuar agindo igual aquele rapaz arruaceiro do colégio.

— Eu vou… Me controlar. — Em todos os sentidos, eu era uma criatura anormal. Mas tentaria honrar esse compromisso.

—  Eu tô indo trabalhar. — Wilhelm disse após assentir à minha promessa. — Até mais tarde, rapaz. — Ele costumava me chamar de “rapaz” quando sua voz se tornava mais afável. Essa era uma maneira do meu pai demonstrar afeto.

Não tardou para eu mesmo precisar ir trabalhar. Assim que cheguei no bar, o Silva já gritou ordens para fazer café.

Ignorei os gritos dele. Tirei o maço de cigarro do meu bolso, peguei um cigarro, acendi e o traguei, recostando-me no balcão.

— Tá surdo, Grilo? — Silva gritou de maneira estridente. Ele me chamava de Grilo por eu ser magrelo e por ele achar o meu nome muito difícil de falar. A bem da verdade, a maioria das pessoas achava isso. Não era interessante ter um nome germânico no Brasil.

— Porra, Silva. Dá um tempo.

— Tá querendo ir pra rua? — Alberto Silva gargalhou alto. Eu trabalhava ali desde os 14 anos, o chefe e eu já tínhamos nos acostumado com os maneirismos um do outro. Além disso, ele era amigo do meu pai. Me conhecia desde criança.

— Como se um folgado feito você fosse ficar sem o empregado.

— Olha o respeito, moleque! Vai fazer café. Tá chegando gente.

Para me livrar daquela voz alta e irritante do Alberto, acatei a ordem e fui preparar o café para depois atender os poucos clientes que chegavam ali.


Por volta do fim da manhã, o movimento diminuiu e eu pude respirar. Apoiei os cotovelos no balcão e tentei recuperar o meu fôlego. Um rádio sobre uma mesa de metal noticiava alguns acontecimentos, mas minha atenção não se voltou ao que era dito. Todo aquele barulho só fazia me deixar mais cansado.

— Aí, Grilo! — Silva bradou. Ele só sabia falar gritando. — Pega uma cervejinha pra mim. — O homem calvo estava sentado em uma cadeira ao lado do rádio.

— São 10h da manhã. — Respondi de maneira letárgica, esfregando os olhos. O que aconteceu no dia anterior fez com que eu não dormisse bem. Minha cabeça estava doendo e os bocejos me escapavam.

— E eu com isso? — Mais uma vez, riu de maneira ruidosa. — Ali, chegou gente. Vai atender! — Meus olhos permaneceram fechados enquanto eu os esfregava com os dedos. A lembrança do ônibus me atormentava e se repetia.

— Grilo! — O homem gritou mais novamente. Abri os olhos e vi aquele único cliente no bar vazio.

Fui até a mesa em que ele estava. Tratava-se de um rapaz alto e com cabelos cor de areia. As madeixas loiras e curtas estavam levemente emaranhadas e ele usava uma camisa azul muito bem passada e calças de linho bege. O rosto era angular, com o maxilar bem delineado. Tinha lábios finos  e um nariz reto. Não usava barba e parecia jovem, com mais ou menos a minha idade. Seu semblante estava tão cansado como o de qualquer pessoa que aparecia por ali de manhã.

— Quer alguma coisa? — Indaguei de maneira automática.

Ele levantou os olhos e me encarou.  Meus tímpanos doeram com o chiado que os invadiu. A minha visão escureceu e minhas pernas e meus braços perderam a força.

— Ei! — Uma voz distante me chamou. Julguei ser a voz do rapaz alto. Senti alguém me segurar, impedindo que eu caísse no chão. Pude escutar os gritos ininteligíveis do Silva.


Minhas costas estavam contra o chão frio e duro. Abri os olhos. Acima de mim, vi o rosto de Silva e do rapaz. Os olhos castanhos daquele rapaz e suas feições firmes me pareciam estranhamente familiares.

As vozes de ambos estavam distantes demais, eu não conseguia os entender, apenas percebia os lábios deles se movendo.

— Tá tudo bem? — O rapaz perguntou.

— Frescura! Isso daí é falta de comida. — O dono do bar respondeu por mim. — Levanta aí, Grilo.

— Não, ele não pode levantar de uma vez. — O jovem rebateu.

— Ficar aí o dia inteiro é que ele não vai. — Silva caminhou até mim, segurou-me por debaixo dos meus braços e me levantou, colocando-me uma cadeira.

O rapaz alto ficou de pé ao lado da cadeira que o patrão calvo me colocou. Seus olhos permaneceram sobre mim.

— Desculpa aí, meu bom. Esse magrelo é cheio de coisa mesmo. Você vai querer pedir o quê? — Meu patrão perguntou para o cliente. Silva não tinha qualquer tipo de tato social.

— Dois cafés e pão na chapa. — Não só a face do rapaz, mas sua voz também me parecia conhecida. Ouvi-la me deu a sensação de déjà-vu.

— É pra já. — Alberto me olhou e foi até a cozinha. De certo, esperava que eu me levantasse logo dali e voltasse a trabalhar.

— Quando foi a sua última vez que você comeu? — O rapaz perguntou com ar sério e firme, com seus olhos fitando os meus sem hesitação.

— Sei lá… — Senti uma sensação de náusea e uma leve dor de cabeça acima dos olhos. — 6 da manhã?

— Já são quase onze. — A firmeza de sua voz era, de alguma forma, acolhedora e calma.

— É… — A impressão de que eu o conhecia de algum lugar se tornou mais forte.

— Você não pode ficar tanto tempo sem comer… — O rapaz me olhou como se esperasse uma resposta. — Qual o seu nome? O seu chefe só te chamou de Grilo.

— Wolfgang. — Respondi com certa irritação na voz. Apesar da aparente boa vontade, aquele cara era muito chato. A familiaridade de certo era só uma impressão. Eu me lembraria de um ser pedante como aquele caso já tivesse o conhecido. — Já entendi, cara…

— Você quase bateu a cabeça na quina da mesa. — Ele apontou para o canto da mesa em que estava sentado.

— Porra, desculpa por desmaiar então. — Minha paciência esgotou de vez. — Satisfeito?

— Não, desculpa… — Ele esfregou o rosto de maneira cansada. — É que eu sou enfermeiro. Vejo tantos acidentes do tipo que às vezes não consigo evitar de encher o saco com essas coisas.

— Legal… — Olhei-o de relance. — Como é seu nome? — Perguntei. Queria ter a certeza de que, de fato, não o conhecia.

— Mikael. — O enfermeiro desviou os olhos de mim, pois Silva se aproximou com seu pedido. Mikael se sentou à mesa. Pegou um dos copos americanos com café e me entregou. Aquele ato o fez parecer uma boa pessoa.

Bebi o café. Estava horrível. Qualquer patrão sensato já teria me demitido por um trabalho tão mal feito.

— Puta café ruim… — Resmunguei. Mikael me olhou de soslaio, com o cenho franzido. — Não achou, não?

— Não tá muito bom mesmo, não… — Confessou. — Mas sendo café, serve. — Ele partiu, ao meio, o pão com manteiga que pediu e entregou metade para mim. Olhei-o com desconfiança. Não via motivos para aquele rapaz ser tão prestativo.

Mikael insistiu, mantendo a mão erguida com metade do pão. Restou-me aceitar. E, em silêncio, tomamos aquele café e comemos o pão.

— Você tá melhor? — O loiro perguntou com seriedade. Sua expressão era taciturna o tempo todo.

— Sim. — E realmente estava. Não tinha percebido o quão faminto eu estava até ele me oferecer aquele lanche.

Mikael se levantou da cadeira e ergueu a mão num cumprimento formal. Retribuí o aperto de mão. Foi um gesto insosso, automatizado.

— Vou indo. Tchau, Wolfgang. — Mais insosso que o aperto de mãos, foi aquela despedida. Mikael tinha boa aparência e era totalmente sem vida. Assemelhava-se a um boneco de madeira bem esculpido.

— Obrigado pela ajuda. — Agradeci. Apesar de ser tão insosso, foi muito solícito comigo. Ao meu agradecimento, o enfermeiro só assentiu.

Um desmaio no trabalho não foi o suficiente para Silva pegar mais leve em suas ordens. Cheguei em casa exausto. Já eram quase 9h da noite. Depois de ter passado mal, meu corpo pareceu mais fraco do que o de costume.

Joguei-me no sofá assim que entrei em casa. Recostei o pescoço no assento e fechei os olhos. Ouvi meu pai falar comigo e o respondi qualquer coisa. Meus olhos pesaram de modo que eu não consegui evitar de os fechar.

Maldito ruído que machucava os meus ouvidos. Ele soava até me fazer chegar à beira de um colapso.

Tudo estava escuro, como se o céu estivesse coberto de nuvens de tempestade. Entretanto, quando olhei para cima, não vi nuvem nenhuma. Uma luz verde pulsava nos céus. Não dava para ver se era dia ou noite, tudo que eu conseguia enxergar era aquele esplendor de verde intenso.

Percebi que estava em uma rua. Não sabia qual rua era aquela. Não me era familiar. Ou talvez eu só não estivesse a reconhecendo, uma vez que o horizonte era coberto por uma neblina densa.

A silhueta de uma pessoa se desenhou na névoa e pareceu se aproximar. Quanto mais se aproximava, mais nítida ficava. Aparentava ser de um homem alto.

E, por entre a névoa, quem se revelou foi o enfermeiro do bar. Aquele rapaz bondoso, insosso e intrometido. Tive, mais uma vez, a sensação de déjà-vu.

— Conheço você de algum lugar… — Falei. O som agudo e alto tornou minha voz semelhante a um sussurro.

Mikael me olhou. Seu semblante estava tão confuso como o meu.

E então abri os olhos. Meu peito estava ofegante. Eu dormi no sofá. Wilhelm estava de pé ao lado do sofá, olhando-me com preocupação.

— Wolfgang, o que foi? — Indagou.

— Eu dormi. — A sonolência ainda me atordoava.

— Você tava se debatendo. Tá tudo bem? — Senti culpa. Eu sempre dava um jeito de me tornar um peso para o Wilhelm ao o preocupar.

— Tive um sonho esquisito. Deve ser cansaço. O Silva gritou o dia todo.

— O Alberto não é fácil. — O austríaco se sentou ao meu lado no sofá e ligou o rádio. Primeiro veio a estática. Meu pai sintonizou em sua estação preferida.

— Já já começa a sua novela. — Disse de forma zombeteira. Sempre que eu pegava no seu pé, Wilhelm ameaçava sorrir.

— Fiz arroz e feijão. Frita um ovo e vai jantar. — Assenti e o obedeci. Meu pai estava sempre preocupado, buscando me oferecer algum conforto após o trabalho. E eu o retribuía com preocupação. Com minha maldita incapacidade de agir como um homem decente.

Em cultivava a culpa todas as noites. Mas naquela noite, a culpa perdeu seu pódio de ouro em minha mente, dando lugar ao sonho estranho que eu tive. Tão parecido com o que aconteceu no ônibus e com a presença do enfermeiro - alguém que eu tinha a constante sensação de já conhecer

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