"Bem-vindo à minha escuridão, eu estive aqui por um tempo
Nublando a luz do Sol, sofrendo por um sorriso
Ou algo assim, mas algo sempre se transforma em nada"
— Dark side - Bishop Briggs
Estou entrando no carro quando ouço o barulho de mensagem chegando no meu celular, tateio o terno procurando onde coloquei o aparelho e o encontro no bolso interno do blazer.
Desbloqueio o celular e vejo que a mensagem é do Albert. Ele estava a alguns dias responsável por outro trabalho e por isso não estava mais fazendo a minha segurança. Fiquei sem segurança propositalmente, assim, se alguém tentasse vir atrás de mim ou da Duda, me escolheria por ser o mais indefeso no momento.
Não ligava para o que poderiam fazer comigo, desde que, deixasse minha mulher em paz.
Entrei no carro, fechei a porta e coloquei o cinto, pluguei o celular no suporte e liguei o bluetooth do carro e do celular. Ative o comando de voz e pedi para ligar para ele.
— Senhor? — Albert atendeu no primeiro toque.
Olhei no painel do carro e resmunguei ao constatar quão cedo ainda era. O relógio mal marcava 06h da manhã.
— Você a encontrou? — perguntei, sem postergar o assunto.
Ele sabia bem de quem eu estava falando.
— Te encontro no seu escritório daqui 1 hora, chefe. — Albert respondeu, desviando da minha pergunta.
Para ele optar em conversar comigo na Jones, já sabia que o assunto era sério. Concordei e desliguei a chamada. Girei a chave na bugatti, dando partida no carro.
Nos últimos dias optei em usar o antigo carro do meu irmão, era mais veloz e mais potente do que a minha Suzuki. Troquei também o carro da Duda, do Hyundai para um Audi r8 preto. E iriamos revezar os carros, até encontrar a Melissa e o bando dela.
Duda reclamou de começo, mas depois entendeu minhas razões por temer sua segurança. Fora o carro, ela não saia de casa sem ao menos dois seguranças. Um deles ia com ela no carro e o outro seguia eles com algum dos nossos carros da garagem.
Poderia ser paranoia minha, mas preferia errar pelo excesso, do que pela falta de cuidado.
Sorri ao ouvir o ranger do carro e o volante vibrar em minhas mãos. Eu amava esse carro, não só pela velocidade, mas também por apego emocional.
Meu irmão era tudo para mim e ainda era extremamente sofrido pensar na sua morte.
Era um misto de raiva e saudade. Passei anos da minha vida tentando achar provas contra o David e até hoje nenhuma delas havia aparecido.
O responsável por mata-lo havia simplesmente sumido do mapa, evaporado e sem deixar nenhuma possível pista do seu paradeiro. E com ele, foi a arma do crime e qualquer testemunha que pudesse corroborar com a prisão dele.
O caso foi arquivado por falta de provas e alegaram uma simples briga de bar com agravante em homicídio. Mesmo o crime sendo culposo, eles não conseguiram provar isso perante a corte por falta de provas.
Recostei a cabeça no banco e respirei fundo, sentindo o palpitar do coração aumentar. Sempre que eu pensava nisso, provocava diversas reações em mim e nenhuma delas eram boas.
Me forcei a dissipar os pensamentos e acelerei o carro, indo em direção a Jones. A Duda já devia estar no escritório, nossos horários estavam totalmente confusos e nunca conseguíamos tempo para nós dois. Faziam dias desde a ultima vez que conseguimos aproveitar a presença um do outro, com calma e tranquilidade.
Pressionei as têmporas, sentindo as pequenas pontadas começarem. Essa ausência dela, estava me causando terríveis enxaquecas. Não saber como ela estava e não conseguir abraça-la com calma a noite, estava acabando comigo.
As vezes ser o dono da porra de um império, era uma verdadeira merda.
Daria tudo para conseguir trabalhar em horário comercial. Chegar em casa e encontrar minha noiva, de preferência acordada, me esperando.
E sem roupa também, se fosse possível.
Senti meu pau reclamar pela falta de sexo.
— Também tô sentindo falta... — resmunguei, ligando som a procura de algo que abafasse o barulho ensurdecedor da minha mente naquele momento.
Estacionei o carro na garagem da Jones, cerca de 15 minutos depois. Estiquei o braço até o banco de trás e peguei minha pasta, despluguei o celular do suporte e o enfiei no bolso interno do paletó.
Entrei pelo elevador de serviço, não queria ter que dar bom dia para ninguém. Esse elevador me deixaria próximo a escada de incêndios, que no caso seria do outro lado da recepção. Não estava com humor para o falatório da Andy hoje.
Recostei na parede e fechei os olhos, tentando amenizar as pontadas na cabeça. Cruzei os braços e aguardei o elevador chegar no meu andar. Só abri os olhos quando ouvi as portas de metais se abrindo, andei até a minha sala e assim que abri a porta, dei de cara com o Albert, sentado em uma das poltronas que ficava de frente para a minha mesa.
— Senhor. — Ele me cumprimentou.
— Albert. — Acenei para ele e caminhei até a minha mesa. — Pensei que só viria daqui 1 hora. — questionei, colocando a pasta em cima da mesa.
— Consegui chegar mais cedo. — Ele deu de ombros. — E o assunto é realmente sério.
Sua postura estava imparcial, quem olhava de longe não cogitaria que ele veio me dar más notícias. Albert tinha a postura militar e impenetrável, ninguém conseguia realmente entender esse homem.
Ele não era o tipo de homem que jogava conversa fora, só falava quando era necessário, mas era um funcionário extremamente leal a mim, um dos poucos que eu sei que poderia contar para qualquer ocasião.
Mas ele tinha princípios, não agia de forma alguma contra eles, por dinheiro algum.
E foi exatamente por esse motivo que ele ainda era meu funcionário de confiança a tantos anos.
— Ela desembarcou no Brasil, essa madrugada. — Albert falou sem rodeios.
Soltei uma longa lufada de ar e caminhei até o meu mini bar, me servindo de uma dose de uísque.
Foda-se o horário.
Não conseguiria passar por essa merda sem a bebida.
Depois de encher meu copo, fui até a porta e girei a chave, só por precaução para que ninguém nos interrompe-se.
— Estava sozinha? — questionei, caminhando até a enorme janela.
Pelo silencio dele, sabia que a resposta seria ruim.
— Não — ele falou, depois de longos minutos calado. — Estava acompanhado do filho e de mais um homem.
— Quem é o homem? — perguntei, tomando um longo gole da bebida e sentindo o liquido queimar a garganta.
Não vejo a hora desse inferno ter fim.
Só quero um pouco de paz na porra da minha vida.
— Não conseguimos descobrir ainda. — Ouvi os passos dele se afastando de mim.
Olhei de relance e o vi caminhar até o bar e pegar um pouco de café.
Não havia somente álcool ali.
A equipe de limpeza da Jones sempre deixava uma garrafa de café e uma de chá ali, todos os dias.
— Eles conseguiram despistar os seguranças e saíram pela pista traseira do aeroporto, se misturaram com a multidão e não conseguimos encontrar. — sua voz era cautelosa.
Ele sabia que haviam dado brecha para ela fugir e se culpava por isso.
Albert acompanhou de perto o processo traumático que foi para mim e para a Duda, depois que a Melissa sumiu e o Matteo morreu na cadeia.
Desconfio que a morte foi mandada, como queima de arquivo e poderia apostar minhas fichas em quem fez isso.
David.
Claro que ele pagou alguém para resolver o problema dela.
Matteo era uma ponta solta e cavou sua própria cova assim que deixou a policia colocar as mãos nele.
Ao menos ele me poupou o trabalho de ter que lidar com mais um filho da puta correndo o risco de atingir a nós.
— Mas o pessoal da policia que está nos ajudando com esse problema já estão de olho nas câmeras das ruas. — Terminei de beber o uísque e sentir os nós dos dedos latejarem pela força que eu apertava o copo. — Sei que logo vamos descobrir o paradeiro deles, senhor.
Me virei para ele e senti o corpo queimar pela minúscula possibilidade dela conseguir colocar as mãos na Duda novamente.
— E se vocês não descobrirem? — Meu peito subia e descia com força. — E se essa filha da puta conseguir colocar as mãos em mim, ou pior — gritei, sem conseguir controlar a raiva, cada palavra saia queimando a garganta. — Se ela conseguir capturar a Duda, de novo?! — Joguei o copo na parede.
Sentia todo o meu corpo tremer, a respiração estava ofegante e os batimentos descompassados. Sabia que era muito além da raiva, estava tendo um ataque de pânico.
Só pela minúscula possibilidade de perde-la.
De correr o risco dela sofrer novamente e eu não conseguir impedir o pior dessa vez.
— Encontre-a, Albert! — ordenei, apoiando as mãos nos joelhos, tentando recuperar o folego que me fugia. — Não importe o que tenha que fazer. — Ergui os olhos até ele e encarei a figura parada próximo ao bar, que ainda segurava a pequena xicara nas mãos. — Não ligo para quais meios precise usar. — falei, cerrando os dentes e travando o maxilar. — Só — Respirei fundo novamente, tentando controlar meus batimentos cardíacos. — Encontre essa filha da puta e quem mais estiver com ela!
Minha voz era a merda de um fiapo. Sentia meu corpo inteiro tremer e a cabeça rodar.
Albert apenas assentiu, terminou de beber o café, deixou a xicara no bar e caminhou até a porta. Ele segurou a maçaneta e olhou para mim.
— A gente vai acha-los, chefe! Te dou a minha palavra! — ele sussurrou e saiu da sala.
Consegui finalmente respirar com calma, sabendo que ele cumpriria sua promessa.
Afinal, ele sabia bem que a única coisa que temos é a maldita palavra.
E Albert nunca deixava de cumprir a dele.
Mesmo que para isso precisasse quebrar algumas leis pelo caminho.
Ele só não matava ninguém.
De resto...