ACASALAMENTO: Lua Cheia

By JadeJssica

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O que você faria se estivesse nessa situação? Após anos de escravidão e vivendo uma rotina angustiante, Danda... More

LUA CHEIA
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By JadeJssica

Silêncio. Silêncio. Silêncio.

Silêncio!

Dandara pouco se importa com o silêncio!

Não quando um corpo caiu em seu colo. Não quando bichos brancos e rechonchudos estavam dentro de suas roupas, no cabelo e deslizavam por seu corpo tentando se agarrar a ela com o mesmo desespero que Dandara grita, grita, grita e se contorce.

Cadáver e bichos… Bichos e um cadáver. Um morto e bichos que grudam e não querem soltá-la. Foi repulsivo se levantar com aquele pedaço de carne pútrida em seu colo e desesperador tentar tirar aquelas criaturinhas.

Os homens lhe cercaram, tentaram acalmá-la. Mas Dandara não deu ouvidos a nada enquanto chacoalhava as roupas, bagunçava o cabelo e pulava sem rumo com grunhidos e gritaria.

A névoa lhe envolveu, úmida, pesada e fria quando ela começou a tirar suas roupas e a se coçar.

Dandara!

Em algum momento, os chamados ficaram longe. Em algum momento, só restou ela e uma densa neblina.

A última peça de roupa caiu aos seus pés.

Dandara agora estava nua e sozinha.

Com bichos brancos e gordos grudados em seu abdômen, peito e coxas. Dezenas deles.

E ali estava seu desespero: ter que puxar aquela coisinha como se arrancar o carrapato de um cachorro. Ele se agarrou, mordeu e lutou. Mas saiu… e doeu.

Ela foi para o próximo, o próximo e o próximo. Dandara perdeu a conta quando puxá-los se tornou mais difícil. Aqueles vermes queriam entrar em seu carne, em seu corpo e comê-la. Em algum momento, caroços se formaram e filetes de sangue começaram a escorrer.

Sangue fresco na brisa suave que movia a neblina.

Dandara! — Alexandre lhe procurava.

E então, ela tirou o último bicho. Aquele que insistia em ficar em sua coxa.

Apenas para se recompor e sentir os músculos das costas latejar.

Dandara? — Em meio a neblina, ela o viu.

Repulsa e dor foi o que Alexandre viu em seu rosto quando ela o olhou por cima do ombro. Ombro, com bichos se afundando em sua carne.

Nua.

Com as costas…

O nojo visto no rosto dele…

*

Uma lança...

O corpo de um dos batedores foi empalado em uma lança e deixado como um aviso, enquanto os animais começaram a devorá-lo de dentro para fora. A névoa o escondia perfeitamente, até o momento em que o cadáver se partiu e caiu em cima de Dandara.

Aquele lugar só podia ser amaldiçoado!

Ninguém nunca tinha visto vermes se comportarem daquela forma, afundando-se dentro do corpo de uma pessoa viva. Alexandre nem tinha certeza se eram vermes, especialmente quando os maiores eram mais compridos, com dezenas de pernas, correndo em direção à fonte de carne mais próxima: ele.

Os vermes menores, aqueles que caíram em Dandara, se contorciam no chão como bebês emburrados. Independentemente do tamanho, todos eles foram esmagados.

No entanto, Alexandre se recusou a colocar as mãos nas costas de sua escrava. É nojento e repulsivo para ele.

Francisco quem fez e com ajuda.

Ele encostou Dandara na parede e começou a puxar um por um dos seus músculos. Enquanto ele trabalhava no ombro, outro homem puxava aqueles mais próximos das nádegas. Não eram muitos, mas se enterravam cada vez mais na carne de modo que a escrava teve que morder um pano quando Franscisco inseriu a ponta de uma faca próximo da sua jugular, cortou e então cutucou até tirar três daquelas coisas.

Ele os esmagou em seguida. Uma mancha de sangue foi carimbado no chão.

— Deveríamos lavar esses ferimentos — ele sugeriu.

— Naquela água negra? — perguntou o homem ao seu lado. Edmundo era o nome. Dandara não estava gostando nada de ficar empinada para o rosto dele. — Pelo menos vamos saber se aquela água serve pra alguma coisa.

— Dandara não — sibilou Francisco. — Se for pra testar alguma coisa, que seja outro. Ela não.

Nunca ela! Dandara grunhiu. Outra daquelas criaturas precisou ser cortada para fora de seu corpo. Em seguida, ela suspirou, aliviada. Se fosse outro escravo em seu lugar, Alexandre não teria vindo atrás e ela provavelmente teria que lidar com aquelas criaturas sozinha.

A escrava suspirou:

— Todos vamos morrer…

— Não, não vamos. — Garantiu Francisco. — Achamos um tesouro aqui e sobreviveremos a ele, voltaremos e relataremos tudo que vimos.

Sobreviver e voltar são os maiores desafios — Edmundo disse, limpando a testa com a costa da mão. Deve ser meio da manhã e a neblina diminuiu minimamente. — Não conseguimos ver o que há além dessa névoa. É anormal essa espessura nesse horário.

E então, ele se concentrou. Dandara contraiu os músculos e o capataz espremeu um dos vermes como se estivesse espremendo uma espinha. A criatura esbranquiçada caiu, contorcendo-se antes de ser esmagada.

Ao observar os ferimentos na pele da mulher, uma constatação veio à mente:

— Precisamos mesmo lavar isso.

— Para quê? — Dandara, enfim recuperou a compostura.

Nua e com os músculos doendo, mesmo que todos os bichos estivessem longe do corpo, surgia a impressão angustiante que poderia haver algum perambulando por sua pele. Ela se auto-revistou.

— "Para que", o quê? — Edmundo se levantou.

Dandara o olhou, mais uma vez. Tem uma vaga lembrança dele… de seus olhos sempre inchados e de alguma verruga nas genitais. Não está calor, mas Edmundo está suando.

— Para que lavar? — A mulher coloca uma distância segura entre eles. — Vamos todos morrer.

— Já chega, Dandara — Francisco veio por trás, retirando a própria camisa e lhe estendendo. — Vai, vista isso.

Francisco é verdadeiramente um homem atencioso. Ele sempre demonstrou respeito em relação ao corpo de Dandara e em sua urgência pessoal em fazê-la vestir aquela longa camisa. Ele é o único homem em toda a frota que a fazia sentir-se à vontade. O único que nunca tentou abusar de sua autoridade para coagi-la a ter relações. Mesmo tendo tido oportunidades, ele sempre a protegeu.

— Obrigada — seu agradecimento sempre foi mais do que sincero.

O homem, no entanto, ficou com a parte superior do corpo exposta. Seus músculos ligeiramente flácidos exibiam as marcas do sol e das roupas. Francisco é como ela: nem tão bonito, nem tão feio. E também educado e curioso.

Ele ajeitou a alça de sua calça sobre os ombros.

— Por favor, macaquinha… só pare de ser pessimista. Não vamos morrer.

— Ah, é? Pois bem… — Dandara fica frente a frente com ele. Atrás, Alexandre começa discretamente a prestar atenção na conversa. — Mal chegamos… e um tipo deficiente de crocodilo abriu a boca e pediu pra comer a mim. — O capitão se virou completamente para ela. — Não demorou nada e fomos atacados por bichos de um cadáver. Bichos! Falando em cadáver, o que transformou o homem em cadáver? Todos vão morrer!

Ela se afastou quando sentiu as mãos fortes e calejadas do capitão em seu ombro.

— Calma, Dandara — Alexandre exigiu. Dandara o encarou.

— Bichos, Alexandre! Bichos! Fomos atacados por bichos! Eu fui ferida por bichos do corpo de um morto! O que vem depois? — Dandara ofega e leva um minuto para respirar. Seus dedos tremem e suas pernas estão fracas. Ela está fraca. Há quanto tempo não come? Eles poderiam morrer de fome e... Não! A fome é um processo lento e doloroso. Ou é saciada ou ela consome o corpo de dentro para fora, em uma angústia tão avassaladora que a morte se torna o único refúgio. Dandara não quer morrer de fome, seja pelas criaturas repugnantes ou qualquer coisa horrenda daquele lugar. — Eu prefiro o crocodilo deficiente. Sabe? Pelo menos ele foi educado quando elegantemente pediu pra me degustar.

Dandara testemunhou o momento em que a calma de Alexandre desapareceu. Sua pele ficou vermelha e Francisco murmurou o nome dela, mas já era tarde demais. Uma bofetada estalou em seu rosto.

A escrava cambaleou e se agarrou aos braços do imediato. Ela não queria estar no chão novamente.

Deus! Ela ainda podia sentir aquelas patinhas perambulando por sua pele e os vermes se afundando em seus machucados doloridos e pulsantes.

Ela não caiu. Francisco garantiu isso.

Alexandre continuava vermelho. Seja qual for a obsessão que tem por ela, acredita ter direito sobre sua vida tanto quanto da morte.

Mas, ao refletir um pouquinho…

— Ela tem razão — ele suspira. Os acontecimentos são apenas um prelúdio do perigo daquele lugar. Precisam de mais preparo. Então ordena: — Simon, Pedro, Raimundo e companhia voltem ao navio. Informe o que encontramos, o que aconteceu e diga que se preparem para enviar-nos mais homens e escravos.

— Vamos construir uma base? Um acampamento? — Francisco pergunta, garantindo que Dandara consiga ficar em pé sozinha. — Precisaremos locomover muita coisa para terra firme.

— O navio está com danos. Estamos sem recursos e há essa bela gruta — Alexandre aponta para o caminho de onde vieram. — Vamos reforçar o perímetro, estabelecermos e buscar recursos. Precisaremos dos escravos para extrair e construir se assim for necessário. Mas, acima de tudo, precisamos saber se comer e beber desse lugar é seguro. Precisamos de muitos homens para nos estabilizar com segurança antes de tentar enfrentar o alto mar novamente.

Assim foi feito.

Por três dias e três noites, eles continuaram a se mover, se preparando. Qualquer sinal de rebeldia dos cativos era severamente punido, e eles usaram a gruta e todo aquele belo jardim para reforçar o perímetro.

Durante esses três dias e três noites, ninguém apareceu. Ninguém veio cumprimentá-los, passear pelo jardim ou talvez louvar o grande lobo negro de olhos vermelhos. Outra estátua dele foi encontrada na gruta, sentado e imponente como um rei.

Há algo ali… e está lá fora. Em algum lugar.

Eles empalaram um homem em uma lança, deixando-o exposto para que todo tipo de criaturas se banquetassem com sua carcaça. A morte é tão recente que o leve odor é carregado pelo vento.

E a lança... ninguém conseguia removê-la do lugar. Sua ponta é feita de uma pedra negra levemente transparente. Estava cravada na rocha acima da saída da gruta em um ângulo preciso.

Alexandre examinou a cena e chegou à conclusão de que o homem subiu até ali, em um ponto alto, na tentativa de enxergar por cima da névoa ou ter uma ideia de onde estavam quando a lança caiu do céu e o perfurou na altura do abdômen. Agora, só restavam ossos quase tão brancos quanto os vermes famintos que o devoraram.

Os outros ainda estavam desaparecidos.

*

Floresta. À beira dela encontra-se uma imensa floresta brilhante. No entanto, só é possível vê-la durante a noite.

É um ciclo interminável.

O céu clareia com tons belíssimos de rosa. Contudo, a terra fica envolta em densa neblina ao redor da floresta, limitando a visão a poucos metros à frente.

No entanto, a neblina matinal não se estende ao mar e não penetra na gruta quente. Logo cedo, homens, escravos junto dos recursos e armas são transportados.

Ao meio-dia, o sol brilha intensamente e dissipa a maior parte da névoa. A floresta se revela majestosa, com um aspecto tropical. É quando o trabalho externo começa, com uma verificação diária do perímetro estabelecido.

Homens armados aproximam-se da linha das árvores e examinam o ambiente. Os arbustos variam entre espaçados e densos. A vegetação tem uma cor intensa e pode esconder diversos predadores em sua vastidão sem fim.

Mas não há nada.

Somente o silêncio.

Nenhum pássaro cantando, nenhum grilo. Apenas uma libélula de tamanho maior que o comum voando de um lado para o outro.

Durante a noite, no entanto, a floresta se transforma. O brilho da vegetação iluminava no ambiente com tons encantadores, favorecendo a vigília noturna.

No quarto dia, Alexandre e os outros capitães haviam terminado de fazer a contagem do que era necessário extrair dos recursos naturais, além de alimentos. Então, depois do pico do sol, Dandara observa um grupo de escravos seguindo Alexandre em direção à linha das árvores.

Havia um bom número de capatazes armados logo atrás.

Três negros — os mais fortes entre eles — receberam um machado.

Uma árvore foi escolhida.

Estava à frente das demais com uma peculiar folhagem negra. Pequena em comparação às outras, com tronco reto e sem casca. Alexandre ordenou:

— Derrubem.

Os três se aproximaram. O machado pequeno e frágil não era adequado para a tarefa.

A madeira é tão resistente que mal cedeu à lâmina. É de excelente qualidade, tanto que o golpe fez os bíceps de um escravo de trabalho pesado tremerem. O homem teve que usar o pé para remover o pequeno machado de sua superfície.

Tanta força que caiu.

O chicote estalou no chão junto da ordem de retornar.

De novo.

De novo.

De novo.

Até ver o interior dourado do tronco.

De novo.

De novo.

De novo.

Até a árvore balançar… e grunhir.

Os três escravos cambalearam simultaneamente para longe com grandes olhos arregalados.

— O que foi?! — o chicote estalou novamente. — Voltem pra lá!

Eles obedeceram, golpearam o tronco e pularam para longe.

— O que foi, porra?! — sibilou um dos capatazes.

— Tem alguma coisa nessa árvore… — respondeu um deles. Os demais concordaram.

O capataz com a arma se remexeu.

— O quê? O que tem lá?

— Sei não — disse o escravo da direita.

— A árvore tá rosnando — murmurou o da esquerda.

— Como rosnando?

— Pare e um bicho. Tem um bicho grande aí!

Se isso fosse uma pegadinha… Mas naquele lugar? Naquele mundo onde viram um crocodilo sem pernas e braços grande o bastante para engoli-los inteiro? Onde homens estão desaparecidos e um apareceu morto?

Dois capatazes armados se aproximaram cautelosamente. Eles olharam para a copa repleta de folhas negras, largas e abundantes. Nada.

Aproximaram-se do tronco e apontaram o mosquete para cima. Olharam entre os galhos. Nada.

Eles não ousaram virar as costas para a árvore ao se afastarem.

— Não há nada, aqui. Andem, voltem ao trabalho!

O chicote estalou e os escravos foram obrigados a voltar. Todos mantiveram as mãos à frente do corpo enquanto olhavam para cima.

Eles não se moveram.

Havia sim algo em cima daquela árvore. Algo… grande.

Imenso!

Oculto entre os galhos e folhas, mesclado as mínimas sombras e agarrado ao tronco. Olhava diretamente para eles.

Não importava que houvesse capatazes armados ordenando que ficassem ali e cortassem aquela árvore. Não importava o chicote. Todos saíram correndo aos gritos, atropelando qualquer pessoa em seu caminho.

Os outros que esperavam para cortar a madeira em pedaços menores foram contagiados. Uma pequena onda de fuga começou. Em questão de minutos, a pobre e solitária árvore estava cercada de capatazes armados por todos os lados.

E não viram nada.

Dois se atreveram a se aproximar mais do tronco, exatamente onde os escravos olharam antes de correr. Apontaram a arma e procuraram qualquer coisa anormal.

O silêncio é absoluto. Nenhum pássaro pia.

Não havia nada.

O jovem capataz suspirou:

— Alguém escutou alguma coisa anormal nessa árvore? — a resposta foi negativa. — Então deve ser a neblina da manhã. Se ficar muito exposto a ela, temos alucinações. Eu e uns amigos tivemos. Vimos desde mulheres peladas até demônios de olhos amarelos.

— É… pode ser isso — outro concorda, entendendo bem aquelas palavras.

E alguns dos escravos estavam frequentemente expostos a neblina. Ela diminuiu consideravelmente, mas ainda estava presente aos pés das árvores.

— Vamos informar ao Capitão.

Eles deram as costas.

E um grito estourou pelo silêncio.

Todos se viraram, apontando suas armas. Mas nada os prepararia para o que viram…

O corpo do jovem capataz suspenso no ar, se debatendo, chutando e gritando. E mãos… mãos negras, enormes, peludas e cheias de garra agarrando seu peito e o puxando para cima. O tempo de se assustar foi o tempo em que ele demorou para sumir.

Os gritos tiveram fim em uma chuva de sangue e órgãos vitais. Por fim, os fortes galhos se moveram e a cabeça do rapaz caiu e rolou como se fosse uma bola.

Seus olhos eram a face do terror. A mandíbula estava completamente torta e parte da língua para fora. Dentes quebrados.

Um odor pungente de cachorro molhado e algo mais podre impregnou o ambiente.

Armas voltaram a ser apontadas, agora trêmulas.

Os galhos se mexeram e um rosnando animal foi-lhes dado.

Os estrondos dos disparos atraíram homens de todos os lados. Mais e mais humanos saíram da gruta e vasculharam a origem de toda confusão, mas poucos foram aqueles que tiveram o sacrilégio de ver. De sentir o medo instintivo percorrer o corpo e, por um minuto, paralisar.

Alguma coisa grande saltou da copa da árvore. Alguma coisa negra se agarrou ao tronco das árvores mais altas e mergulhou na imensidão da floresta conforme os tiros ainda eram disparados.

Alguma coisa levou um braço humano de presente.

Ao pé da árvore, moinhos de carne, ossos e sangue do que já foi um humano caiu.

*

Todos estavam em estado de alerta total.

Durante a noite, o dobro de homens ficaria em vigília. Todos os escravos foram recolhidos.

Havia mais luz.

E menos pássaros.

Pássaros noturnos que normalmente saíam gradualmente da gruta e voavam silenciosamente em direção à floresta, como corujas. Mas não naquela noite. Estavam todos acordados em seus ninhos, observando silenciosamente o acampamento com seus grandes olhos azuis cintilantes.

Assim como os sapos, os grilos e até mesmo as formigas rosadas de cinco centímetros que emitiam um som semelhante à melodia de uma flauta.

Silêncio absoluto.

Talvez eles soubessem de algo que os humanos não sabiam. Talvez, do alto de seus ninhos, os pássaros vissem o que os humanos não viam.

Os vultos da noite.

Figuras escuras grandes demais para passarem despercebidas e, mesmo assim, ninguém os viu.

Exceto um único homem.

Alexandre estava sofrendo de insônia quando sentiu uma sombra bloquear a luz em seu rosto. Imediatamente, sua mão foi em direção à pistola ao seu alcance.

Seus olhos se arregalaram ao observar sobre o que a luz refletia no tecido da tenda. Cercando. Eles estavam ao seu redor projetando sombras aterrorizantes de suas formas.

Alexandre notou a cabeça da criatura, com um focinho comprido e grandes orelhas pontudas. É peludo, mas não se tratava de um animal.

E não está sozinho.

Eles inalavam e exalavam ar silenciosamente, movendo-se como sombras e trevas. É uma criatura cruel, investigando e procurando.

O coração de Alexandre disparou em seu peito. Sua garganta ficou seca e respirar tornou-se difícil e... barulhento.

No menor som — ao arquejar — eles se tornaram imóveis como estátua. Orelhas levantadas e focinho trabalhando.

Até que um se moveu. Até que encontrou.

A sombra dos dentes se mostrou, grandes e afiados, enquanto os olhos fixavam um ponto específico na tenda. Apenas o tecido separava a garganta de Alexandre daquela mão com garras grotescas, estendida para tocar... pronta para rasgar e agarrá-lo.

O focinho se abriu, soltando um bafo em forma de neblina no meio de um rosnado.

E ali, ao lado dele, eles estavam. Ouviam o pulsar incessante do coração e a respiração. A garra estava a milímetros de tocar aquele tecido. Um simples movimento e arrancaria sua cabeça.

A constatação mais assustadora era que eles sabiam que Alexandre estava ali e, se não fosse pela lona, estariam cara a cara.

Click

O engatilhar da pistola nunca pareceu tão barulhento. Principalmente porque aquelas orelhas reagiram ao som.

O rosnado se tornou mais alto. Talvez a criatura soubesse que estava acordado.

E a cabeça ficou maior com sua aproximação. Maior, maior e maior. Deus! Aquela boca era grande o suficiente para engolir o crânio de um humano!

Alexandre estava tão concentrado na besta a sua frente que mal reparou no que acontecia à sua retaguarda. Não ouviu o desabotoar da entrada e nem na cabeça que penetrou o interior da tenda e o flagrou com a arma em mãos.

Os dentes reluziam um rosnado silencioso.

Alexandre só tinha que olhar. E veria. Veria a mandíbula se abrindo… e o corpo entrando.

Odor pungente impregnou o ambiente.

Mas ele não olhou…

Ele não prestava atenção em nada que não fosse a forma da criatura a fora. Como se a tenda fosse uma muralha que o protegia. Como seu próprio instinto de sobrevivência focasse no maior perigo.

É uma besta, um demônio do inferno arreganhando os dentes, abaixando as orelhas e rosnando. Como um lobo…

O lobo…

A pelagem que adornava seu pescoço se eriçou. A criatura levantou uma mão. Mil preces forma feitas. Mão! Aquilo tinha mão! E um dedo e uma garra tocou o tecido, impulsionando-se afiadamente para frente.

Puck! Um buraco estourou na única coisa que separava um do outro.

Mil palavrões soaram sua mente, tais como dez mil preces. É um dedo! Um dedo tão… humano. Um dedo com almofadas em sua parte inferior e pelos negros rente às costas similar a orelhinha de um gato. Mas aquela garra… negra, puntura e afiada como lâmina o fez estremecer.

Então o dedo encolheu deixando nada mais do que um buraco na lona. Luz forte entrou em abundância e, em seguida, foi apagada. Alexandre não conseguia respirar. Já havia esquecido completamente da arma em sua mão quando uma cabeça tapou a iluminação.

Ele viu.

Dentes.

Um focinho negro.

Um nariz escuro.

E um olho.

Alexandre ficou lentamente ofegante. Estava suando… A tremedeira mal mantinha a pistola em sua mão.

Um olho… dourado em mil tons de ouro. Um grande abismo negro era a pupila dilantando como um crescente buraco negro. O olho se fixou em Alexandre e ele viu mais do que apenas seu reflexo horrorizado.

Ele viu o que estava atrás dele.

Dentro da tenda. A um metro do seu corpo.

Ele sentiu a respiração em sua nuca, refrescando o suor acumulado.

Ele não conseguia ficar imóvel. Não quando não tinha controle sobre a tremedeira e o peito arfando em desespero.

Ele não conseguia agir. Não quando seu corpo não lhe obedecia, paralisado de pânico.

A criatura nas suas costas roçou o focinho em seu pescoço. Alexandre sentiu a boca abrir e soube que os dentes estavam expostos para sua bochecha. Ele ouviu o rosnado se formando baixinho rente a orelha.

Uma ameaça.

Mãos colossais apertaram a cintura robusta do capitão.

Mãos humanas, porém horripilantes com aquelas garras deslizando lentamente pelo abdômen. Agarrando-se a ele, prendendo-o em baixo da criatura que sorria de modo medonho.

Ele estava perdido. Morto!

Então…

Um gemido foi ouvido.

O rosnado cessou.

A besta parou. Paralisou!

Na mesma cama, escondida em meio aos cobertores, Dandara se remexeu.

Totalmente adormecida, ela trocou de posição e empinou a bunda em direção a Alexandre e a criatura. Totalmente dengosa, abraçou seu travesseiro.

Os olhos no buraco da tenda se fixaram nela. Observou sua face inchada, os lábios entreabertos e a respiração calma e profunda.

Ela gemeu novamente e, dessa vez, escondeu o rosto murmurando "que fedor".

Ela se remexeu um pouco mais e, então, abriu os olhos.

Ela piscou seu olhar estrelado para Alexandre.

— Que foi?

Ajoelhado na cama, Alexandre permanecia estático. Ele vestia apenas uma calça e mesmo naquele frio noturno, parecia estar morrendo de calor de tão molhado que está.

Ele não conseguia falar.

Dandara se sentou, sonolenta e a única coisa de anormal que viu foi a tenda aberta. Ela encarou o capitão.

— Você está bem? A tenda tá aberta, você tá sem… e… Bem… é… Cê tá com febre?

Ele, enfim, a olhou como se estivesse vendo-a pela primeira vez. Como se tivesse esquecido completamente de sua presença entre as mantas, dormindo como um anjinho inocente. Chocando que não viu nada. Então piscou, completamente bobo.

Dandara fez uma careta e abanou o rosto.

— Ai, que cheiro horrível é esse? Alexandre, cê num tá precisando ir lá no matinho, não?

Nenhum animal, nem pássaros, sapos ou incestos voltaram a fazer algum tipo de barulho durante aquela noite.

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