Principal escolha: A ruína ♤...

By AneriLyri

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-Você só tinha uma escolha, Joshua. Apenas arque com as consequências dela. Escolhas e consequências. A melho... More

♤Trailer♤
♤ Cast ♤
♤ Prólogo ♤
♤ Prólogo - parte 2♤
1°|♤| O passado não foi enterrado
2°|♤| A ferida mais dolorosa
3°|♤| Volte para sua Lena
4°|♤| Agora, volte pra sua família
♤ Cast - Parte 2♤
5°|♤| Irmãos May
6°|♤| Eu não te devo desculpas
7°|♤| A sorte? Acaba.
8°|♤| Seria uma boa mãe
9°|♤| Minha metade
10°|♤| Vadias traidoras
11°|♤| Um irmão
12°|♤| Quanto tempo, rainha.
13°|♤| Tudo isso é por Joshua ?
14°|♤| Isso não é um adeus
15°|♤| Testamento conturbado
16°|♤| Oi, amor.
17° - Parte 01|♤| Rei & Rainha.
17° - parte 02|♤| Rei & rainha.
18°|♤| Sobrevivência.
19°|♤| Lealdade, amor.
20°|♤|Possível traidor.
21°|♤| Traição digna de um rei.
22•|♤| A morte como fuga.
23°|♤| Por te amar.
|♤| Especial de Natal |♤|
24°|♤|Estratégia precede a ruína.
25°|♤|Não diga isso, dói.
26°|♤| Karmas entrelaçados.
28°|♤| Apenas rebole, amor.

27°|♤|Serei seu pior pesadelo.

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By AneriLyri

Oi, gente linda! Antes da leitura, gostaria de pedir para vocês comentarem mais, sabe ? Isso me dá mais criatividade para escrever e eu tenho mais noção se meu trabalho está bom ou não. Então, por favorzinho.

Segundo: aproveitem a leitura e os momentos, amo tudo isso aqui.

Terceiro: se você irá ter uma aquela prova que não pode ser citada. Uma ótima prova! Independente de nota, você arrasou por ir e se esforçar. A nota não quantifica o seu talento e sua capacidade. Tenho certeza que o sucesso de cada um chegará de qualquer modo, seja em uma universidade pública ou particular. Ou, talvez seu sucesso nem seja na faculdade, ok ? Talento é talento, e ele sempre aparece independente do local.

Quarto: boa leitura, amor.

_____♤_____

04 de Janeiro
Califórnia — Estados Unidos
Horas mais tarde

Narrador

— Acha que é verdade ?— Any perguntou, enquanto fingia olhar os botões dourados do sobretudo, estando mais absorta do que gostaria. Joshua, que andava calmamente ao seu lado, continuou encarando à frente, como se os pensamentos estivessem em outra dimensão.

— O que, Gabrielly ?— a cacheada revirou os olhos com a acidez no tom de voz. Ele sabia exatamente sobre o que, ou melhor, quem ela perguntava. Mas, o canadense tinha essa péssima característica irritante: ter de ouvir exatamente o que quer. Any sabia que aquilo era um truque mental barato, mas que já estava intrínseco na personalidade do mesmo.

— Vai se fuder.— Joshua soltou uma risada baixa e descontraída. O canadense retirou as mãos do bolso do sobretudo, ostentando anéis de ouro e pedras preciosas. Any focou o olhar nos anéis, admirando as joias descaradamente. O loiro, por sua vez, moveu os olhos claros como água para a mulher ao seu lado.

Any tinha uma beleza predatória e sagaz. Uma espécie de perigo rondava os traços fortes e delicados, como um enigma que instigava todos a tentar desvendar. Esse era o jogo dela: ser, simplesmente, ela. Joshua tinha jogado esse jogo tempo o suficiente para saber que brincar com Any era problema; o divertia e o trazia uma satisfação que nem mesmo todo o poder conseguia, mas o preço sempre era muito mais caro do que ele estivera acostumado a pagar.

— O que está pensando ? — a brasileira levantou o olhar astuto e encarou fixamente o loiro. Eles andavam na mesma velocidade, calmos, com um palmo de distância entre os dois. Aquilo à incomodava: a proximidade. Não era íntimo, mas era próximo, e Joshua sabia disso o suficiente para se aproximar mais e incomodá-la.— Não respondeu a provocação, então está com a cabeça em outro lugar.

— Seu divertimento é eu responder suas provocações, Any ?— retrucou, sério, mas com a voz levemente divertida.

— Não fuja do assunto.— o rosto fechado da mulher fez Joshua esquecer momentaneamente as teorias. Aquela mulher, era bonita e sexy o suficiente para fazê-lo sair de órbita. Perigoso demais, Joshua.

— Não foi Joana que matou eles.— o loiro respondeu, sério. O olhar desviou novamente pra paisagem. Joshua desbloqueou o carro, que era um dos últimos no estacionamento da universidade, mas, ao invés de entrar, apoiou o quadril no capô e encarou a paisagem de árvores e flores que tinha a frente. Any, tinha ido para o rumo do passageiro, mas não abriu a porta, a mulher apenas franziu o cenho e deu a volta no carro, aproximando-se do canadense.

— Ela sempre foi boa com isso.— Any contrapôs.— Foder pessoas.

— Nós também.— Joshua cruzou os braços, encarando a mulher firmemente.— Mas Joana nunca conseguiria algo daquele porte. Não foi ela.

— Como tem tanta certeza ?— perguntou, colocando as mãos na cintura e o encarando com desdém nítido. Joshua quase sorriu com a pose irredutível de Gabrielly, mas era muito fácil quebrar o ego da assassina.

— Como tem tanta certeza que suas adagas vão acertar o alvo ?— sorriu brincalhão ao ver o olhar de ódio da ex-namorada.— Astrid sabe o que faz, não posso reclamar.

— Ela sempre foi uma puta desgraçada.— disse entredentes e Joshua soltou uma gargalhada. O canadense puxou um cigarro do sobretudo e um isqueiro do bolso, acendeu e tragou a nicotina. Any acompanhou o movimento com olhos afiados o suficiente pra captar a agilidade nos dedos, o ar sexy ao levar o cigarro até a boca, o sorriso descarado e mínimo que ele tinha ao tragar, o movimento da garganta, e a afronta velada em soltar a fumaça pelo nariz, enquanto ele sabia que ela o encarava descaradamente.

— Assim como Akira é um demônio que deveria ser exorcizado.— rebateu, totalmente sarcástico. Joshua iria provocá-la pela análise minuciosa que Gabrielly parecia entretida em fazer, mas optou por não fazê-lo, não quando percebeu a garganta da brasileira engolir em seco com a menção de Akira.— Você não disse como foi no Japão...— tragou mais uma vez.— Há algo que preciso saber ?

Any desviou o olhar, totalmente séria, parecendo não querer falar sobre o que a incomodava — e Joshua sabia que tinha algo. O loiro apenas encarou o perfil estupidamente bonito da mulher e a forma como os cabelos desciam em cascata. Joshua trincou a mandíbula quando o pensamento de quantas voltas aquele comprimento daria em sua mão, passou pela sua cabeça.

— Eu o vi...— disse, apenas isso, encostando no carro, ao lado de Joshua. Os ombros colados, e as expressões semelhantes. Os seguranças andavam disfarçados e Joshua sabia disso, embora estivesse alerta o suficiente para matar qualquer merda que atrapalhasse aquela conversa.— Eu o vi.— repetiu.

Joshua assentiu, retirou o cigarro da boca e estendeu para a mulher. Any nem mesmo hesitou, apenas pegou o cigarro e levou até a boca, tragando como se sua vida dependesse disso.

— Quer falar como foi ?— perguntou, em voz baixa. Any o encarou, com as sobrancelhas arqueadas e a desconfiança nítida no olhar.— Sei como Akira é, e o poder que tem sobre você. É quase como se minha mãe pedisse para pular da ponte.

— Você não pularia.— Any rebateu.

— Mas eu cogitaria.— contrapôs.

Any sorriu levemente e ficou em silêncio, tragou mais uma vez e devolveu o cigarro.

— Se ele me pedisse pra pular, eu pularia.— a voz de Any, aquele tom de voz, fazia Joshua viajar no tempo. Era livre se qualquer característica que atribuíam como mecanismo de defesa. Era puro, singelo, livre de emoções, mas carregado de ressentimentos. Era o tom de voz que Joshua não gostava de ouvir vindo de Any, porque os problemas pessoais da brasileira nunca poderiam ser realmente resolvidos de uma forma que o incômodo cessasse.

— Ele foi o mais próximo que você teve de um pai, eu não à julgo por isso.— deu de ombros e Any negou levemente com a cabeça, sabendo que era uma mentira velada. Joshua julgava cada mínima atitude dela.— Mas, você está viva... das duas uma, ou você o matou, ou ele fugiu após te dar uma surra. Considerando que é de Akira que estamos falando, aposto que foi a segunda opção.— Any o encarou e Joshua também a encarava, os olhos em uma briga de quais era mais vazios. O ar de ambos se misturavam de uma maneira perigosa.

— Segunda opção mesmo.— Any respondeu, e desviou o olhar pra frente, quando sua mente o traiu o suficiente pra achar plausível encarar o movimento que Joshua fazia com a boca ao fumar.— Ele me tratou como uma traidora... Não está errado.— deu de ombros e aceitou o novo cigarro que Joshua atendia. Ela nem se importava de dividir o mesmo cigarro, quando claramente podiam acender um para cada. Mas, era cômodo dividir aquilo. Natural. Era do cotidiano.

— Todos somos traidores, Any.— o loiro deu de ombros, pouco se importando.— Alguns mais que os outros. Ele não é ninguém pra estipular uma régua moral, uma que possa te medir ou não.

— Ele foi o cara que me treinou, me deu casa e comida.— rebateu, entredentes, com o cigarro em mãos.

— E foi o cara que te ameaçou de morte e aposto que não fugira da próxima vez caso à veja.— disse, com o tom de voz baixo e frio, totalmente envenenado.— Então, esqueça do que viveu com ele, não é mais o cara que te deu poder e um lar. É a porra do homem que não vai hesitar em te matar.

— Fala isso porque sempre teve alguém.— Any desencostou do carro e o encarou. O olhar afiado como navalha parecia o cortar. Any tragou mais uma vez e estendeu o cigarro.— Akira foi a única pessoa. Eu virei as costas pensando que a traição era melhor que matá-lo. Acho, de certa forma, que o matei do mesmo jeito.

— Akira tinha você como filha, Gabrielly. Ele te avisou que tudo iria dar errado. Você não o ouviu e resultou nisso.— fumou mais uma vez e devolveu o cigarro.— São pessoas que marcam nossas histórias, mas você não pode pensar que elas sempre serão as mesmas.— Any soltou uma risada sem humor.

— Não é fácil assim...— Joshua bufou, impaciente com o rumo da conversa.

— O cara te deu uma surra, Gabrielly. Ele vai te matar assim que você pisar os pés no Japão, não importa o acordo que você tenha.— falou, com a voz grossa e severa.— Você pode chamá-lo de pai, tio, irmão, esposo ou idolatra-lo como uma imagem mística, mas ele ainda te matará.— Desencostou do carro e se aproximou perigosamente da mulher.— Te matará, Gabrielly. Assim como você me mataria caso eu destruísse o que você mais ama. Assim como eu te mataria se sequer sonhasse que você preferiu me entregar como traidor pra liga do que me matar.— abaixou o rosto, próximo ao de Any.— Ele não é sua família. Ele é o único cara que pode degolar sua cabeça e entregar pros chefes.

— O que o difere da sua situação com Astrid ?— sussurrou, próximo demais. Havia uma mínima distância, uma proximidade boa o suficiente para que Joshua sentisse a respiração descompassado da brasileira, o cheiro de nicotina, o olhar frio e que brilhava em um sentimento triste demais pra definir.

— Difere que Astrid pode me pedir pra pular de uma ponte e me fazer cogitar, mas...— aproximou mais ainda o rosto da brasileira, os narizes se tocando levemente.— Eu a levaria comigo junto até o fundo do rio para que sufocasse com a própria mentira.— o canadense abriu levemente a boca e puxou a fumaça de nicotina que Any tinha soltado. Ele tragou uma vez e soltou levemente, e soltou entre a curva do pescoço da mulher.

— Não deixe Akira te enfraquecer.— sussurrou, no ouvido da mulher. Any sentia o corpo esquentar em todos os locais possíveis, com o tom de voz perigosamente sexy. Com a tensão que Joshua conseguia criar com a maior facilidade.— Porque ele será uma das últimas chances da liga de nos caçar, de te caçar.— o canadense levantou o rosto, beijando levemente a bochecha da mulher.

— E eu não hesitarei de acabar com ele e qualquer coisa que ele chame de família caso faça isso, amor. Farei o mundo de aço dele, derreter sob a própria cabeça.— Joshua se afastou brutalmente e piscou os olhos maliciosos para a brasileira. Any tinha a boca entreaberta e a respiração levemente descompassada.— Assassina.— apontou para Any.— Estrategista.— apontou para a própria mente.

Um jogo perigoso demais, mas divertido na mesma intensidade. E, tempos mais tardes, no quarto de hotel enquanto tomava um banho de água gelada, Any percebeu que Joshua tinha fugido assunto, não tinha falado sobre o que tanto pensava.

05 de Janeiro
Nova York — Estados Unidos

Joalin Beauchamp

O relógio do iPhone ao meu lado marcava 04:17. Nova York parecia correr como se ainda fosse dez da noite de um domingo, e eu deixei meus olhos captarem cada flash da cidade que nunca dormia, através do vidro-fume do carro. Cameron, o meu antigo motorista particular, parecia não se importar com o horário ou de ter acabado de me tirar de uma festa insana — e eu quase sentia-me nostálgica com isso.

Nada parecia o abalar. E isso não me surpreendia. Cameron estava na minha vida desde que eu cogitei trocar água por vodca, ou quando meu perfume caro começou a se misturar com tabaco e maconha. Ron o tinha contratado para sempre estar disponível para as minhas vontades que necessitava de locomoção, bom, isso era o que ele dizia quando eu tinha quinze anos. Josh era presente na medida que conseguia, então a sensação de ausência de uma figura masculina era, antagonicamente, muito presente na minha vida.

Na verdade, Ron só gostava de controle, de saber a onde eu estava e que sempre tivesse disposta às suas ideias manipuladoras. Meu pai adorava mandar algum segurança me tirar de festas e, após chegar em casa, me dar um sermão de horas. Sinto que isso enchia sua consciência de pai, era isso que validava seu sentimento de cuidar de alguém, que alimentava a sua compulsão por controle. Na verdade, arrisco a dizer que era isso que mascarava sua culpa de ter sido negligente com todos nós.

Sina e Sofya não se isentavam, embora a diferença de tratamento entre nós fosse semelhante à um abismo. De nós quatro, apenas Joshua conhecia a mãe e a tinha por perto, a única mulher que suportou o gênio desgraçado e as inúmeras traições do meu pai. Ursula é boa, infinitamente boa, de uma maneira que dói meu coração por não conseguir sentir tamanha bondade. Na ausência de carinho, ela sempre aparecia com um chá e uma história pra acalentar meus demônios.

Na ausência de Joshua, ela fazia questão de deitar comigo e dizer que quando eu a abraçasse, poderia senti-lo. E desde que meu irmão se foi, me pego pensando em voltar a falar com minha madrasta e pedir um abraço. Na verdade, de pedir um pedaço do que me foi tirado.

Meu pai conseguiu quebrar até mesmo a frágil relação com a mulher mais velha. Meu pai, meu próprio pai, fazia questão de quebrar tudo enquanto eu o tivesse por perto.

Quando sai de casa, não tinha mais como ele fazer isso. Quando me afastei dele e deixei claro que pouco me fodia, não tinha mais como me importunar. Tendo Any como minha responsável, parecia que a redoma de vidro que eu tanto temia quebrar, tinha calcificado como rocha. Meu pai mexeria com inúmeras pessoas, menos com a mulher que ele nunca aceitou em sua família. Meu pai não podia mais me atingir, certo ?

E eu acreditei fielmente nisso, até Cameron entrar dentro de uma das baladas mais famosas de Nova York, me chamar com muito respeito e falar a seguinte frase: "Senhorita Beauchamp, seu pai pediu sua presença na mansão, urgentemente". E eu, sóbria ou não, sempre responderia um "não" sonoro e claro, mas a urgência e receio de Cameron me fez voltar atrás, largar a ruiva que tinha me prometido o melhor orgasmo da noite, apagar o cigarro e o segui-lo. Eu sabia que me arrependeria assim que colocasse os pés naquela mansão.

Já fazia quantos anos que Ron não me chamava de madrugada ? Acho que mais anos do que minha mente permitia contabilizar. Não. A última vez tinha sido para me avisar que o corpo do meu irmão tinha sido encontrado carbonizado em uma solitária, em um presídio de segurança máxima.

A última vez foi quando meu coração parou. Foi a última vez que estive realmente sóbria.

— Alguém está doente ?— perguntei. Minha voz ecoou pelo carro de luxo, Cameron nem ao menos me encarou, continuou focado no trânsito.

— Não sei dizer, senhorita. Apenas fui chamado com urgência pela escuta e designado à chamá-la.— revirei os olhos, sentindo o arrependimento de ter largado uma festa incrível por mais um drama familiar. O álcool amortecia um pouco o ódio.

Ele preenchia o vazio.

— Que droga. — passei a mão no rosto e bufei alto, tal como uma menina mimada. Voltei meu olhar para Cameron e o encarei com mais atenção, continuava igual: olhos escuros e sérios, o rosto marcado pela idade e uma postura séria que fazia-me gargalhar toda vez que estava embriagada.

— Como está sua família ?— Cameron pareceu surpreso ao ouvir minha pergunta. Qual é ? Eu era tão filha da puta insensível assim ? Considerando que ele convivia com Sina e Sofya constantemente, não poderia julgá-lo.

— Bem. Minha neta está enorme e corre pelos jardins da sua mãe escondido.— abri um sorriso sincero, que pareceu surpreender o motorista. Não o corrigi quanto a denominação. Era normal acharem que Úrsula era mãe de todos nós.

— Peça para ela destruir escondido também, prometo amenizar a bronca.— ele soltou uma risada.— Ron a trata bem ?— Cameron levantou o olhar, me encarando sério pelo retrovisor.— Digo, tratam todos vocês bem ?— me corrigi, ao perceber que perguntar ao meu pai como ele agia com a esposa, para o motorista, não era a melhor alternativa.

— Senhor Beauchamp nunca foi má pessoa ou um mal patrão.

— Tenho objeções quanto à primeira afirmação.— ele negou levemente com a cabeça.

— A senhorita já é uma mulher formada e bem sucedida, Senhor Ron apenas sente falta dos filhos e se preocupa com o rumo que vocês estão. É normal para quem é mãe ou pai.— soltei uma risada amarga. Olhei para o vidro, percebendo que já tínhamos entrado no condomínio.— Depois de Joshua, ele tenta prosseguir da melhor maneira.

— Sabe, Cameron você me conhece há quantos anos ? Dez ou quinze ? Bem mais que isso.— arqueei as sobrancelhas. Abri um botão do sobretudo verde claro e arrumei-o no corpo, essa edição básica e de couro da Versace foi a minha preferida.— Não precisa responder, apenas lembre-se de todas as vezes que me tirou de uma festa porque tinha medo de eu me drogar e não porque realmente os meus pais se importaram.— o carro parou e eu rapidamente abri a porta. Antes de sair, encarei o motorista.

— Diga à sua neta que perto do lago, mais ao fundo, entre as macieiras, há uma casa na árvore. Eu e Josh brincávamos lá, acho que ele não irá ligar de ser usada por uma criança feliz.— pisquei o olho direito e sai do carro. O vento frio de Nova York bateu com tudo no sobretudo e no meu rosto.

Passei a mão no nariz, percebendo que ele sangrava levemente. O efeito psicodélico da cocaína já tinha se esvaindo há horas, mas as consequências não. Não me surpreendi. Era uma rotina, certo ? Monótono. Previsível.

Arrumei a gola alta, da blusa vinho que eu usava por baixo. Na minha mão, eu tinha luvas vinho, também de couro, para combinar com o sobretudo e me proteger do frio, mas pareciam não amenizar em nada. Conforme caminhei pela extensão imponente da entrada, comecei a sentir o velho e insano "frio na barriga".

Mas que caralhos aquele desgraçado quer comigo em uma madrugada de sexta feira ?

Assim que pisei os pés na entrada, de fato, a porta foi aberta pela governanta, que parecia genuinamente incomodada de me ver. Lierene estava com minha família desde que nasci, assim como minha única e antiga babá, Aniere. Duas irmãs do Líbano que conseguiram emprego com a família mais rica e poderosa dos Estados Unidos. Irmãs que viram as quatro crianças unidas seguirem os caminhos mais periogosos do mundo. Não consigo sequer voltar em algum período da minha infância e não vê-las. Obviamente que com a governanta, minha relação não era tão boa assim, quanto com a minha querida e linda Aniere.

Não precisávamos de babá há um tempo. E Joshua tinha deixado isso claro quando explodiu com Ron. Aniere, à essa altura do campeonato, tinha falecido de pneumonia. Foi um período triste, mas a irmã fingia não sentir tanto.

Sempre me perguntei como Lierene conseguia ser fria dessa maneira referente à maior parceira de vida dela. Mas, hoje à entendo.

Todos temos uma forma de fugir da dor. Mesmo que esse mecanismo te leve pro  caminho daquilo que quer correr.

— Boa noite, Senhorita Be...— a interrompi, sem paciência alguma.

— Pelo amor de Deus! Já falei para me chamar de Joalin. Ha tanta desgraça nesse sobrenome que parece maldição. — ela me encarou com descrença, com certeza se perguntando como eu tinha me tornado polêmica assim, quando meu irmão, sua criança favorita, era um poço de simpatia e calmaria.

Josh era um bom ator. E eu ? Eu estava mais bêbada do que pudesse contabilizar. Podia sentir uma névoa sobre meus pensamentos característico do uso de entorpecentes.

Minhas mãos e pés estavam extremamente gelados e tremiam em uma agitação extrema. Meu peito acelerava de uma maneira que em breve viraria dor.

Não era ansiedade. Eu sabia o que antecedia o fundo do poço que aceitei em me jogar antes de ir à festa.

Só precisava ser rápido.

— Ok...— respirou fundo e eu sorri leve.— Você parece... drogada, criança! — brigou, ao ver minha diversão. Gargalhei baixo e a abracei de lado, deixando um beijo nos cabelos grisalhos.

— Sempre tão atenta.— debochei, e vi a senhora negar com a cabeça, me encarando com aquele olhar que odeio: preocupação genuína. — Onde está meu pai ?

— Não está.— franzi o cenho, ao mesmo tempo que ela também. Reparei que suas vestimentas eram de descanso.

— Cameron disse que ele me chamou.— retruquei, estranhando.

— Na verdade fui eu, querida.— ouvi a voz doce e baixa ecoar pelo saguão. Ignorei a governanta e caminhei até o meio, sentindo que o barulho dos meus saltos no mármore espelhado ecoava como choques elétricos em minha mente. Levantei meu olhar e vi que Ursula descia as escadas, enquanto cruzava o laço do casaco claro de cetim que usava.— Pode descansar, Ani, acompanho ela por agora.— a governanta apenas assentiu, enquanto nos encarava com estranhamento.

Não desviei o olhar de Úrsula. Apenas a encarei, vendo que, na verdade, a mulher linda e robusta que acalentava meus demônios, parecia ter sido tomada por eles e beirava sua aparência à um cadáver.

Ela tinha perdido peso, embora ainda fosse grande. O rosto parecia tão fundo e cadavérico, os olhos fundos e com bolsas roxas em baixo. A boca estava seca, e a pele tão pálida quanto a cor do meu cabelo. Por falar neles, diferente dos meus, Úrsula tinha assumido mais ainda os fios brancos — que ela tanto reclamava. Desci o olhar sobre seu colo e vi, o relicário que minha madrasta sempre usava depois da ida de Laurel. Era um presente que Any não aceitou. Úrsula ainda seguia com a peça, como uma maneira não deixar aquele pequeno ser realmente morrer.

Além do ursinho rosa dentro da cúpula e da pequena tiara dourada que o rodeava, também havia uma pedra azul dentro. A mesma pedra que Joshua tinha na pulseira de infância — um presente bobo que ganhamos de Ron, cada um com uma cor.

A minha pulseira tinha a pedra verde clara, e estava sumida há tantos anos, que mais agradeci do que odiei por não encontrá-la.

— Oi...— sussurrei, ao perceber que ela também me analisava. Mas, ao contrário de mim, com muito mais preocupação e horror.

— Oi, Jô.— respondeu, também baixo. Com uma voz materna que me fez gritar em desespero internamente.— Você se sente bem agora ?— hesitei com a pergunta.

— Ótima.— passei a mão no nariz novamente ao senti-lo escorrer, mas dessa vez era apenas água, não sangue.— E você ?

— Estou preocupada, querida.— se aproximou a passos lentos de mim.— Com você.— passou a mão trêmula sobre meus cabelos e me encarou com tanto amor e sofrimento, que senti meus olhos lacrimejarem junto dos seus.

Eu era igual à ele.

— Não sou ele.— sussurrei, apertando sua mão levemente ao lado do meu cabelo.— Realmente estou bem, só quero ir embora desse lugar.— engoli em seco, tentando não surtar com o pânico que subia junto de todo aquele amor que eu não sabia corresponder.

— Não é ele, querida. Mas é tão minha filha quanto.— senti as primeiras lágrimas caírem.— Seus amigos me disseram que não esta bem.— a encarei com o cenho franzido, ainda chorando.

Não conseguia pensar muito bem, a névoa começava a ficar mais densa.

— Estou confusa, Úrsula.— sussurrei e apertei meus olhos.— Me deixe ir e conversamos depois, pode ser ? Eu...— hesitei.— Eu estou muito drogada, me desculpe.— respondi, com vergonha. Mas, ao contrário do que imaginei, Úrsula não me olhou com nojo ou algo do tipo, ela apenas afagou ainda mais meu cabelo.

Eu quero meu pedaço do mundo.

Por favor. Por favor. Por favor.

— Ron não estará na cidade pelos próximos dias...— hesitou, mas sorriu pra mim.— Quer um chocolate quente ?— eu amava chocolates quentes.

— Certeza ?— ela assentiu.

— Só se você colocar dose dupla de calda pra mim.— balbuciei, ainda chorando e ela soltou uma risada triste, mas me abraçou forte.

E eu precisava desse abraço. Precisava da sensação de que Joshua estava por perto. De que ele não tinha me deixado. Porque ele não tinha esse direito, eu era a que mais precisava dele. Ele tinha de ter resistido e lutado.

— Depois disso, acho que podemos dormir em um colchão lá na casa próxima ao lago.— sussurrou, sobre meus cabelos.— Lá os monstros não vão invadir nossos sonhos, não é ?

Chorei mais ainda, deixando tudo que estava doendo e que a bebida e as drogada não maquiavam, sair.

— Não, Josh. Lá eles não chegam.— me peguei sussurrando, enquanto a inconsciência tão comum me atingia e o escuro corriqueiro me abraçava como a morte que eu tanto almejava.

A primeira coisa que senti quando recuperei a consciência foi a dor de cabeça latejante. Nem ousei abrir os olhos quando compreendi que meu raciocínio já voltava à sua velocidade normal, que o torpor que me fazia sair de órbita e esquecer dos problemas, tinha passado.

Eu sei que você está acordada.— a voz rouca e recheada de sotaque me fez gemer de dor. Abri os olhos, já esperando uma claridade que me chegaria, mas não. O quarto estava totalmente escuro, exceto um abajur que estava ao lado de uma poltrona marrom. E, sentado nesta poltrona, estava o motivo que me fazia fugir para festas nos últimos dias: Bailey May.

— O que está fazendo aqui ?— forcei minha voz. Minha garganta estava exatamente seca, mas não me importei com ela ou com o estado deplorável que com certeza estava.

Eu não falava com Bailey há dias. Mais precisamente desde a noite de Natal, quando Noah o jogou sob uma janela de vidro. Porque Bailey nos traia; trabalhava para a corja que tinha fodido todos nós. Que tinha levado meu irmão para a prisão. O cara que eu amava, que me apoiou com frases de apoio e um carinho em meu momento mais vulnerável, na verdade, traia toda a minha família.

Desde aquele dia, não vejo nem Bailey e nem Sabina. Os dois apenas entraram no carro e sabe-se lá o que aconteceu. Não me procuraram pra conversar ou dizer que tudo foi um mero mal entendido.

Mas Sabina sempre respondia minhas mensagens. E dizia que não sabia de nada.

Eu acreditava nela.

A dor de ser deixada foi ultrajada pela a da traição.

Eu tinha tantas dores acumuladas que não sabia mais o que fazer, como fazer. A armadura mais potente do mundo, ainda assim, derreteria quando eu a vestisse. Este era o intuito do mundo para mim: me destruir. E ele tinha conseguido com tanto êxito.

— Foi eu que pedi para Ursula te chamar, porque aparentemente você só sabe se drogar.— soltei uma risada sarcástica e sentei na cama, apoiando minhas costas na cabeceira. Não confiava mas minhas pernas para me manter de pé.

O ódio não conseguia nem mesmo me fazer ter forças para lutar. Bailey poderia me ofender o quanto quisesse, se ele conseguisse despertar algo que diferenciasse do nada que eu sentia, o agradeceria eternamente.

— E você só sabe trair.— a minha voz era inundada pelo veneno que fazia questão e proferir junto de cada palavra. Para sua própria defesa, Bailey fingiu sentir as palavras. Fingir, não é ? Porque era tudo que as pessoas faziam quando eram envolvidas à mim.

Minha dor parecia ser a única verdadeira.

— Joalin, eu não estou traindo nenhum de vocês.— respondeu, totalmente sério. — Precisa acreditar em mim.— soltei uma risada baixa.

— Então não está trabalhando para os Donatello's ?— perguntei. No fundo, eu esperava que a resposta fosse uma negativa, seria tão mais fácil lidar com um mal entendido, do que com uma atitude intencional que me machucava.

Silêncio foi o que recebi. E, com muitos anos de experiência, compreendi que também é uma resposta. Quase sempre levada para o âmbito da afirmação; porque, em muitos casos, salvando raras exceções, o silêncio poderia ser sinônimo de consentimento.

Essa não era uma exceção. E eu quebrei um pouco mais ali. Em frente ao segundo cara que mais amei na minha vida.

Bailey baixou a cabeça, olhando para as próprias mãos. Como se me olhar fosse um peso que ele não pudesse carregar. Que ele queimasse no inferno junto de todas as mentiras.

— Não me responda o porquê.— sussurrei, sentindo cada palavra arranhar na garganta ao passo que dilacerava o coração.— Joshua estava certo quanto a você.— proferi cada palavra com um peso desagradável, ofegante. Bailey soltou uma risada desdenhosa e levantou-se da poltrona e me encarou fixamente.

Ele parecia em uma entrave que seu gênio pedia para soltar, extravasar, falar. Mas, talvez Bailey tenha realmente mudado tudo o que um dia me apaixonei, e agora se contém, se cala, guarda pra si.

— Estava ?— retrucou, com a voz rouca soando, dessa vez, esganiçada.

— Sim!— confirmei, de maneira veemente.— Ele disse que as coisas não acabariam bem.— engoli em seco, conforme as memórias das inúmeras conversas que tive com meu irmão mais velho vieram.— Que eu sairia mais machucada do que entrei.— respirei fundo e encarei minhas mãos.— Ele sempre esteve certo.

— Não acabou bem para nenhum de nós, Joalin!— Bailey despejou, em uma fúria que vi poucas vezes.— Seu irmão foi preso e torturado. Gabrielly sentiu todas as entranhas se revirarem enquanto vomitava o veneno que matou Laurel. Krystian não suporta a hipótese de estar no mesmo local que Heyoon. Lamar nem sequer pode visitar a família.— senti o coração se apertar mais ainda.— Quer que eu continue ? Ou prefere ainda fugir do caralho da sua realidade e nos culpar por seu irmão estar à sete palmos abaixo da terra ?— O encarei rapidamente, arregalando os olhos.

— Nunca culpei nenhum de vocês.— Bailey gargalhou, parecendo totalmente movido pelos instintos primitivos que o comandava. Senti um rompante de irá passar pelo meu corpo e me levantei, não acreditando que ele, logo ele, me acusaria de tal maneira.

— Você mente igual à Joshua.— ele despejou, com tamanho asco, que me senti automaticamente como uma vadia qualquer.— Você sempre arruma alguma desculpa. É impressionante como só sabe ser rodeada por mentiras e desculpas, nunca tira o caralho da venda dos seus olhos.

— De que merda você está falando ?— Bailey me encarou fixamente, tantas emoções passando em seus olhos que não consegui decifrar. Apenas doía.

— Estou falando que você sempre se volta contra algum de nós porque, no fundo, não consegue perdoar que nenhum de nós tenha escolhido ir, ao invés de ficar.— senti uma dor mental forte, que se assemelhava à uma adaga perfurando o coração.— Que uso o pretexto da morte daquele filho da puta pra se drogar, porque é fraca o suficiente pra assumir que é uma dependente química.— disse, entredentes.— Porque sempre há um motivo pra você se amparar, pra justificar o seu ódio, mas nunca é você. Nunca é sobre vocês unicamente. Vocês são muito mais parecidos do que imagina.

— Você...— fui interrompida por um mexicano totalmente raivoso.

— Quando isso acabar, Joalin... e vai.— levantou o dedo indicador para mim.— Eu não quero ter nada haver com nenhuma manipulação de vocês, seja diretamente ou indiretamente. Quero, pela primeira vez, ser realmente o desgraçado que sou, e não o que vocês criaram só porque deduziram que deveria ser.

— Eu nunca te manipulei!— vociferei, sentindo a garganta arranhar com o grito e com a mágoa que serpenteava por todo meu corpo.

— Talvez você não...— negou levemente com a cabeça e abriu um sorriso sarcástico.— Mas você sempre fará isso de tabela enquanto quer se afundar. Estou puxando a mão que te estendi, Joalin. Você tem inteligência pra me acusar de traição, pra me xingar e comparar. Não venha como uma boa samaritana agora.

— Então me prove que estou errada...— sussurrei, ao vê-lo caminhar em direção a saída do quarto.

Bailey parou, próximo a porta e virou o rosto parcialmente, me encarando com uma descrença desconcertante. Como se ele se segurasse pra não me ofender o bastante.

Não preciso provar nada à ninguém, Joalin. Sou um pistoleiro, não a porra de um homem prestes a ser canonizado.— ele pegou um papel de sua jaqueta e jogou sobre a pequena cômoda que tinha ali.— Faça o que quiser com as suas informações que eu iria passar pros Donatello's.

E conforme o baque forte da porta chegou aos meus ouvidos, senti todo o resto desmoronar.

Sozinha.

Novamente.

Sozinha.

Sempre.

06 de Janeiro
Localização desconhecida — Estados Unidos

Narrador

O mexicano segurou firmemente o cigarro  entre os dedos da mão direita, enquanto o sol reluzia sobre sua cabeça e a paisagem do jardim dos Donatello's cobria sua visão. Bailey tinha seu corpo apoiado na Ferrari vermelha que tinha escolhido para hoje. Parecia a personificação de paz, submisso à uma ordem que receberia. Por dentro, o pistoleiro do México continha todo o fuego que habitava em si para não queimar o estrategista que tinha conhecido outro dia, que o tinha fodida por completo.

Bailey queria gritar, colocar aquela mansão — que era somente uma, dentre milhares — a baixo. Decepar cada um daquela equipe mequetrefe. O mexicano sentia o gosto amargo do tabaco se misturar com o da traição, do ódio, da ganância.

De todos os ensinamentos, o Hidalgo mais novo nunca conseguiu se sair bem no "controlar as emoções".

Por isso, Bailey May estava ali. Esperando.

Quando em meio a enorme entrada que antecedia a mansão, passou um carro luxuoso e parou a uma distância segura de May, ele sabia antes de sequer ver, quem era. O mexicano se desencostou do carro e jogou a bituca na parte cimentada, a esmagando com a sola tratorada do coturno. A porta do carro prata se abriu e de lá saiu o mais novo problema de Bailey Hidalgo, o estrategista dos Donatello's. E considerando o sorriso infernal do homem, ele também sabia disso.

— Hidalgo.— abriu um sorriso enviesado, ao cumprimentar o mexicano. Bailey, por sua vez, não sabia decifrar o frio na espinha que sentiu ao observar o homem. Havia algo predatório no modo como agia, uma veracidade que não deveria ter em sua atmosfera de poder.

Bailey May sempre foi problema. E ele sabia reconhecer um à milhas de distância.

— Não sabia que me delatar para os meus amigos era parte do acordo com os italianos.— o inglês do mexicano era impecável, mas o sotaque se fez tão presente que Bailey questionou-se realmente tinha aprendido a segunda língua. Mas, ele sabia, sim, inglês. E sabia também que era questão de tempo até morrer de ódio ou matar o filho da puta responsável por sua briga com Joalin.

O estrategista, por sua vez, não pareceu se abalar nenhum pouco com o tom assassino ou a ameaça implícita do mexicano. Não, ele pouco parecia se importar, e isso ficou visível à Bailey quando o sorriso divertido estampou o rosto do negro. Os olhos verdes do homem ganhou um brilho diferente, como se a felicidade dependesse da desgraça de Bailey.

Amigos ?— o tom malicioso e baixo, atingiu May como um tiro inesperado. Péssima escolha de palavras. O mexicano só soube disso depois de o estrategista já ter colocado suas palavras contra si.

— Não, prostitutas que eu pago para me chupar.— o mexicano cuspiu as palavras, pouco se importando se o tom de voz já tinha chamado a atenção dos seguranças.— Eu e Diego tínhamos um acordo, caralho!— se aproximou ainda mais do estrategista, que apenas se encostou no capo de seu carro.— E você, não sei se a mando dele, fodeu com tudo.

— Bom, para prostitutas, deveria dizer para procurar opções melhores.— debochou, sorrindo.

Bailey não era exemplo algum de controle, e como tal, agia impulsionado pela raiva, ou melhor, pelo ódio. O mexicano se aproximou em dois passos do estrategista e segurou a gola da camiseta gola Polo, enforcando de maneira leve o estrategista.

Emanuel, por sua vez, fechou o sorriso gradativamente e arqueou as sobrancelhas pro mexicano de maneira sarcástica.

— Tanto ódio no coração para alguém que está tramando contra os amigos, não ?— deu ênfase na palavra, como se achasse divertido o bastante toda a situação.

— Eles irão me matar por traição!— o mexicano respondeu, entredentes, mas também sem minimizar o aperto. Se dependesse dele, esse seria o segundo a matar.— Diego disse que não era para eles saberem, desde que eu trouxesse informações.— Emanuel revirou os olhos, parecendo pouco se importar em ser enforcado ou com o que o mexicano falava.

Ele subestimava a coragem de Bailey. E May sabia disso.

— Eles não irão te matar se você estiver em proteção dos Donatellos. Ou vão ?— os olhos verdes brilharam em uma malícia que Bailey tinha visto em poucas pessoas.— Você é uma peça, May. Uma peça que irá cegar os outros e os trarão para nós. Mas, isso não é problema, é ? Afinal, você que está fazendo isso.— o mexicano arregalou os olhos levemente.

Tudo fazia muito sentido.

Porque sempre acontecia isso quando lidava-se com alguém do topo.

— Vai se fuder.— o mexicano murmurou, entredentes. Totalmente cego pelo ódio. Tentando conter todo ímpeto de degolar o homem.— Seu gigolô desgraçado!

Emanuel encarou o mexicano seriamente. E, em pouquíssimos segundos, Bailey não premeditou o que um estrategista faria. O homem pegou os dois braços de May e torceu, passando por de baixo deles. E, ao torcer os braços do mexicano, Emanuel empurrou o corpo do mexicano, segurando os dois braços com uma mão e o outro empurrando a cabeça do latino sob a lataria do carro.

— Eu sou gigolô de quem, May ?— sussurrou.— Há algo que um idiota como você sabe ?— Bailey conteve o gemido de dor, podendo ver a expressão doentia do homem pelo vidro do carro.

Emanuel sorriu.

— Um pistoleiro totalmente movido por emoções, incontrolável e impetuoso...— fez um barulho de negativo com a boca.— Ninguém desconfiaria de você. Mas eu ? Ah, Bailey, eu destroço você assim que perceber seu primeiro passo em falso. E você vai dar este passo. E eu vou estar lá.

Emanuel soltou Bailey e deu um passo para trás. O mexicano rapidamente se virou, o encarando com aquela expressão que prometia o inferno na terra.

— É melhor sumir para seus amigos, porque se não, você irá ter que reconhecer alguns corpos.— O estrategista arrumou a blusa e sorriu cordialmente para Bailey.— Até mais, pistoleiro.

E a frase repercutiu por todo o subconsciente de Bailey, conforme ele quebrava o único celular que o permitia contato com os demais.

07 de janeiro — Manhã
Nova York — Estados Unidos
Boate R.B

— Boate bonita, Beauchamp.— a voz sorrateira, calma e divertida, reverberou por todo o ambiente moderno e futurístico. De volta a Nova York, as pendências continuavam tentando se enraizar, e o canadense não gostava nenhum pouco disso. Mas, Joshua gostava menos ainda de ter que remexer no que estava quieto, em bombas que poderiam explodir em seu próprio colo. E Joana, a mulher que encarava o local com seus olhos doces de gato, era uma dessas bombas.

A Boate R.B estava fechada, dado o horário, e era estranho ver toda a estrutura sem as chamas, strippers e clientes que faziam dar vida ao local. Mas, ainda assim, era impressionante a estrutura que Joshua tinha feito especialmente para sua brasileira. As mesas continuavam dispostas e o ambiente escuro era levemente iluminado por algumas luzes.

Joshua estava sentado na mesa do meio. Os pés, calçados por um sapato social de verniz, estavam cruzados sobre a mesa. O canadense tinha os quadris na cadeira, e os braços cruzados. A roupa social demonstrava que ele não era tão simples; a calça social era de um azul tão escuro quanto petróleo, a blusa preta tinha alguns botões abertos, e era ajustada pelo colete também azul marinho. O terno estava sob o encosto da cadeira. Joana observou a expressão calma do loiro, enquanto a encarava com os olhos azuis claros e fumava um cigarro escuro.

Não havia nenhuma mulher ao seu lado. Nenhuma secretária do diabo, como Joana graciosamente definia a personalidade mais desgraçada que conhecia. Entretanto, a loira não ignorou que havia outras pessoas ali. Talvez a nova equipe de Joshua.

— Gostou ?— o canadense questionou, com um sorriso enviesado. Joana conhecia aquela expressão: a que prometia céus aos aliados, e o mais puro é genuíno inferno aos que iam contra. Pior ainda, Joana conhecia a confirmação da expressão. A veracidade da maldade de Joshua Kyle Beauchamp.

— É quente como o inferno que trás consigo.— rebateu, ainda na entrada, encarando as colunas.

Joshua observou a loira, da cabeça aos pés. O vestido verde escuro era midi e extremamente justo, moldando cada parte do corpo malhado. O salto de tiras complementava de maneira sofisticada. Joshua também conhecia Joana, o suficiente para assumir que ela continua recatada como sempre, com um ar de requinte, mas com uma mente tão suja quanto todos daquele lugar.

— Não gosto de decorações quentes.— debochou, batendo o cigarro no cinzeiro, para remover as cinzas.— Gosto do frio. Ele pode te refrescar e, em alguns casos, também queimar.— Joana sorriu, descendo as pequenas escadas para a pista e olhou ao redor, encarando cada um dos membros ali.

— Quem disse que falei sobre você ?— arqueou as sobrancelhas loiras, ao chegar em frente a mesa.— Nós dois sabemos que só há uma pessoa que te faria colocar a mão no fogo e permanecer.— debochou e puxou a cadeira, se sentando em frente ao estrategista.— A sua nova equipe sabe ?— apontou para o grupo que a encarava incisivamente.

— Sabem o que exatamente ?— Joshua a olhou, sorrindo docilmente. Joana negou levemente com a cabeça, mas também sorriu.

— Que o inferno desta boate é a representação artística do inferno que deixou há anos atrás ?— estalou a língua no céu da boca ao ver o canadense fechar o sorriso levemente.— Tenho que assumir, os feitos de Gabrielly são dignos da família que veio.

— Não tocaria no nome dela, se fosse você.— Joshua tragou o cigarro, com uma expressão despreocupada.— Any costuma deixar o instinto assassino falar mais alto, sabe ?— Joana soltou uma risada.

Ela pode tentar.— deu de ombros, e dessa vez foi Joshua quem riu.

E ela irá conseguir.— soltou a fumaça pelo nariz, levou os olhos azuis até o cigarro, e ainda de cabeça baixa completou:— Ela sempre consegue matar quem quer.

Joana fechou o sorriso e encarou o grupo, percebendo os olhares de estranhamento, revezando entre os dois.

— E olha só, logo você, ainda está vivo. Ao lado dela.— Joana debochou e puxou a garrafa de whisky da mesa e encheu um copo vazio.— Ela perdeu o jeito pra te torturar ?

— Tenho créditos com Gabrielly. É mais fácil ter um trato de conveniência com a lenda da Ásia, do que necessariamente ir contra ela.

— Não minta para mim.— a loira rebateu, pouco se importando para quem prestava atenção.— Você come Gabrielly e a tem na palma da mão. Acertei ?— tomou um gole da bebida.— Bom, seria a primeira vez. Afinal, da última vez foi ela quem te teve, não é?

Pela visão periférica, os dois loiros na mesa perceberam quando o grupo — a atual equipe de Joshua — se entreolharam com a provocação nítida em cada palavra. E, principalmente, na forma como a expressão do canadense mudou.

Quem falava assim com o antigo chefe da máfia mundial ?

Joshua já não tinha o sorriso enviesado. A expressão era séria, o rosto levemente inclinado e os olhos azuis como o céu a encaravam sob os cílios loiros. Joana automaticamente se arrependeu, embora não tivesse exposto isso — era tão dura quanto. Mas, ela sabia que precisaria redobrar de cuidado. Sairia sem ferimentos físicos, mas Beauchamp não a deixaria sair estável tão facilmente assim.

— Da última vez, Britiev, eu não estava tão sereno quanto estou agora, entende ?— o canadense passou a mão tatuada e cheia de anéis sobre os cabelos, calmamente.— Digo, se eu totalmente impulsionado por sentimentos e emoções fiz aquele estrago, imagina o que faria agora ?— sorriu diabolicamente.

Joana continuou o encarando fixamente, mas não respondeu.

— Não foi uma pergunta retórica.— ele se inclinou levemente sobre a mesa.— Cadê sua língua afiada para responder ?— Joshia sorriu mais ainda.— Ou melhor, cadê sua língua afiada para assumir que eu te faço arrepender de ter nascido se me provocar.— Joana trincou a mandíbula, mas não desviou o olhar.

— Não tente me ameaçar.— Joshua gargalhou, parecendo realmente se divertir com a frase em tom frio.

— Não tenho a mínima vontade de lidar com a sua escória, Britiev.— o canadense cruzou os braços novamente e permaneceu com o sorriso no rosto.— Por mim, Any teria te degolado há anos atrás, na China. Mas, aparentemente, você era conveniente à ela.

— Você que foi o otário de confiar em uma aliada de Akira. — a russa respondeu, de maneira simplista.— E os dois foram idiotas para confiar em alguém treinado por Bonami. Não sei como foram considerados os melhores.

— Não deixe seu ego tão exposto, Joana. Se quisesse ser da primeira geração, era só ter sido melhor.— arqueou as sobrancelhas loiras.

A loira mudou completamente o olhar, deixando a vista todo o instinto predatório e assassino que continha. O ódio brilhando junto com as poucas luzes que iluminavam o lugar. Taylor e Kyle, que estavam mais longe, mas ouviam a conversa, acompanharam a fisionomia da mulher mudando totalmente. Não parecia mais uma mulher bonita e de língua afiada.

Porque era isso que Joshua fazia com as pessoas: vasculhava suas mentes como um urubu em meio à mata, procurando algo ruim e podre para se alimentar. Para trazer a tona o pior de cada um. E no momento em que o controle se perdia, entrava ele, o ser mais controlado do ambiente.

— Diga o que quer, seu desgraçado.— falou, entredentes.

— Você me deve favores.— o loiro piscou pausadamente os olhos, como se tivesse todo tempo do mundo.

— Eu ?— ela arqueou as sobrancelhas.— Você não deveria mexer comigo, Beauchamp. Te levo para o caixão junto comigo, assim que sentir o cheiro de falcatrua.

— Te faço sumir no mundo, Britiev.— Joshua a encarou, sério.— Realmente sumir, de modo que nem eu ou Any te ache. Você e sua família.— a loira arregalou os olhos e Joshua apenas deu de ombros.— Filhos merecem ser criados na paz, Joana, e eu te darei a oportunidade disso. Você sabe que precisa. Você sabe que estão nos caçando.

— Que merda você quer, filho da puta ?

— Quero que mate Daniel Donatello, filho de Dave e irmão de Diego. E, que coloque a assinatura de Akira no corpo.— Joana abriu a boca, totalmente chocada.

— Você está doido em pensar que farei isso!

— Você é boa em criar teatros, Joana. É ótima em se infiltrar e forjar. Faça isso, e eu te darei o que precisa: paz.— a voz incisiva e calma chegou até os ouvidos da loira, mas ela ainda não parecia acreditar.

— Você quer atribuir um assassinato à liga, eles saberão que estamos por perto.— a russa cuspiu as palavras, parecendo não acreditar na insanidade do canadense.

— Joana, se eu estiver certo...— o loiro sorriu levemente, mas era um sorriso irritado.— Eles já sabem exatamente a onde estamos.

— Gabrielly sabe disso ?

— Não. Mas sabe a onde estão seus filhos, e eu honestamente não farei nada quando ela querer decepar cada cabeça e colocar sob sua cama.— falou friamente, expondo aquela parte que Joana tinha visto raras vezes: a assassina.— Faça isso, vadia sorrateira. E eu segurarei Gabrielly e esquecerei o fato de que você tentou nos incriminar com o atentado de Pequim.

— Eu não fiz isso...— Joshua a Interrompeu, com um aceno de mão, totalmente impaciente.

— E eu sou o próximo Papa.— desdenhou.— Você pode não ter feito aquilo, Joana, mas você ensinou alguém. Alguém que é tão bom quanto você em deixar marcas e criar cenários.— Joshua sorriu friamente.— Você não esteve na China, mas alguém te achou e pediu um favor, em troca você conseguiu ficar na Califórnia, trabalhando. Por isso ficou aterrorizada quando viu que também tinha um corpo semelhante ao seu.

— Na arte de fugir, Britiev, você é mais falha que a puta da sua mãe.— o canadense bateu a mão direita na mesa, fazendo um tilintar zumbir pelo ambiente.— Não quero saber sobre quem você ensinou, porque sei que a liga quer me fuder. Mas, se não fizer isso, prometo que a última coisa que verá, será a tortura dos seus filhos. Será a tortura da sua esposa.

— Te entrego a liga, seu presunçoso do caralho!— a assassina respondeu, totalmente descontrolada.— Eu não podia simplesmente ignorar o pedido!

Joshua sorriu verdadeiramente dessa vez.

Eu disse, Gabrielly!— falou alto.— Não era ela. Mas ela sabe quem é!— Joana arregalou os olhos, conforme caia em si do que tinha falado. Da emboscada que tinha caído.

Ao fundo, próximo ao bar, a cortina foi afastada por uma mão. E o corpo cheio de curvas de Gabrielly passou por ele. A mulher tinha os cabelos com várias tranças, o corpo sendo coberto por um vestido preto totalmente fechado, exceto pelas fendas. Nos pés, usava uma bota de bico fino. Mas, foi o rosto que chamou a atenção de Joana. A maquiagem escura contornava os olhos, mas o sorriso presunçoso dos lábios pintados de vinha era o cumprimento de tudo o que sido prometido: tortura.

— Joana... Joana.— a voz baixa e divertida da brasileira. Any caminhou a passos lentos, e ficou parada ao lado da cadeira de Joshua, encarando a loira por cima.

Joana não se levantou ou tentou algo, simplesmente tentou traçar todas as rotas possíveis. Mas, não adiantava mais.

— E eu que sou a vadia sorrateira, não é ?— murmurou, com ódio evidente, encarando Joshua. O loiro sorriu e fez um movimento de desdém com a mão.

— Te chamar de sorrateira infla seu ego, você gosta de saber que tem a capacidade de lezar qualquer um, mas na verdade, Joana...— Any apoiou a mão no encosto da cadeira de Joshua, e o loiro a encarou, antes de continuar a falar.— Você tem exatamente o calcanhar de Aquiles que eu gosto: ego.

— Acho que agora sua conversa é comigo, linda.— Any murmurou e acenou para os seguranças. A brasileira se aproximou da cadeira da loira e inclinou-se, colocando os lábios próximo ao ouvido da russa.

— Não sei quanto a ele, mas eu não perdi o jeito pra te torturar.— e foi a última frase que acabou com os momentos de calmaria de Joana.


— Como sabia ?— Any questionou, assim que entrou no escritório, após horas. Joshua levantou o olhar dos papéis que lia e franziu o cenho ao encarar a mulher, e sentir o cheiro ocre de sangue. O vestido de Any parecia bem mais escuro, estava sujo de sangue. As mãos, podres o suficiente para fazer Joshua arquear as sobrancelhas.

Any sempre fora sinônimo de estilo e elegância, mas sua personalidade se divergia totalmente disso. A brasileira não importava-se de se sujar, desde que o sangue fosse de quem a atrapalhava de algum modo.

— Ela não falou nada ainda, certo ?— Any negou com a cabeça e respirou fundo, parecendo cansada e entediada.

Os dois sabiam que a mulher não falaria nada, mas a tortura não deixava de ser menos legal por isso. Apenas menos produtiva.

— Gritos e gritos, e a mesma ladainha de não falar sobre a liga.— a brasileira aproximou-se da mesa de vidro e viu que o canadense tinha um copo de bebida em mãos. Sem se importar, Any apenas puxou e entornou todo o líquido do copo, batendo-o ele na mesa, quando vazio.— Ela me cansa.

— E também te deixa suja.— o canadense apontou com o indicador para o vestido.— E nem é do jeito bom.— debochou e Any revirou os olhos.

— Preciso de um banho antes de ir, amanhã continuo a tortura.— Joshua assentiu, ainda encarando a mulher. Era incontrolável: enquanto ela estivesse no ambiente, os olhos de Joshua sempre dariam um jeito de permanecerem nela.

— Sempre pode pegar uma camisa minha, embora eu adoraria ver nua.— Any levantou o dedo médio e caminhou até o banheiro.— Rebolando desse jeito, acharei que é um sinal, Gaby.

— Sinal de que ? Seu bastardo.— questionou, tirando as botas dos pés.

— De que deveria estar rebolando em cima do meu pau.— o próximo acontecimento foi Joshua desviando da bota que a brasileira arremessou, gargalhando enquanto a ouvia xinga-lo em outro idioma.

O clima leve não duraria tanto tempo assim. Principalmente com as informações que conseguiriam. Com o prelúdio de ruína que trariam consigo.

08 de Janeiro
Nova York — Estados Unidos
Boate

— A mexicana mais quente me visitando ? A que devo a honra da maior pecadora pisar os pés no meu centro sagrado.— Krystian, abriu os braços, sorrindo arrogantemente. A mexicana ainda estava na porta do escritório, e o chinês escorando-se pelo quadril na mesa de vidro.

— Dios...— murmurou, revirou os olhos, mas permaneceu distante do amigo.— Pouco tempo longe de você e esqueço como consegue ser ácido.

— Bom, há dois problemas nisso.— o chinês levantou os dois dedos, parecendo explicar pra uma criança de dois anos.— O meu e o seu. Para mim, não é problema. E o seu ? Pouco me importo.— sorriu docilmente, e apoiou as mãos na mesa.— Diga o que quer, Sabina. Aposto que tem haver com o traidor do seu irmão.

— Bailey não é um traidor.— rebateu, firmemente.

— Nem você acredita nisso.— o chinês nem hesitou em responder.

— Preciso falar com Noah.— a mexicana respondeu, caminhando até o centro do escritório. Krystian a analisou por completo; Sabina conseguia captar olhares de qualquer um, principalmente com as calças largas e as blusas mais decotadas do que se era indicado. Os acessórios sempre de correntes a faziam ter um ar sexy, e os cabelos — agora um pouco mais longos — conseguiam deixar tudo muito mais quente.

Krystian levantou a sobrancelha direita e sorriu grande.

— Não me diga que seu namoradinho não conseguiu te chegar no clímax e agora precisa da cabra para isso.— debochou.

— Tudo para você é sexo, Wang ?— a morena comentou, sorrindo de lado.— Sua mão não o satisfaz mais ?— Wang soltou outra risada, negando levemente com a cabeça.

— Pior que não. Talvez eu precise da sua.— murmurou, se desencostando da mesa.

— Por que quer falar com Noah ?

— Não te devo satisfações quanto à isso.

— E eu não te devo ajuda nenhuma, Sab.— o chinês estalou os dedos e se sentou na cadeira.— Mais alguma coisa, querida ?— a mexicana bufou, totalmente impaciente.— Você está mais insana do que nunca, se acha que após sumir por dias, dias esses que sucederam depois de seu irmão ser acusado de traição, eu vou te ajudar simplesmente porque quer. Não sou a porra do seu secretário, Hidalgo.

— Bailey está com problemas.— foi a resposta da mexicana, enquanto encarava o chinês, totalmente desconfortável. Sabina parecia impulsiva demais, como se algo à espetasse.— Nós estamos, na verdade.

— Claro que aquele cretino está com problemas! Ele está trabalhando com os Donatello's.— Wang disse, entredentes.

— Bailey não me disse o motivo, Krys, mas sabemos o quanto ele odeia a situação, tenho certeza que há um motivo por trás.— despejou, totalmente frustrada. A morena se jogou na cadeira em frente, parecendo mais tensa que tudo.

— O motivo é que seu irmão gêmeo se rebelou, Sabina. Não é porque você o conhece desde o útero, que quer dizer que ele não seria capaz disso.— o chinês disse totalmente sério.— Porque, adivinha ? Ele foi — Wang fez um movimento surpresa e depois revirou os olhos.

— Krystian. Seja sincero.— a mexicana o chamou e o mesmo a encarou, totalmente sério.— Você conhece alguém mais leal que Bailey ?

Silêncio.

Não houve deboche, comentários ácidos ou sequer uma negação. Apenas silêncio.

Então, Sabina continuou:

— Há um motivo. Eu sei disso. Você sabe disso. E Noah também sabe, caso contrário o tinha matado naquele restaurante.— os olhos esverdeados se deslocaram por alguns segundos, parecendo tentar procurar por algum sentido.— Seja lá o que aconteceu, Bailey não pode contar. Mas, precisa de ajuda, Wang. E eu daria minha vida pelo meu irmão, porque sei que ele não traiu. Acredite se quiser, mas eu seria a primeira a matá-lo se achasse que ele realmente não tem um motivo plausível.

Wang respirou fundo e apertou os olhos, com o dedão e o dedo indicador. O homem murmurou algo em mandarim que Sabina não entendeu, mas pouco se atentou à isso.

— Sabina, Noah será pai e está correndo risco de vida. Você ouviu as ameaças.— o chinês iniciou, falando o mais cético possível.— Por que quer trazê-lo à isso ?

— Porque Noah não iria hesitar como você está hesitando agora. Noah...— engoliu em seco.— Me daria o benefício da dúvida.

— Noah te escolheu para foder a vida inteira, não me surpreende ele te dar o "benefício da dúvida". — fez aspas com os dedos.— Sabina, o seu irmão está metido em algo grande, que foge da nossa capacidade de ajudar. Você sabe, no fundo, bem lá no fundo, que qualquer coisa que possamos tentar, vai ultrapassar a linha tênue do contrato.

— Então por que Bailey aceitaria trabalhar com as pessoas que mais odeia na vida ?— questionou, entredentes.

Krystian apenas murmurou algo em mandarim, novamente, parecendo irritado com o assunto, ou sobre quem realmente se tratava.

— E se você descobrir o motivo, do que adianta ?— rebateu.— Bailey está na máfia novamente, com o topo, agora. Não ira morrer.— disse, com desgosto evidente.— Você irá se casar com o amor da sua vida, não é ?— debochou.— Noah irá ser papai, eu continuarei me divertindo em boates, Shivanni irá fazer mais drogas do que imaginamos, Diarra está com a filha... tudo no universo tende a um equilíbrio, Hidalgo, e o nosso chegou.

— Não seja presunçoso, porra! Estou falando do meu irmão.— apontou o dedo indicador.— Do seu amigo!

— Estamos falando de um traidor!— aproximou o rosto da mexicana, totalmente sarcástico.— E você será um dos cadáveres que ele irá lidar, caso não fique quieta na porra da sua caverna.

— Bailey não faria isso!— a mexicana retrucou.

Então quem o está induzindo à isso ?— o chinês abriu um sorriso discreto, encarando a mexicana com um brilho discreto no olhar.

— Se eu soubesse, não iria pedir a ajuda de Noah, Krystian.

— Sei que não.— o chinês levantou e cruzou os braços.— Mas não irei ajudá-la a chegar em Noah, Sabina. Sinto muito.

— Você não sente nada, seu desgraçado!— rebati, querendo desfigurar o rostinho bonito do chinês.

— É, não sinto, mas é um costume americano dizer que sente muito, achei que gostaria dessa falácia.— piscou o olho direito.


10 de Janeiro
Nova York — Estados Unidos.


Sabina Hidalgo

Eu sempre fui impulsiva, e na maioria das vezes que errava, dizia que foi um impulso — que não sabia da onde tinha vindo. Isso funcionou bem na minha adolescência. “Ah pai, usei drogas sem querer”, “Ah mãe, foi apenas uma corrida de carros”. E de certa forma meus velhos não gostavam da forma como eu levava a vida, mas sempre foi mais fácil dizer que era uma adolescente impulsiva, do que uma criminosa.

Se eu reclamasse que Bailey não tem senso de auto preservação, ele provavelmente reclamaria das minhas escolhas impulsivas e em como elas fodiam as pessoas ao meu redor. Não que eu não pensasse, eu apenas não cogitava o quão ruim poderia dar.

Bailey. Meu irmão gêmeo, mais novo, e a única pessoa que me resta. A preocupação por sua situação parecia inundar todas as células contidas no meu corpo. Mas, mesmo preocupada e sentindo a Santa Muerte bater na minha porta, eu não deixava de ser impulsiva e tomar atitudes ruins.

A prova de uma escolha de merda, era a saia justa que eu estava nesse exato momento. E antes fosse literalmente — minhas pernas sempre eram motivo de ostentação.

De um lado da mesa redonda, o meu noivo. Em frente a ele, e a minha direita, Joalin Beauchamp, a minha melhor amiga. Em minha frente, a cadeira vazia que deveria ser ocupada pelo bastardo que eu chamo de irmão — que sumiu.

Eu tinha conversado com Joalin há alguns dias, explicado que tinha saído de foco junto de Bailey, que acompanharia minha família até o inferno. E, talvez seja por isso que a loira me aceitou de volta — porque fez e faria o mesmo.

Mas, Bailey ? É como se o nome fosse um mal agouro quando citado à Joalin. Se tratando do meu irmão, sabia que as coisas tinham ido por um caminho irreversível.

Bailey sempre fora inconsequente. Não tão irredutível quanto pensam, embora a teimosia se fizesse muito presente. Mas, quando realmente virava as costas, era isso. O veredito final.

Ele me preocupava. O fato de Krystian Wang pouco se foder para a situação, também me preocupava.

Enfim...

Não sabia dizer se era a desgraça do aquecimento global ou a troca de olhares venenosos entre os dois que estava aquecendo tudo. Obviamente, foi uma das piores escolhas da minha vida, convidar minha melhor amiga para um jantar com meu noivo. Não que eu ligasse se eles seriam amigos; mas o primeiro encontro dos dois tinham sido pior do que meu primeiro assalto.

E meu primeiro assalto foi catastrófico.

O segundo encontro não foi bom para nenhuma das partes.

As coisas estavam indo bem demais entre mim e Joalin para eu abrir mão, independente da situação de Bailey. Não havia mais mágoa, e eu estaria mentindo se dissesse que não tinha sentido sua falta; de todos os sentimentos bons que trazia consigo. Joalin tinha voltado para a minha vida, e eu seria egoísta ao extremo para não deixá-la sair mais.

Passado, é passado.

Pelo menos isso se aplicava a minha amizade com ela.

A questão é que eu tinha prosseguido com minha vida nesses últimos quatro anos. Tinha me adaptado a nova rotina, novo trabalho e as novas pessoas que me cercavam. Me permitir ter mais escolhas, entender que eu tinha sido filha da puta em vários quesitos e teria de ser de novo se quisesse ser feliz.

Joalin fazia parte da minha de quatro anos atrás e meu amor por ela não tinha se esvaído, talvez acobertado por problemas que até então não tinham sido solucionados. Pepe faz parte da minha vida de agora, se tornou alguém que quero ao meu lado e parece também me querer, há reciprocidade. Não há ninguém que não quer ser amado, isso também se aplicava a mim. O cara que eu dividi amor e cama nesses últimos anos não sairia da minha vida, eu o amo, mas também gostaria de ter minha melhor amiga novamente. E eu estava tendo. Entretanto, parece haver um empecilho.

A loira parecia não ceder em nenhum momento, não que ela fosse mal educada, mas o olhar de desdém evidenciava o que ela achava daquilo tudo.

E não estávamos nem no prato principal ainda.

— Então, você nasceu a onde ?— Pepe perguntou, enquanto encarava a minha melhor amiga. Ele também estava tentando, os sorrisos calmos e a expressão serena mostrava isso. Não que ele também fosse muito fã da ideia.

— Finlândia.— Joalin remexeu na salada de seu preto, como se aquilo fosse mais interessante.— Você é do México ?— ele assentiu.— O que te traz aos Estados Unidos então ?— perguntou.

— Vim ver Sabina, já que ela decidiu ficar aqui por mais tempo.— soltou uma risada baixa. Trinquei a mandíbula, as últimas discussões tinham sido em torno disso: eu ficar mais tempo em Nova York, deixando as coisas no México, inclusive o meu noivo.

Não é como se tivesse elementos o suficiente para me prender no México.

E eu precisava limpar a sujeira da minha cópia masculina.

— Diria que sinto muito, mas acho que você sabe a minha opinião quanto a isso…— Joalin abriu um sorriso debochado, tomando um gole do vinho. A fuzilei com o olhar.

Em momentos assim, talvez eu agradecesse que Joshua estivesse morto e Any sabe se lá a onde. Os dois conseguiam ser o próprio diabo pra fazer os outros se sentirem desconfortáveis. Alguém debochava deles ? Poderiam tentar, mas o nível de filha da putagem dos dois sempre se sobressaia.

— Vocês poderiam ao menos facilitarem.— falei entredentes.

— E sua amiga poderia ajudar.— respirei fundo, outra discussão iria começar.

— Estou sendo educada, deveria agradecer aos céus por isso. Tem alguns que deceparia suas bolas simplesmente pelo seu olhar.— arregalei os olhos levemente. Eu sabia bem quem faria isso. Joalin sempre foi muito sútil em suas falas, ela estava irritada o suficiente para pouco se importar com a sutileza. Tentei apartar o início de discussão, mas Pepe soltou uma risada de escárnio.

— Você age como se fosse a rainha do local, quer que eu me curve também ?— fez um sinal de desdém com a mão.

Beauchamp’s sempre tiveram complexo de realeza, isso nunca tinha sido uma novidade para aqueles que conheciam eles. Uma família poderosa e altamente sagaz. Talvez Joalin fosse a mais calma de todos os quatro, mas não anulava o fato de que ela possuía o jeito impetuoso de Joshua as vezes.

— Já chega.— intervi, mas eu estava ficando frouxa, porque os desgraçados nem ao menos deram atenção.

— A sua burrice já me mostra que é servo, não preciso de mais demonstrações para crer que é um babaca de merda.— soltou uma risadinha. Fechei os olhos, respirando fundo.

— Engraçado que o babaca de merda conseguiu o que você queria, certo ?— franzi o cenho. Que diabos eu estava perdendo nesse caralho de conversa ?

— Geralmente quando se perde o que tem, fica menos criterioso mesmo. — desdenhou.

A quem eu gostaria de enganar ? Joalin tinha uma inteligência incalculável, uma personalidade calma e misteriosa, e convivia com a pior cobra que eu tive o prazer de conhecer. Não é porque Joalin era calma, que deixava de ter a língua afiada para provocações igual a do irmão.

Ela estava se referindo a Noah. E se eu não tivesse um pingo de consideração por essa vadia, eu esfregaria a cara dela no prato de salada — e faltava muito pouco para isso.

— Até porque é bem melhor ver sua amiga definhar em um relacionamento onde ela não é a prioridade, não é ?— Pepe se inclinou, com um sorriso cínico. Ele também sabia ter o gênio do cão quando queria; e isso era na maior parte do tempo.— Você gosta de se auto intitular amiga dela, mas não fez uma visita nos últimos quatro anos. Nem quando ela perdeu os pais.— Joalin desviou o olhar para mim, me encarando com os enormes olhos azuis sentimentais e… frios. 

Tentei engolir o choque. Não que eu fosse uma pessoa que ficasse facilmente surpresa e sem reação, mas eu estava naquele momento; não é como se eu imaginasse que meu noivo, que esteve comigo nos anos mais infernais da minha vida, fosse me defender para minha amiga.

Até quando a mágoa de nossas antigas escolhas recairia sobre nossos laços ?

— Pepe…— o chamei entredentes.

— Já estou cansado, Sabina! Porque eu estou tentado ser o melhor que posso desde que pisei os pés aqui, estou deixando de lado todas as histórias que me contou e de todas as noites que o único consolo que você teve foi a mim, para tentar manter uma conversa decente.— ele me encarou com as sobrancelhas arqueadas, totalmente descrente.— Não me diga que foi só pisar em Nova York que toda sua mágoa se esvaiu ? Que a sua “amiga” , a mesma que te deixou para ficar ao lado de outros, que nem mesmo te ajudou quando precisou, voltou a ser parte essencial da sua vida ? O próximo passo é seu ex noivo voltar também ?— engoli em seco.

Mexer com um fuzil era bem menos complicado do que responder isso. Porque no fundo eu não sabia o que responder, havia resposta para esta maldita pergunta ?

— Então quer dizer que eu te deixei quando você mais precisou ? Que Noah te virou as costas ?— Joalin perguntou, após alguns segundos de silêncio. Ela soltou uma risada nasalada, negando levemente com a cabeça.— É impressionante...

— Joalin…— a chamei, enquanto a loira arrumava a jaqueta de couro e pegava sua bolsa.

— Espero que seja feliz com esse merda que chama de noivo, mas que acima disso, consiga ter os pensamentos voltados somente a ele.— abriu um sorriso maldoso. Eu conhecia aquela expressão: o sorriso puxado, os olhos brilhando e o corpo todo travado em raiva.— Porque se deitar com um, pensando em outro, é traição, Sabina. E eu entendo bem de traições, seu irmão que o diga.— a voz contida, e rouca.

Arregalei os olhos, sentindo aquela mísera frase agitar muito mais que deveria todos os sentimentos que estavam guardados dentro de mim. E era sobre isso; o fato de um assalto não me desestabilizar, mas Joalin conseguir isso com uma facilidade absurda.

E foi por isso.

Por isso que enquanto ela deu as costas e seguiu rumo a saída do restaurante, não me movi. Não desviei o olhar dos cabelos loiros ou dos passos rápidos e fugitivos dela. Não olhei para o cara que tinha me pedido em noivado, ou para a taça de vinho que parecia apetitosa.

Porque Joalin não tinha mágoa de mim, ela tinha razão sobre minhas escolhas.

S

egurei firme a caixa de chocolates meio amargo em minha mão direita, que parecia suar mais do que eu em duas horas na academia. Bati o solado do coturno no piso, não seria uma má ideia. Coloquei a unha do dedo indicador na boca, não para roer, mas como se esse ato fosse me ajudar.

Eu não hesitava para roubar. Agora para lidar com o humor demoníaco de um Beauchamp… eu fugia como o diabo foge da cruz.

Toquei a campainha.

Olhei para o meu celular vendo se Bailey tinha respondido alguma mensagem ou retornado ligações. Mas, não, meu irmão já não dava o ar da graça há dias.

Não demorou muito para a porta ser aberta. E eu podia ser bem mais alta que Joalin, ou alguém mais insana e provavelmente mais maldosa, mas o olhar da garota podia me diminuir a uma criança. Os olhos azuis estavam brilhantes e pareciam felizes, percebi que seu rosto estava corado e bom… ela estava arrumada. O vestido azul claro e estilo princesa combinava com seu rosto maquiado e cabelos lisos. Joalin estava deslumbrante e animada, como há muito tempo eu não via.

Como eu não via desde que Bailey e ela discutiram.

Eu me sentia uma prostituta perto da garota. Não que roupa definisse caráter ou algo do tipo. Mas a calça jeans larga, e o top lilás de renda não contrastava tão bem assim.

Abri um sorriso sem mostrar os dentes, totalmente sem graça.

— Oi.— falei em voz baixa. E ela sorriu para mim. Então não estávamos tão mal após o fiasco do almoço ? — Trouxe para você.— estendi a caixa de doces em sua direção e a mesma pegou prontamente, alargando o sorriso ao ver que eram seus favoritos.— Me desculpe por hoje, Joalin.— me desculpei, antes que ela sequer conseguisse me cumprimentar ou expulsar.

— Sabina, não precisa se desculpar. Eu que errei.— me cortou, com a voz suave.— Acho que agora podemos confirmar que amizade é a parte de relacionamentos, certo ? Eu e seu irmão, você e seu namorado.— soltou uma risada meio nervosa. Ela não estava confortável conversando comigo, ou talvez o assunto fosse muito embaraçoso depois da cena do almoço.

— Só não quero ficar mal com você, Joalin.— ressaltei totalmente séria.— Se quiser enterrar o assunto, tudo bem, se quiser conversar, ok. Contanto que isso não influencie o laço que criamos nos últimos dias, eu não vou me opor.— dei de ombros.

— Nunca ficarei de mal.— sua mão direita rodeou o meu braço esquerdo, fazendo um leve aperto ali.— Quer jantar com a gente ?— perguntou animada, e eu franzi o cenho totalmente.

— Como assim ?— e a resposta da minha pergunta apareceu quando Joalin abriu a porta mais ainda. Na mesa de jantar redonda tinha três brontamontes totalmente relaxados e sorrindo para mim. Mas havia diferença nos sorrisos e nos olhares que me direcionavam. E cogitei a possibilidade de pegar o revólver que estava no meu carro e atirar na cabeça de cada um, ou talvez na minha.

Lamar tinha um sorriso enorme e totalmente feliz, me encarando com um divertimento descomunal, enquanto rodava a taça de vinho com a mão recheada de anéis de ouro. Krystian tinha os olhos amarelados sobre mim e o típico sorriso de lado, a sobrancelha arqueada em puro sarcasmo e a falsa meiguice irradiando por cada poro. E lá estava o Demônio da maioria das minhas memórias…

A quem eu queria conversar. Em solo estadunidense, mesmo sendo ameaçado.

Noah tinha uma mão apoiada no joelho e a outra parecia apoiar seu rosto. Os olhos verdes caminharam por todo o meu corpo deliberadamente, parecendo pausar em certos locais específicos. Ele tinha o sorriso mínimo. Divertido e minimalista. O rosto perfeitamente alinhado com a personalidade calma. Aquele homem tinha conseguido muito mais que meu corpo, e por mais que eu tivesse seguido com minha vida — e estou feliz com ela—, Noah Urrea sempre despertaria sentimentos em mim. Dos quais nunca fui capaz de descobrir.

— O que eles estão fazendo aqui ?— sussurrei. E Joalin me encarou com estranheza.

Qual é ? Eu não era burra. Krystian era um gênio de tecnologia e sabia tudo de todos, Lamar um especialista em lutas com a suavidade de uma brisa e uma atenção irrefutável para mentiras, e Noah… o filho da puta conseguia ser um gênio calmo e manipulador, e esta banido de solo americano, com a ameaça estendida à sua família. Não se junta três personalidades e talentos atoa, e não é como se há meses atrás não tivéssemos vontade de matar uns aos outros.

E, pior, não é como se eu não tivesse pedido o contato de Noah para Krystian e o mesmo tivesse negado, veementemente.

— Sabina!— Krystian gritou, ao me ver entrando no apartamento. Praticamente sendo carregada por Joalin.— Estava com tantas saudades. Você sumiu, poxa.— abriu um sorriso inocente e eu trinquei a mandíbula.

A última vez tinha sido na boate, quando o filho da puta pouco se importou com a situação do meu irmão. Apenas ignorou o único pedido que tinha no momento.

— Quase não nos encontramos, latina.— Lamar ressaltou, piscando o olho para mim.

— Que merda está acontecendo ?— soltei de uma vez, ao chegar próximo da mesa branca e totalmente iluminada. Joalin se sentou entre Krystian e Lamar, me encarando com estranheza. Os outros, continuavam com divertimento.

— Só sente e relaxe, Hidalgo.— Noah murmurou, levantando o rosto e pegando o copo de whisky. Ele ja tinha me dito a mesma frase antes, mas em um contexto muito melhor.— Desse jeito irá envelhecer mais rápido do que o botox que está disposta a pagar.— levantei o dedo médio para o estadunidense maldito e Krystian gargalhou alto, murmurando algo em mandarim.

Ele só sabia falar no próprio idioma agora ?

— Tio! Ela falou palavrão!— uma voz doce exclamou ao meu lado esquerdo e rapidamente encarei a miniatura de ser que me olhava com atenção. A garota se acanhou um pouco ao provavelmente ver meu rosto sério.— Oi…— levantou a mão, dando um tchauzinho incrivelmente fofo. Ela vestia um vestido cheio de flores azuis e tinha o cabelo preso em um coque extremamente adorável.

— Hola…— respondi. E ela cruzou as sobrancelhas, me encarando totalmente confusa.

— Idioma errado, Hidalgo.— Noah murmurou, soltando uma risada baixa. Abri a boca, agora entendendo. Ele sabia, sempre soube. Por mais que meu inglês fosse usado constantemente, eu ainda trocava os idiomas.

— Oi.— abri um sorriso pequeno, me agachei, quase ficando da sua altura. Porém, a menina ainda não se aproximou.— Lena, nao é ?— os olhos escuros e inocentes se moveram para o estadunidense, como se buscasse permissão. Garota esperta.

A princípio, eu já a tinha conhecido no Natal. Mas, considerado a ocasião e como os fatos se desenrolaram, não pude conversar com a nova querida do grupo. Entretanto, observei o quão bem criada foi, em como seu gênio era divertido e como todos os homens mais perigosos daquela mesa, se deitavam para tirar um sorriso da garota.

Bailey já a adorava e vivia me perguntando quais bonecas para presentear a nova sobrinha.

— Lena.— aumentei meu sorriso com a voz fofinha.

— Você parece uma princesa, o nome combina.— falei. Lamar sorriu, alternando o olhar entre eu e a garota. Lena se aproximou desconfiada, parecendo colocar mais força na mão que segurava o copo de refringente.— Eu te vi no Natal.

A garota sorriu, e eu automaticamente relaxei. Crianças sempre foram motivo de alegria para mim. Constituir família sempre foi o meu maior sonho, ainda mais com a pessoa que eu amava. No fundo, por mais que eu fosse alguém ruim — e não me importasse tanto com isso —, havia uma parte simplista em meus sonhos, como formar uma família igual a que tive. O fato de eu e Bailey termos seguidos caminhos "errados" não tinha uma mísera conexão com nossa criação, ou não termos recebido amor, porque sempre fomos mimados e amado com tanta intensidade, a prova disso era não termos superado o fim trágico de nossos pais. A ganância nos levou para um lado diferente do que os ideais de nossos pais almejava.

Crianças eram os únicos alvos que eu não aceitava. Nem que isso fosse me causar tortura de horas. Eu não mexia com aquilo que amava e, principalmente, almejava.

Na verdade, em uma equipe de quinze pessoas, eram pouquíssimas que realmente não se importavam se a consequência era uma criança ou não. A maioria que não ligava, machucava fisicamente; um soco, corte, algo do tipo. Entretanto, sempre há as mentes mais perversas que entende que, deixar vivo, é sinônimo de problemas.

O destino dava as consequências para cada um que as merecia, afinal. Não que isso me confortasse — poder manipulava todas as estatísticas ao seu favor, e por isso, sempre fomos escravo dele. Não tinha a necessidade de dizer em voz alta que a morte das crianças da nossa equipe, poderia ser o próprio destino fazendo-os pagar pelo o que fizeram. Shivani tinha se afundado em sua própria dor e a maioria se sensibilizava, ela era uma das poucas que nem sequer tocava em crianças, somente adultos... O fato da indiana ter perdido um filho, algo que ela tanto sonhava e estava feliz, doía como se todos nós tivéssemos perdido um, e Shivani não escondia sua dor, ela mesmo demonstrava estar fraca e triste.

Já Any, não. Eu me sentia um monstro por pensar assim, mas sabia que não era única. Tudo tinha voltado para ela e para Joshua, como uma brincadeira vingativo do destino.

— Senta, Sabi.— Joalin propôs, se levantando e sorrindo para mim.— Vou pegar um prato para você, já volto.— Mas antes da loira ir até a cozinha, ela fez questão de puxar a cadeira a minha frente e me forçar a sentar. Sentei em frente aos três pares de olhos filhos da puta que já conhecia há anos.

Joalin se afastou para ir até a cozinha e chamou Lena para buscar alguma coisa que não me atentei em ouvir. Assim que a mesma deu as costas, me virei e encarei seriamente os mafiosos a minha frente.

— Que merda aconteceu ?— Krystian riu, tomando um gole do vinho despreocupadamente.

— Ela realmente queria falar comigo ?— Noah perguntou, tão calmo. Isso me irritava: a forma como ele conseguia ser totalmente consciente e calmo nas mais variadas situações.

— Algo sobre o gêmeo tão traidor quanto Caim.— Wang disse baixo, e Lamar sorriu com o sarcasmo do amigo.

— Você sequer pode pisar em Nova York!— falei, pouco me importando com o resto, apenas encarando Noah.— Sua...— engoli em seco.— Família. Corre perigo, não ?

Noah arqueou as sobrancelhas, e continuou me encarando calmo, como se eu não precisasse me preocupar. Como se ele ainda tivesse o poder de concertar tudo, como tinha antes. De me passar segurança.

— O que aconteceu com Bailey ?— perguntou. Fechei as mãos em punho e trinquei a mandíbula.

— Não é o local mais adequado pra falar, porra!— murmurei, temendo que Joalin ouvisse.

— Me faça ficar pra te escutar então, Sabina.— ele bebeu um gole da bebida e desviou o olhar.

— Vocês conhecem Bailey. Sabem que há um motivo para isso.— disse, entredentes. Cansada de ter que explicar algo que é tão visível e simples.— E ele está sumido, Urrea. Preciso saber o que está acontecendo com meu irmão e tirá-lo dessa.

— Por que acha que ele não é capaz de fazer isso por querer, Sabina ?— Lamar perguntou, fazendo com que meu olhar desviasse até ele.— Aquele homem parecia realmente saber do que estava falando.

— Inferno! É de Bailey que estamos falando!— abri os braços, indignada com tamanha desconfiança.— Se ele está trabalhando com eles, é por algum motivo de força maior! Você sabe disso.— apontei para Noah.

— Sei é ?— debochou, rindo.— Sei como ?

— Se não soubesse — abaixei o tom de voz, sentindo a mágoa escorrer por todas as palavras —, tinha o matado ali mesmo. Você é o homem mais ponderador que conheço, sabe que há um motivo. Sabe que as coisas não são como parecem.— Noah me encarou fixamente.

— Como tem tanta certeza ?— rebateu, com os olhos verdes parecendo perfurar minha alma.

Porque te conheço bem o suficiente.

— Tio! Olha o que ela me deu.— fomos interrompidos pela voz animada e infantil de Lena, que caminhava com Joalin logo atrás em seu encalço.

— O que está rolando ?— Joalin se sentou, intercalando o olhar entre mim e Noah, que, por sua vez, não desviava o olhar frio do meu.

Parecia um olhar frio, mas eu sabia ler o turbilhão de sentimentos que passavam por ali.

Depois conversamos, Hidalgo.

— Fiquem a vontade.— Lamar diz, ao abrir a porta dupla da mansão em que estava, confortavelmente, hospedado. Olhei ao redor, contendo o elogio à estrutura e decoração. A mansão, por si só, era gigantesca, e de um estilo mais clássico, recheada de peças artísticas e vitrais coloridos.

Krystian e Noah não pareceram surpresos com a decoração. Provavelmente já tinham visto e apreciado à riqueza de detalhes. Me permiti encarar um pouco mais, enquanto todos se sentavam e somente eu permanecia em pé, no meio de uma das salas.

— Tem vodca ?— Krystian perguntou, e Lamar prontamente apontou para uma das garrafas do bar acoplado.— Vamos precisar.— o chinês murmurou pra si mesmo, enquanto virava vários copos vazios de shot para encher.

— Quero tequila.— falei, pela primeira vez desde a saída da casa de Joalin. Wang me encarou irritado e bufou, mas se virou e pegou uma garrafa de tequila, me tirando uma risada baixa.

— Quando foi a última vez que falou com Bailey ?— Noah perguntou, passando a mão pelos fios castanhos que teimavam em cair no rosto.

Isso me irritava tanto nele. Não a mania de mexer no cabelo. E sim o fato de sempre agir calmamente e arquitetar cada mísera fala, ato, questionamento.

— Dois dias depois do jantar de Natal.— respondi, colocando as duas mãos no bolso traseiro da calça jeans. Permanecei em pé.— Ele me disse que você não estava tão errado quanto a teoria, mas que eu precisava confiar nele. Que não era sua culpa. Disse que se pudesse contar à alguém, seria a mim, mas de toda maneira, eu iria saber.

Ao contrato de Lamar, que parecia criar mil e uma teorias, Noah continuou ouvindo, totalmente relaxado, como se eu estivesse falando sobre a fermentação de um pão. Por outro lado, Krystian deixava todo julgamento nítido no olhar — era o mais transparente com suas emoções ali.

E eu ? Só conseguia pensar em como mataria Bailey Hidalgo May por me fazer passar isso. Pela preocupação do seu sumiço e pelo julgamento dos homens mais desgraçados que conheço, gostaria de distância, mas, preciso.

— Eu realmente acho que Bailey tenha um motivo, Sabina.— tomou um gole da bebida que tinha em mãos.— Mas, isso não anula o fato que ele nos traiu, e colocou minha família em risco ao deixar aquele estrategista na nossa cola.— senti um amargor descer pela garganta, não sei se pelo tom ou pelo o que tinha falado.

— Mas, se ele tiver um motivo, então a culpa não é inteiramente dele.— retruquei, usando de toda a teimosia possível.— E, Bailey nunca nos levaria à um lugar que pudéssemos morrer. Tinha crianças lá, Urrea. Bailey é honrado o suficiente para não mexer.

Lamar arqueou as sobrancelhas com a última frase e Wang revirou os olhos, sussurrando em bom som "Honra e nosso nome na mesma frase é hipocrisia".

— Acha que alguém cobrou favores de Bailey ?— Lamar perguntou. De todos, eu sentia que facilmente poderia me casar com Lamar e fugir. Porque ele era dócil e amigável e, principalmente, empático. Morris tinha toda aquela selvageria de matar sem armas, mas parecia que isso só se restringia ao profissional. No dia a dia, ele ajudava senhorinhas a atravessar a rua, comprava os doces preferidos dar irmãs e sempre nos ouvia.

Lamar parava para observar e entender, mesmo que no processo isso o irritasse mais que o considerável.

— Talvez.— dei de ombros. Porque, se não estivesse muito claro, o que eu acho que estava, não sabia de absolutamente nada.

— E por que queria falar comigo ?— voltei minha atenção à Noah.

— Quero ajuda para achar Bailey.— Noah riu alto, parecendo se divertir com o pedido.

— Ele sumiu ?— questionou, totalmente surpreso.— Nem mesmo mensagens ou algo do tipo ?

— As vezes me manda uma mensagem, citando que está bem, não parece ser ele. Mas não o vejo há dias.— engoli em seco e Lamar me encarou com empatia nítida.— Acho que ele pode estar sendo torturado ou algo do tipo, Noah. Não sei o que achar. Só quero falar com o meu irmão.

— Não posso fazer nada em Nova York, Sabina.— me respondeu, sério.— Vim porque Wang me avisou que você precisava de ajuda — encarei o chinês surpresa, e ele logo desviou o olhar, fazendo pouco caso.—, mas não posso ficar mais que algumas horas. Não é mais apenas sobre mim.— assenti, sabendo disso.

— Você ainda tem contatos. Só preciso de algum italiano para dizer que Bailey continua vivo, Urrea.— ele assentiu, parecendo ponderar.

— Se te acalma um pouco, acho que seu irmão está mais protegido que todos nós.— debochou, tomando mais alguns goles de bebida. Franzi o cenho com o teor ácido do comentário. Não sou burra ao ponto de deixar passar aquele sinal, de que eles sabiam bem mais coisas.

— Do que está falando ?

— Ele trabalha para os Donatellos, Sabina.— Wang respondeu, como se a frase por si só já explicasse.— Ele é um ex pistoleiro da maior equipe da máfia, sabe como Any e Josh viviam, sabe como braço direito deles age e tem acesso sobre todos nós. Bem ou mal, em algum momento ele teria que soltar uma informação sobre algum de nós. Isso o faz ser valioso lá dentro. O faz ser útil.

— Ser útil até deixar de ser, Wang.— retruquei.— Qual é ? Fazíamos isso até demais. Usávamos as pessoas até elas deixarem de agregar e então era uma adaga na garganta ou uma bala no cérebro.— gesticulei com as mãos toscamente irritada.— Quem garante que não irá acontecer isso com meu irmão ?

Garante quem o colocou lá dentro, Hidalgo.— Noah respondeu, entredentes.

— Lá vamos nós...— Lamar respirou fundo e relaxou na poltrona, parecendo parcialmente cansado.

Krystian soltou uma risada sarcástica e pegou seu copo, se aproximando da parede principal da sala, que era composta pelos mosaicos de vidro. O chinês apenas continuou encarando o desenho e a paisagem lá fora, parecendo não querer explicar a desgraça da conversa.

— Vocês viraram os três mosqueteiros, caralho ?— gritei, totalmente irritada. Lamar arregalou os olhos, tomando um susto e Noah abriu um sorriso felino, acostumado com os surtos.— Meu irmão pode estar comendo mato pela raiz nesse exato momento! E eu preciso saber o que está acontecendo!— apontei para Noah.— Você vai me dizer agora.

— Se não ?— inclinou a cabeça para a direita, como uma criança atentada, prestes a se divertir com seu melhor brinquedo. Os olhos verdes brilhando em malícia.

— Mas... Lamar...— Wang, sussurrou, ainda encarando o vitral. Mas o britânico continuou encarando eu e Noah, como se estivesse no melhor episódio da sua série.

— Você vai preferir ser meu aliado, Urrea.— enfatizei. Noah não precisava disso, ele sempre soube que por Bailey eu moveria céus e terras, que desceria ao inferno e faria amizade com o diabo, se fosse preciso.

Noah sabia, inclusive, que em um passado não tão distante, eu faria o mesmo por ele.

— Quem seu irmão defenderia até a morte, Hidalgo ?— Noah questionou, se levantando do sofá e caminhando até onde eu estava.

Eu.— respondi, sem hesitar. Família até o final. Família até que um de nós morresse e ficássemos sozinhos.

— E eu não duvido nenhum pouco disso.— ele tomou o último gole da bebida e apoiou o copo vazio na mesa.— Todos sabem que Bailey May defenderia a gêmea até o final, não é ?— questionou, com um sorriso no rosto.

— Qualquer um sabe que eu faria o mesmo.— trinquei a mandíbula.— A onde quer chegar, Urrea ?

Lamar moveu o rosto, parecendo ouvir um barulho. O britânico se levantou e caminhou até Krystian. Mas, continuei com o meu olhar focado na imensidão verde.

Era tão estranho encarar alguém que dividia tudo com você. Que conhecia suas qualidades e as reverenciava, que amava seus defeitos, que curtia a mesma adrenalina que você.

Meu amor com Noah foi épico, porque parecia que nunca iria durar o suficiente para cair na mesmice.

— Todos sabiam mesmo.— o estadunidense sorriu.— Mas quem teria coragem de usar isso contra Bailey ?— ele soltou uma risada nasalada.— Ou melhor, quem Bailey deixaria usar isso contra ele ?

E minha boca secou, conforme tentei organizar todos os pensamentos.

Mas, o destino parecia querer me fuder mais. Foi o tempo de eu olhar para o lado e ver Wang jogando o copo longe e tirando duas pistolas dos cós da calça e levantando.

Saiam daqui porra!— o chinês gritou, olhando diretamente para Noah.

O barulho de explosão me ensurdeceu e me jogou para longe.

O vitral estourou, conforme o barulho das balas se chocavam. Me agaichei, buscando por proteção, enquanto sentia os pequenos estilhaços de vidro grudar pela minha pele. Olhei ao redor, ouvindo o barulho de tiros. Minha cabeça tinha batido forte.

E eu estava sem arma. Em mais de anos na máfia, seja trabalhando em um bar ou decepando cabeças, nunca estive sem uma. Estava tão atolada com a ideia de Bailey estar sem proteção, que não cuidei da minha.

Passei a mão sobre a orelha direta, sentindo o sangue escorrer por ela. Eu não ouvia deste lado, os sons chegavam de maneira abafada, sem precisão.

Contive o desespero. Antes sair surda e viva, do que ter que me preocupar com a surdez no inferno. Mas eu estava tonta. Tentei ao máximo conter as imagens, que pareciam divergir.

A perca da audição fazia os sentidos se misturarem.

— Leste A. — Lamar parecia ter gritado, abrindo uma gaveta e retirando um fuzil. O britânico começou a atirar.

Olhei para a frente e vi Noah escorado sobre o encosto do sofá. Ele enchia a pistola com algumas balas, parecendo centrado o suficiente em meio à balbúrdia. Eu estava vendo tudo divergindo, apoiei minha cabeça em alguma coluna.

— Noah...— sussurrei ou gritei, não entendi direito. O estadunidense levantou o olhar, me procurando em meio à escuridão. A luz tinha caído, provavelmente por conta da explosão. Os olhos verdes se arregalaram levemente com meu estado.— Fuja. Vieram atrás de você.— balbuciei, tentando me levantar.

Minhas mãos cortaram mais ainda conforme me apoiei no chão.

Gritei de dor conforme minha mão direita foi pisada por um contorno. Permaneci no chão e olhei para a cima, vendo um homem sorrir totalmente feliz, enquanto apontava o cano da pistola para o meu rosto.

Tentei me levantar, mas o zumbido no meu ouvido permanecia. As coisas estavam ficando confusas e eu estava letárgica.

Porra. Eu ia morrer sem achar meu irmão. Pelas mãos de uns europeus desgraçados.

— Como diz em sua língua ?— debochou.— Adios ?— abri um sorriso envenenado e cuspi em seus pés.

Eu sempre estive em frente a morte, mas consciente disso.

O que eu poderia fazer ?

A quem eu poderia clamar ?

A oração da Santa Muerte deveria ser proclamada em voz alta. Mas, não conseguiria. Então comecei a passar em pensamento...

"Menina Branca pálida como ossos

lhe chamo em meu coração

Abençoa-me com sua doçura e receba minha oração"

— Não sei, na nossa é "te vejo no inferno".— a voz fria e rouca de Noah retumbou o ambiente e logo senti o peso em cima da minha mão sair, assim que o som de tiro também se fez presente.

Olhei para o corpo caído ao meu lado, vendo o tiro certeiro bem no meio da testa. Levantei o olhar e vi Noah caminhando até mim, com os olhos nublados com a frieza de um assassino.

Os tiros ainda corriam por todo o ambiente. Não conseguia ver Lamar ou Wang. A sala tinha poucos corpos, mas nenhum de nós. Lá fora os barulhos pareciam mais fortes. Provavelmente estavam ganhando tempo para Noah fugir.

— Latina, consegue me ouvir bem ?— o estadunidense agachou em minha frente e tomou meu rosto em suas mãos. Neguei levemente. O som era muito baixo.— Um pouco ?— assenti.

— Corra...— apertei sua mão direita, pouco me importando se estava sujando com sangue.— Filho...— sussurrei, sentindo minha mente começar a falhar pela batida. Eu iria desmaiar.

Noah parecia em uma batalha interna. Tentando ver todos os possíveis casos e desfechos. Ele precisava me deixar aqui e sair. Lamar e Wang dariam conta junto dos seguranças...

Noah se levantou e me encarou com a mandíbula trincada. Olhou ao redor, parecendo ver algo pela janela.

Sabina...— eu apenas assenti.

Ele tinha realizado o sonho de uma família. Precisava ir. Era justo.

— Vai se foder se acha que te deixarei.— disse, totalmente irritado. O estadunidense me pegou no colo em um solavanco. Soltei um resmungo de dor, mas eu estava mais fraca que tudo.

Noah começou a correr, comigo em seus braços. O barulho de tiro parecia percorrer junto de nós. Minhas pálpebras demoravam cada vez mais para abrir.

Cochilei por minutos ou segundos, não sabia quantificar. Mas, quando abri os olhos, estava apoiada em um canto da parede e Noah lutava com um homem. A essa altura, já estávamos em algum corredor da mansão de Lamar.

Noah girou em 180 graus e acertou o pé na cara do homem, fazendo com que ele batesse a cabeça na parede. Noah sorriu, totalmente sádico e puxou um dos vasos que decorava a casa de Lamar.

Mas, ao contrário do que eu pensava, ele não quebrou o vaso. Apenas quebrou um dos galhos da planta e se aproximou do homem.

— Da última vez foi um tiro nó pé e eu fiquei quieto, não é, Harvey ?— Noah sussurrou, totalmente sarcástico.

— Isso é pouco para o que eu vou fazer, seu filho da puta.— o moreno, retrucou, abrindo um sorriso.— Espera só até eu foder sua loira e, quem sabe, experimentar o gosto da mexicana ali. Vamos ver se elas continuarão apaixonadas em você...— gargalhou.— Ou posso esperar sua filha crescer.

Noah perdeu todo o divertimento. A expressão endureceu e ele encarou Harvey por alguns segundos.

Você não vai enxergar para isso.— E, sem dizer mais nada, Noah fincou o galho no olho direito do homem.

O grito latejou minha cabeça, conforme via o sorriso satisfeito de Noah crescer.

— Diga que mandei lembranças à seus chefes.— cuspiu em cima do homem.— E que se eles encostarem em alguém, eu serei o pior pesadelo daquelas vadias. — foi a última coisa que ouvi, antes de perder a disputa para a escuridão.

Dias depois.
Tóquio — Japão

Narrador

Calmaria.

A mulher comia um sanduíche calmamente, enquanto lia o romance que tinha acabado de adquirir.

Hina Yoshihara não sabia definir o que mais estava gostando naquele momento: a tranquilidade, o sanduíche delicioso, o romance, ou a tranquilidade. Parecia tão simples estar em uma rua movimentada, vivendo em paz, podendo comer algo e vendo as pessoas transitarem, vivendo suas próprias vidas assim como ela estava fazendo.

Fora do caos.

Fora da máfia.

Para um momento único parecia incrível. A japonesa tentava reprimir os pensamentos intrusivos que atrapalhavam sua leitura, sussurrando como ervas daninha que, uma rotina monótona como aquela, a enlouqueceria. Assim como veio enlouquecendo no passar dos anos.

Hina evitava falar em voz alta seus pensamentos, para uma onda de azar não a atingir. Não que ela acreditasse em algo que não envolvesse ciência. Mas, na dúvida, mantinha alguns "placebos" que sua irmã insistia em enfiar na sua mente.

— Titia!— a voz infantil e alegre, fez Hina curvar o corpo e encarar o corpo pequenino que vinha animado até ela. Passando pelos adultos da feira como se não ligasse ou não pudesse ser pisoteada.

Hina amava ver a sobrinha ser realmente livre. Poder respirar. Poder visitar a feira de bairro que tanto amava.

— Oi, lindinha.— murmurou, se curvando um pouco pra pegar a sobrinha e colocar sentada ao seu lado. Em uma das bancas da lanchonete.

— Fui ver os peixinhos e ganhei isso pra você!— abriu um sorriso banguelo e animado, estendendo o envelope vermelho para a tia.

Hina automaticamente sentiu todo o sangue drenar de suas veias.

A sensação de catástrofe pairando como um anuncio de que ela iria voltar às atividades, mesmo que não pudesse.

— Quem te deu isso ?— o tom de voz amoroso e ameno, parecia ter se partido em um caminho de desconfiança e frieza. A pequenina percebeu a mudança da tia e fechou o sorriso, temendo ter feito algo de errado.

Hina desmembraria qualquer um que encostasse em sua sobrinha. Faria cada pedaço do corpo viajar para um continente diferente.

— Um homem. Disse que era pra você.— Hina a encarou séria e agiu no automatismo.

A japonesa pegou o envelope vermelho e tentou não tremer com o convite que continha ali dentro. Escrito a mão, com uma caligrafia que não era tão desconhecia por ela. Porque ela já tinha visto uma carta direcionada a Any e Joshua com a mesma caligrafia.

____

"Possa il cielo poter vedere il pozzo, così che scelga di ignorare le sue richieste."

(Que o céu consiga enxergar o poço, de modo que escolha ignorar seus pedidos)

Hina Yoshihara,

Sua presença é requerida para a celebração de mais um ciclo de Dave Donatello.

"Espero poder conhecer sua beleza e talento pessoalmente, Hina. Na verdade, sei que irei.

Aguardo ansiosamente, querida."

Donatello, Dave.

28 de fevereiro.
Traje: Gala.
____

H

ina sentiu o coração acelerar. Ela não devia nada a nenhum deles, não tinha quebrado nenhuma cláusula do contrato. Mas... O convite.

Aquele convite. Ou melhor, aquele mandato.

O topo queria vê-la. Queria observar como agia a especialista em lâminas da antiga realeza da máfia. E eles a obrigariam a isso, não haveria escolhas a não ser aceitar e ir.

Hina sentiu o celular vibrar no bolso e o pegou, desbloqueando e vendo a mensagem de um número desconhecido.

Número desconhecido.
Deixa eu adivinhar ? Sou ótimo nisso, assim como em programas (não disse qual). Dave Donatello quer colocar você no mesmo habitat que a corja dele ?
Eu também, Hininha.

Número desconhecido.
Quem esse velhote pensa que é pra falar que o céu não vai me ouvir porque estou no fundo do poço ?
Odeio italianos.

A japonesa revirou os olhos com o sarcasmo. Krystian Wang sempre seria irreverente.

Hina.
Sabe de mais alguém ?

Número desconhecido.
Até onde sei ?
A equipe R.B irá se reencontra novamente e, dessa vez, será para encontrar a família fodida pelos nossos antigos patrões.

A calmaria tinha acabado.

Hina sentia o cheiro de disputa no ar. Mas, estranhamente, também sentia a adrenalina voltando para seu corpo.

O céu ela não sabia. Mas se a antiga equipe continuasse com o mesmo fervor para provocações...

Seria o inferno que teria de escolher se ouviria ou não.

_____♤_____

Espero que vocês tenham gostado do capítulo recheado de informações de hoje! Não esqueçam de comentar muito e deixar sua estrelinha, ok ?

Me contem suas teorias, parte favorita, o que estão ansiosos. Adoro comentar e fofocas até com vocês.

E essa festa dos Donatello's, deve que ela promete muito, ?

Alguns casais se recontando, outras rachando, e uns procurando em outros corpos o que vão ter somente um no outro. A ruína é assim mesmo.

Espero que vocês tenham gostado muito. E vamos papear mais ? Caso queiram falar no falecido Twitter, o meu user é o mesmo daqui.

Amo vocês e até breve.
Com amor

— Ari.

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