Capítulo 433 Subjugado, sem vontades... Tantas verdades sufocantes
Vinte de maio – Ano do Dragão
Meados da madrugada
Em sua perda transitória de consciência, Huan Shui sentia-se estranhamente amarrado dentro do casulo que era seu próprio corpo, ele não tinha mais noção da praia, da maré subindo sobre suas pernas, era como se mal pudesse piscar ao ser obrigado a ver todas aquelas imagens passando... Os fatos antigos envolvendo sua falecida mãe e seus dois pais.
Ele tentou lutar contra aquele processo doloroso da possessão, mas foi tomado por uma exaustão, sua vontade escoando tão rápido como se algo o drenasse até a última gota, sendo submetido, forçado a ser o expectador do passado.
Mais do que sua própria mãe, ele que se sentiu um fantasma habitando uma casca vazia.
E depois de um tempo imensurável, tudo ficou escuro e frio como a Fortaleza Vazia.
Sendo remetido a um estado de confusão quando sua consciência retornou, era como saber quem era, mas não em que época estava... De que linha de tempo Huan Shui fazia parte afinal?
Sentindo-se tão mal, engolindo de volta o sangue que subiu à garganta.
Huan Shui sentiu algo úmido em seu rosto e abriu com dificuldade os olhos.
O jovem deus percebeu as coisas em seu entorno lentamente.
Sua mão tinha os dedos abraçados aos dedos de outrem, a praia não era mais o cenário, mas ainda estava com frio como se exposto ao vento da madrugada, aos poucos reconheceu que estava no aposento onde costumava repousar no quarto de Shu Rong, onde ficava também o quarto de nai nai, meses antes... Quando ela estava viva.
Estava tão saturado, tão cansado, seu olhar ainda estava vago, quando a voz o despertou parcialmente de seu torpor.
— A-Shui... Como se sente? Pode me ouvir agora?
Ele se guiou pelo som e se moveu algo descoordenado, seu corpo de lado na esteira forrada, encontrando a face de Jun Wu.
— Eu... — Huan Shui abriu os lábios um pouco rachados para dizer, sua voz rouca. — Não estava na praia?... Para onde foi... Huan Liang?
Jun Wu terminou de limpar-lhe o rosto sujo de areia num gesto zeloso, sem soltar-lhe a mão.
Logo percebendo que se Shui estava se referindo a própria mãe pelo nome, sem qualquer consideração materna, ele devia estar bastante zangado, ainda que não tivesse forças para demonstrar.
— Sua mãe... Bem, ela embarcou naquele veleiro fantasma e se foi.
Huan Shui tornou a fechar os olhos, pressionando a ponta de dois dedos entre eles ao passo que tentava organizar seus pensamentos e sensações fora de contexto.
E bem que Jun Wu podia sentir no aperto dos dedos dele, na angústia tremulante na mão que segurava a sua e até mesmo ele estava tentando compreender.
— Ela se foi... — Shui repetiu baixo, sem dúvida sarcástico, tornando a abrir os olhos vagos. — Por que não estou surpreso? É mesmo possível que exista uma “mãe” tão imatura e egoísta?... Não era bem assim que eu imaginava que fosse uma mãe.
Não restava muito para Jun Wu a não ser suspirar, piscar sereno e complacente com seus cílios e pálpebras suaves, em verdade, por ter sido o filho único de uma rainha submissa, ele também não tinha uma ideia exatamente formado de como uma mãe devia ser.
— Quer me contar do início? O que aconteceu para o espírito de sua mãe chegar ao ponto de possuir seu corpo?
Seu corpo doía naquela posição, Huan Shui estava inquieto até a última célula do corpo e fez um grande esforço para se sentar na esteira, Jun Wu ajudou apoiando-o com suas mãos que estavam conectadas.
Olhando para si mesmo, Shui percebeu que Jun Wu tinha trocado sua roupa e devia ser muito tarde, porque havia no quarto vários candeeiros queimando azeite, chamas tremulantes fazendo sombras sutis nas paredes.
— Em que momento... O Daozhang chegou afinal? O que aconteceu?... É como se meus meridianos tivessem sido prejudicados, senti sangue subir na garganta... Parece que levei uma surra e não que fui possuído por um espírito ressentido.
Percebendo que o rapaz ainda estava com frio e o corpo mais fragilizado do que aparentava, Jun Wu tirou o próprio cardigã que trajava e ajeitou a peça nas costas, puxando por cima dos ombros.
— Quando cheguei na praia Xin Yuan, tive que conter Tian Shu. — O Daozhang explicou, levando uma mecha de cabelo terracota para trás de uma das orelhas do jovem deus. — Ele saiu em disparada assim que sua mãe possuiu seu corpo, então eu vi que você se sentou numa aparente calma na beira da praia e esperei... O problema, é que após um longo momento... A maré começou a subir.
Não, Huan Shui não se lembrava, não tinha consciência do que acontecia à sua volta no presente, ele apenas assentiu segurando no viés acetinado do cardigã, demasiado pensativo.
— O mar começou a avançar sobre A-Shui, muito depressa... Mesmo que seu corpo estivesse condicionado a ficar naquela posição, a força da água salgada teria te arrastado e estando possuído, poderia se afogar sem mesmo sentir.
Sentindo-se ainda pior diante das palavras, Huan Shui se recostou contra Jun Wu, engolindo à seco:
— Se o Daozhang não tivesse chegado eu iria ser tragado pelo mar... Não consigo deixar de perguntar, quais eram as reais intenções da minha... Daquela mulher. Pouco antes de me possuir, ela estava genuinamente zangada por eu ter me tornado imortal, começo a crer que ela queria que eu sentisse a morte.
“Tão tola... Eu conheço tão bem a morte...” — O rapaz cochichou para si em sua mente.
— A-Shui... — Jun Wu parecia algo incrédulo, mas não menos sombrio em suas conjecturas. — Está afirmando que a Dama Fantasma o colocou de caso pensado num transe para submetê-lo à sensação de morte?
Huan Shui respirou, sentindo fortemente o ar invadir seu corpo e penetrar em seus pulmões, como se fosse sua auto afirmação de ter sobrevivido... Porque, estando amaldiçoado e com os grilhões em seu corpo, ele não teria mesmo morrido por um tempo se fosse tragado pelo mar?
— Não era a única intenção dela, Daozhang... Quando ela soube que o pai esteve aqui e contou coisas do passado, envolvendo Shu Rong, ela teimosamente decidiu que tinha que provar sua inocência... Mas, qual? Ela... É tão mesquinha.
Era difícil saber se Shui estava chamando Huan Liang de mesquinha pelo o que fez no passado ou por tentá-lo afogar com a maré alta em Xin Yuan, talvez nem ele tivesse uma resposta certeira sobre a questão:
— Se bem...
Uma dúvida crucial vagou no tom de Huan Shui e pensar sobre tudo que tinha visto, ainda meio que nauseava seu estômago.
— O que a Dama Fantasma te mostrou enquanto estava em transe, A-Shui?... Estou preocupado, parece tão exausto, como se a qualquer momento sua mente fosse quebrar.
— Ela me mostrou... Três meses da vida dela, vinte e um anos antes. — O rapaz buscou o olhar de Jun Wu, o rosto dele tão bonito e maduro como o alívio que precisava. — E eu me dei conta que o Sacerdote Jin Shi enganou minha mãe com uma falsa visão... Um menino aparecia na visão, mas não era eu. Ele queria evitar que Huan Liang abandonasse Zhen Yan, então a manipulou... Eu somente não entendo porquê.
Lentamente, a outra mão de Jun Wu tocou a base de seu queixo, com um ênfase amoroso no toque:
— Eu não contei tudo que sabia sobre Jin Shi.
A seguir a voz de Jun Wu soou como uma segredo, grave e profunda, desnorteante e hipnótica:
— Ele não apenas manipulou sua mãe, ele a matou... Porque queria você.