Aviões de Papel |•HyunChangLix

By Tha_yoon

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Completa |•|HyunChangLix|•|+18 O que acontece quando um grupo de jovens se torna uma ameaça improvável a um... More

Avisos
🛫 Prólogo 🛬
Capítulo 1 - Meus amigos sujos ✈
✈ Capitulo 2 - As mentiras que os contei
Capitulo 3 - Do que eles sabiam✈
✈ Capítulo 4 - O que conheciam
Capítulo 5 - De todas as coisas que eu já ouvi ✈
Capítulo 7 - Quando decidimos falar ✈
✈ Capítulo 8 - O que urgiu, foram raios
Capítulo 9 - Porque somos tempestade ✈
✈ Capítulo 10 - Somos baderna
Capítulo 11 - Somos Aviões de Papel ✈
Capítulo 12 - É a melhor forma de cair

✈ Capítulo 6 - O silêncio doeu mais

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By Tha_yoon

ATENÇÃO:

Personagens, ações, profissões e eventos nessa fic são FICTÍCIAS e criadas apenas para entretenimento. Não tendo intenção de estimular ou promover qualquer comportamento narrado.

Já entregou tudo o que você é nas mãos de uma consciência mecânica?

Não sei ao certo como explicar. É quase como se você fechasse os olhos, mas eles ainda ficassem abertos. É como ver, mas não enxergar nada.

É como o respirar. Você não precisa vigiar seus pulmões para que eles se movam, eles já fazem isso sozinhos, mecanicamente.

Eu estava no meu quinto mês de mecanicidade, no dia em que Jaelin me buscou em casa para que pudéssemos "tomar um pouco de ar puro lá fora". Eu não iria, se fosse por mim, mas ela sempre foi boa e convencer todo mundo, então convenceu Minah muito fácil.

Fui basicamente expulso de casa, arrancado do meu quarto, e caminhávamos sem rumo pelas ruas vazias do bairro baixo desde então. Ela continuava falando algo sobre o colégio, que não devia ser novidade para mim porque estudávamos na mesma escola, mas eu realmente não sabia nada sobre a briga entre o garoto da minha turma e o novato da sala ao lado - o que parecia ter rendido uma suspensão dupla além de toda a conversa fiada pelos corredores.

- Pensei que você já sabia. - Ela disse, entrelaçando nossos dedos pela quinta vez, depois de eu tê-lo desfeito pela quarta. - Hyunjin é da sua turma desde o fundamental, não é? Não costumavam morar perto um do outro?

- Hyunjin? - É engraçado a forma como eu precisei parar para pensar sobre quem era o dono do nome naquela época. - O Hyun?

- É, o gay. - Jaelin deu de ombros.

- Ele é gay? - Franzi o cenho.

- Bom... Eu vi ele beijando um garoto no fundo do pátio, outro dia. - Ela deu de ombros. - Também não sabia disso?

- Não somos tão próximos. - Não éramos tão próximos. - Só me lembro de brincar com ele na rua. E da vez em que eu tava jogando bola descalço e machuquei meu dedo, então ele estancou o sangue porque eu não parava de chorar.

Ela riu um pouco, e eu também.

- Há quanto tempo não te ouço rindo? - Ela perguntou baixinho, então meu ato ganhou sílaba. Continuei apenas sorrindo. - De qualquer forma, foi bem polêmico. O que aconteceu entre os dois.

- O que aconteceu entre os dois?

- O motivo em si parece ser bem idiota. Algo sobre um copo de plástico azul na cantina, o Hyunjin queria, e o outro menino também. Eles caíram no soco. - Ela negou, apertou mais minha mão quando um grupo de amigos passou por nós, conversando e rindo.

Eles usavam broches nas roupas, coloridos. Sete cores.

Um pouco mais distante, conforme nos aproximávamos do centro sem sequer notar, mais um grupo subia a rua íngreme que dava para a praça do "baixo" enquanto carregavam pedaços meio úmidos de papelão. Tinta vermelha rabiscava palavras que não conseguimos ler de longe, como estávamos.

- No fim, o círculo de alunos se abriu pra assistir os dois rolando no chão até os munitores irem separar. Levaram eles pra sala da diretora, foram suspensos, e quando o irmão do Hyun foi buscar ele, deram o azar de liberar o novato logo em seguida. Foi só o tempo de se verem na rua, outra vez, e a briga recomeçou. - Ela parou. Franziu o cenho enquanto olhava por sobre meu ombro.

Então também olhei.

- O que foi? - Perguntei. - Tem alguma coisa lá pra cima?

- Parece que tá acontecendo alguma coisa.

Quando se trata de curiosidade. Pelo menos nesse assunto, eu e Jaelin temos algo parecido. Seguimos a maldita curiosidade, que costumeiramente guiava todos os nossos passos - e era mesmo capaz de nos fazer seguir em conjunto, ritmados - até a praça da igreja.

Estava lotado, apesar do silêncio característico ainda estar lutando para se manter firme como se temesse interromper a quietude habitual do bairro sempre parado. As vozes rondavam todos os cantos, mas ressonavam em sussurros e risadas baixinhas. Era quase medonho, como se o mundo estivesse a ponto de seu fim mas ninguém pudesse gritar.

Algumas barracas estavam espalhadas em torno da área que circulava a catedral pequena, os vendedores esmagavam a grama de um verde apagado enquanto caminhavam de um lado para o outro para servir comidas e bebidas. Uma delas, a que vendia pedaços de bolo recheados, chamou a atenção de Jaelin.

Como um bom namorado, a ofereci minha carteira para que nos trouxesse dois pedaços generosos.

Me encostei em um dos postes de luz, puxando mais as mangas da blusa de frio cinza que usava para tampar meus dedos quando o vento gélido soprou mais forte. Precisei tampar minha nuca, porque meus cabelos ainda alcançavam precariamente a parte furada de minhas orelhas - quase à metade do meu pescoço - e estava frio demais par deixá-la exposta.

Naquela época da minha vida, onde olhar para o futuro era um desafio grande demais para que me sentisse capaz de encarar, olhar para o passado era torturante, e olhar para o presente era minimamente decepcionante. Foi naquele tempo, quando me recusava a enxergar muito do que acontecia, porque apenas ver para onde andava era uma grande vitória ao fim de meus dias arrastados, em que eu conheci de Hyunjin de verdade pela primeira vez.

Foi escorado naquele poste, num dia nublado e frio, ao anúncio da primeira grande tempestade do ano - cinco meses após descobrir o câncer terminal da minha avó, e dois meses depois de ela entrar em coma. Foi ali que eu vi os cabelos de Hyunjin presos sobre a cabeça, pela primeira vez em que me fizeram os notar.

Também, se agitavam tanto... Como alguém poderia não vê-los? Mesmo que contidos pelo elástico azul naval sobre sua cabeça, alguns fios rebeldes se soltavam para emoldurar o rosto de bochechas coradas e músculos repuxados. Ele tinha a expressão tensa quando, não muito distante de onde eu estava, o garoto de cabelos loiros - que mais tarde conheci como Chan hyung - o puxou pelo ombro, na intenção de afastá-lo de quem conheceria posteriormente como Minho hyung.

- Você só vai correr atrás dele? - Hyun perguntou, e faltava cuspir no chão. Chan segurou seu braço, e ele não conseguiu se soltar apesar das tentativas. - Vai nos deixar por ele, agora?!

- Isso não precisaria acontecer, se você crescesse de vez! - Minho hyung disse de volta, tão irritado quanto Hyun. - Me admira muito ter convivido tanto tempo com Chan sem ter aprendido nada.

Ele (Minho hyung) parecia pronto para avançar contra Hyun ao mínimo sinal de ameaça, por isso Jeongin tomou frente, se colocando entre os dois assim que Minnie alcançou Minho para guardá-lo em suas costas.

- Minho Oppa, chega. - Minnie pediu. - Aqui não é lugar pra isso. Nem hora. Não são o foco do momento.

- Ah, Minnie... - Minho disse, arrastado. O rosto vermelho de raiva se curvando sobre o próprio ombro. - Mas o momento tá tão bom pra eu ajudar ele a amadurecer de vez!

O punho fechado se ergueu no ar, e Hyunjin chegou a erguer o queixo como desfio para que o soco o acertasse em cheio, mas Chan hyung segurou a mão de Minho para impedir o golpe, o empurrando para trás sem muito esforço.

- Cara, eu posso ser seu amigo, mas não abusa da sorte. - O tom foi de aviso. - Você é meu melhor amigo, Lee. Mas ele é meu irmãozinho.

- Seu irmão? - Minho hyung ergueu as sobrancelhas.

O tom anunciava desastre, e Minnie sentiu isso quando negou um par de vezes ao pedir:

- Minho Oppa, por favor. Podemos ir atrás do Jisung e nos acalmar?

Mas mesmo que o nome fizesse um brilho diferente tomar os olhos de Minho, ele não fez menção em se mover para fora dali.

- Eu sou seu irmão, Chan. Ele é filho do cara que te obriga a abaixar a cabeça e encerar o chão por onde caminha, desde que a senhora Bang se foi e te deixou naquele lugar imundo pra lidar com o verme do Hwang sozinho!

- Não fala do senhor Hwang assim.

- Eu tô mentindo?! O que pode defender ele?

- Ele me acolheu. Me trata como um filho.

- Em troca do seu rabinho entre as pernas?! - Minho gritava. - Você não era assim, Chan! E nem precisa ser. Acha mesmo que sua mãe estaria orgulhosa de você hoje?!

- Ela tá orgulhosa, porque eu cuido dos que ela amou. - Chan olhou para Hyunjin, que deu bons passos para trás da barreira que era seu corpo.

As palavras de Minho não atingiam Bang Chan, mas pareciam acertar em cheio o queixo exposto de Hwang Hyunjin.

- Eles não são obrigação sua, Chan hyung! Se o papaizinho deles é um filho da puta, o problema não é seu.

- Cuidado com a boca, Minho! - Chan também gritou. - Para agora, se não quiser que eu vire minhas costas pra você.

- Por favor... - Jeongin tinha os olhos brilhantes. - Não briguem, Oppas... - A voz não passava de um fio frágil.

- Talvez eu precise que você me vire as costas por um tempo! Porque, francamente, tô super cansado dos seus dramas! - Minho atirava de volta. As palavras engatilhadas no fundo de sua garganta sempre foram seu melhor contra-ataque.

Chan previu o desastre que aquilo se tornaria quando Minho ergueu as sobrancelhas em desafio. Chegou a olhar em direção a Hyunjin, que mordia os lábios de cabeça baixa, quando Minho continuou:

- Tô cansado de te ouvir chorar toda noite sobre como aquela casa te sufoca, e como se sente morrer por dentro por não poder ser quem você é sempre que o senhor Hwang tá em casa, e em como ele ser chamado de "senhor Bang" te dá nojo. Tô cansado de ver o pedido de socorro no fundo dos seus olhos toda vez que estamos voltando pra casa no fim das aulas, porque você não quer voltar pra aquele lugar. Tô cansado de te dizer que tenho um lugar pra você em casa, e que o hyung não tem mais motivo pra continuar lá se a única família de sangue que tinha, e morava naquele maldito lugar, já morreu! Aquela peste não é seu pai, eles não são seus irmãos! Não tem que sofrer por causa deles! É como se tivesse morrido junto da sua mãe.

Os lábios de Hyunjin tremera, mas nenhuma lágrima escorreu por seu rosto. Apesar de uma, solitária, descer lentamente pelo rosto de Chan hyung.

- Hyun... - Chan chamou, mas ele negou com um gesto.

Consegui sentir a amargura do gesto, porém. Me colocando no seu lugar, concluí fácil que se abrisse a boca para responder verbalmente com certeza desmoronaria.

Hyunjin se afastou mais, no exato momento em que o ruído estridente deixou os alto-falantes para ressonar por todo o lugar. Mais ao centro da multidão, para onde Minho hyung seguiu, um homem subiu no palco baixinho e estreito, cercado pelos bancos de madeira que foram arrastados para fora da igreja com o intuito de servir de acento para os velhinhos presentes.

- Hmm, aqui. - Jaelin me estendeu um guardanapo com o pedaço grande de bolo de maracujá, a cobertura amarela sujando parte dos meus dedos junto do chantily .- Parece que isso é tipo um daqueles encontros políticos com a população. - Me explicou, mordendo um pedaço do seu bolo de morango. - Ouvi um pessoal comentando que esse candidato aí prometeu asfaltar as ruas do "baixo" caso seja eleito governador de Mency. Reformar a biblioteca municipal e reabrir algumas casas de repouso. Mas, cá entre nós... - Falava mais baixinho, e se aproximou para que ninguém mais nos ouvisse. - Aquele grupinho ali, junto do que vimos subir com os cartazes, falaram alguma coisa sobre denúncias de racismo e homofobia envolvendo o cara. Parece que ele tava metido em uma polêmica de compra no exterior da última vez que foi eleito, há uns anos atrás.

Eu me lembrava vagamente da figura.

Dos cabelos meio grisalhos que costumavam ser do castanho em suas pontas, os mesmos olhos caídos e foscos, os lábios estreitos e constantemente repuxados. Ele tinha menos rugas quando o vi no jornal antes de ir para a escola na época de eleição, quatro anos antes daquele.

- Não é Kim Baran? - Perguntei e Jaelin assentiu. - O cara que gerou a revolta dos professores que deixou a gente quase dois meses sem aula?

- É. Parece que, o que podida ser investido na educação, foi muito bem aproveitado num condomínio bem legalzinho em algum país paradisíaco aí fora. - Jaelin negou um par de vezes. Mas parou, desfazendo a carranca indignada, quando seus olhos voltaram a se erguer para enxergar além de meus ombros. - O que ele tem? - Perguntou, baixinho. - Ele não parece nada bem, a gente devia ajudar?

Eu olhei para trás.

Foi a primeira vez, em muito tempo, que eu enxerguei algo que poderia ser apenas visto.

Se eu apenas continuasse me permitindo ver as coisas, como realmente parecia ser bem mais fácil, a cena seria quase tediosa: uma praça lotada, a voz de um homem de meia idade como trilha sonora para o garoto sentado à beira da fonte de água parada, envolto por uma porção de mosquitinhos chatos que não pareciam ser algo suficiente para interromper seu olhar fixo em alguma coisa no céu enquanto abraçava os próprios joelhos junto do peito agitado. Se apenas o visse, Hyunjin não seria mais que um pontinho azul índigo - como a cor de seu casaco longo - em meio às cores apagadas e nada contrastantes que tomavam a praça cheia.

Mas algo nele me despertou a necessidade inquietante de abrir meus olhos mais uma vez, então o enxerguei.

Hoje, eu diria que vi seu luto, para enxergar sua dor. Porque me era completamente condizente no momento.

- Lin. - A chamei pelo apelido, e talvez seja o motivo para ter se virado para mim com tanta pressa. - Pode me fazer um favor?

- Claro.

- Pode comprar outro pedaço de bolo? - Perguntei, a estendendo minha carteira outra vez. - De chocolate. Me encontra ali quando voltar.

Quando apontei para Hyunjin, ela sorriu.

- Vou demorar um pouquinho, tá cheio lá. - Me disse. - Vê se consegue conversar direitinho com ele.

Eu descobri que Hyunjin desencadeou parte do que eu costumava ser naquele dia, quando recusei a me mover da mesma forma mecânica de sempre até estar ao seu lado.

Eu caminhei como costumava fazer antes de sentir tanto peso sobre meus ombros, seguindo a vontade de meus passos irregulares. Pisei torto, hesitante, até estar parado um pouco ao lado de onde quer que seu olhar se perdia.

Ele não se moveu. Seus olhos não se moveram um centímetro sequer.

Hyunjin fez alto por mim naquele dia, que ninguém parecia ter coragem suficiente para fazer.

Ele me obrigou a falar, para iniciar uma conversa.

- É Hyunjin, não é? - Foi o que perguntei, depois de pigarrear.

Minha garganta estava seca, e minhas mãos tremiam. Falar outra vez, começar um diálogo, era como dar passagem para os acontecimentos cotidianos outra vez. Como convidar ocorrências para meus dias de paz.

Eu estava saindo da caixinha de vidro onde me enfiei depois de tantas perdas, para me proteger do que tanto doía e me esgotava - por medo de não poder aguentar a face vazia do mundo, a que me tirou tantas pessoas e me deixou tão sozinho. A maldita caixinha a qual todos tinham medo demais de se aproximar e acabar quebrando, por isso pisavam em ovos a cada palavra que me era referida.

Deve imaginar, então, como foi um baque tamanho quando a resposta que recebi foi um tanto rude:

- O quê você quer, Felix?

Ele suspirou, impaciente. Fechou os olhos, seus lábios tremerem outra vez.

- Veio assistir o candidato? - Tentei puxar assunto.

- O quê você quer? - Ele repetiu a pergunta.

Os olhos se abriram de uma vez, irritados e mirando meu queixo, como o punho de Minho mirou o seu.

Tive sorte em conseguir pensar o bastante para concluir que, se eu regredisse e desse meus bons passos assustados para trás, Hyunjin não me aceitaria por perto.

Assim como ele fez a Minho, eu o ofereci meu queixo em desafio para seus escudos prontos para contra-atacar qualquer coisa que eu tivesse para dizer. Eu ignorei sua ignorância, e me sentei ao seu lado quando não notei nenhum sinal de desconforto. Abracei meus joelhos como ele fazia aos seus, e encarei o mesmo ponto azul - aberto entre as nuvens cinzentas - que ele encarava há pouco.

Tive sorte de ter quebrado parte de minha caixinha de vidro, de ter enxergado Hyunjin o suficiente para entender que qualquer conformidade jamais seria capaz de se aproximar dele. Porque Hyunjin nunca se conformou com nada, e esse era o exato motivo de sua frustração.

- Cara. - O chamei, mas não olhei em sua direção. Não sabia se era permitido vê-lo desmoronar, como fui capaz de enxergar no pouco tempo em que seus olhos se deveram aos meus. - Tá chovendo.

- Não tá chovendo.

- Aí dentro. Tá chovendo pra caralho. Nem dá pra deixar passar. Então por quê tá forçando tanto?

Houve um risinho de escarnio quando ele mordeu os lábios, outra vez. Eu não precisei olhar para saber que ele fazia.

- Você nem sabe do que tá falando.

- Eu ouvi sua discussão com seus amigos.

- É coisa feia ouvir a conversa dos outros.

- Sua mãe morreu, não é? - Fui incisivo como ele.

Se igualar a alguém, é a melhor forma de atingir seu ponto fraco.

- Se ouviu mesmo minha discussão, sabe que ela não foi minha mãe. Era mãe do Chan hyung.

- Ela não ser sangue do seu sangue, não a faz menos parte da sua família.

Só notei que Baran estava no meio de seu discurso quando ele tropeçou nas próprias palavras, e pareceu o som dos muros de Hyunjin se rachando.

- Já perdeu alguém tão importante? - O tom incisivo de antes se tornou trêmulo de repente.

- Você não faz ideia. - Fui honesto. - E sinto que tô prestes a perder mais alguém.

Ele não disse nada.

Quando olhei em sua direção, foi pouco antes de vê-lo esconder o rosto entre os braços, se encolhendo ainda mais.

- Olha, eu sei como é cansativo sentir tanta falta. E como é mais fácil fingir que tá tudo bem, do que ouvir o mesmo discurso sobre a dor sumir com o passar do tempo. - Suspirei. Me encolhi mais também. - A dor não some, mas perde pouco da intensidade. Não fica mais fácil, não dá pra aceitar, mas fica menos pesado, eu juro. - Seus ombros tremeram. Ouvi um fungar baixinho. - Sabe... Nunca dá certo guardar tanta dor sozinho, Hyunjin. Talvez seja mais fácil conversar com alguém que não te conhece tanto quanto conhece o sentimento que te machuca agora. - Seus braços se moveram pouco, o rosto se virando brevemente em minha direção. Ali estavam os olhos brilhantes que me contaram em segredo que aquela era a primeira vez em que Hyunjin também enxergava algo em muito tempo despendido apenas em vistas. - Eu não te conheço o bastante para pisar em ovos, mas conheço o luto o suficiente para te entender.

Ele respirou fundo. Os ombros se moveram espaçosamente. O brilho de seus olhos escorreu escondido no casulo de seus braços, se renovando inúmeras vezes seguidas apenas para cair outra vez. Parecia a primeira vez em anos que Hyunjin deixava a chuva intensa que o afogava por dentro, correr para o lado de fora.

- Dói tanto, não me sentir no direito de sentir a falta tamanha que eu sinto dela. - A voz saiu abafada, porque ainda se escondia em seu casulo seguro.

- E por que motivo não poderia sentir falta?

- Porque Chan hyung não pode, e ela era a única família que ele tinha.

Engoli em seco.

- Você quer tentar me explicar? - Perguntei.

- Chan hyung era filho único da senhora Bang. Ele tinha nove anos quando chegou em casa com ela. Eu tinha seis, Kai tinha dois. Ela nos criou, Kai e eu, como fossemos seus filhos. - Ele suspirou, como se contar tudo aquilo arranhasse sua garganta e fosse doloroso demais. - Ela e Chan eram meu ponto de fuga. As pessoas com quem eu podia contar sempre que precisava. Porque a cada passo que eu dava, tinha medo do que o papai poderia fazer.

- Ele parece ser rude.

- Eu não sei em que altura da vida ele se perdeu, pra ser honesto. - Ele deu de ombros. - Acho que acabou se esquecendo de que o fato de sua ex mulher tê-lo traído tantas vezes, não faz de nós dois algo diferente de seus filhos. Às vezes eu só quero me parecer menos com minha mãe, pra ver se ele se irrita menos sempre que me vê.

- Sua relação com sua mãe é tão ruim?

- Minha relação com meus pais é péssima hoje, diferente de como era quando a senhora Bang era viva. Não sei dizer que encanto ela fez, ou que tipo de magia ela usou, mas eu nunca tive uma relação tão boa com meu pai quanto nos anos em que ela esteve conosco. - Ele enxugou o rosto. Fungou outra vez. - Ela o mudou por completo, cada palmo. Parecia ser outra pessoa.

- Como era a relação deles?

- Pareciam vir de mundos diferentes. Me pergunto como podem ter se amado tanto, sendo tão diferentes. Veja bem, meu pai é um homem de negócios muito respeitado, completamente conservador, o que é visível mesmo no seu jeito de andar. - Fez uma careta. - A senhora Bang era uma ativista nata. Ela saía para as ruas usando máscaras, se juntava às multidões, lutava por tantas causas que eu mal sabia nomear que era difícil contar. Eu me juntei a ela em uma dessas, quando tinha meus treze anos, depois disso continuei procurando por essas coisas. Em todas as vezes em que estive fazendo isso, algo que ela me ensinou... Eu me senti vivo, como não me sentia dentro de casa. - Sorriu um pouco. - Uma vez, ela levou o senhor Bang com a gente. Ele carregou Kai nos ombros, e eu nunca vi meu irmãozinho sorrir mais do que naquele dia. - Quando o sorriso perdeu intensidade, eu sabia o que estava por vir. - Teve uma vez, então. A vez em que teve um movimento aqui no baixo há cinco anos, não lembro bem do que se tratava... - Ele franziu a sobrancelha. O casulo de seus braços se desfez, porque precisou agarrar com força o tecido sobre o peito agitado que parecia doer. - Eu tava na escola, mas Chan hyung tava com ela. Eles tavam aqui, junto com todo o resto dos manifestantes, quando um grupo decidiu começar a quebrar umas vitrines pra pegar as coisas das lojas perto de onde eles dois estavam. A polícia tava acompanhando a manifestação, então entrou no meio pra parar a desordem, as coisas esquentaram quando um dos caras que quebrou o vidro com um chute sacou uma arma e apontou pros guardas. - Ele negou com um gesto. - Chan hyung disse que ele gritava algo sobre termos sido roubados pelo governo, e que só tava tomando o que era de direito dele. Aquela história de "Olho por olho, dente por dente". Um dos policiais não parecia feliz desde o início daquilo tudo, jogou o bom senso e paciência pro alto, usou como desculpa a arma que o cara segurava pra "acabar de vez com a brincadeira". Quando ele engatilhou a arma, senhora Bang começou a correr junto de todos os outros. Quando conseguiu abraçar o hyung pelos ombros, o policial de péssima mira atirou para acertar em cheio a parte de trás da sua cabeça.

- Respira fundo, Hyunjin. - Tive que lembrá-lo, porque ele parecia ter se esquecido de como fazer.

- Ela morreu na hora. E eu morri junto com ela.

- Eu sinto muito.

- Eu sinto tanto... - Ele apertou mais a própria roupa. - Tão sozinho, e tão frustrado. Porque eu pedi para que o hyung ficasse, depois daquilo. Porque tudo o que meu pai era antes da senhora Bang, voltou com força total depois que ela se foi, e eu nunca senti tanto medo de estar na minha própria casa. - Negou, outra vez. - Chan hyung não tinha mais ninguém, então nos tomou como sua família e decidiu ficar. Meu pai o adotou como filho, mas o fato de não terem o mesmo sangue não o fez tratar Chan hyung de um jeito diferente de como trata nós dois.

- Eu posso imaginar como é frustrante pra alguém como Bang Chan, ter que se regrar para viver de acordo com os ideais de alguém tão conservador quanto o senhor Hwang.

- Eu acho que o papai só tem medo, pelo aconteceu com a senhora Bang. E quer evitar que o mesmo aconteça com a gente. Mas mesmo entendendo isso, eu não consigo defender a maioria das suas atitudes.

Eu assenti. Olhei para Baran ao longe, e ao notar meu olhar ele fez o mesmo.

- Sabe... Eu não lembro bem da ocasião, e Chan hyung não fala muito sobre aquele dia. Mas tem algo curioso... Um detalhe que não consegui esquecer, sobre a morte da senhora Bang.

- Qual detalhe?

- Eu ouvi alguns coleguinhas conversando sobre o que aconteceu na escola. - Eu me lembrava vagamente daquilo. - Parece que o homem que quebrou a vidraça, na verdade, não chegou a atirar contra o policial como os relatórios diziam. Mas o policial tentou atirar nele, e acabou matando a senhora Bang. Nada aconteceu com ele, no entanto, porque esse policial em específico, era muito amigo de um cara muito influente, que chegou a se candidatar a governador naquela época.

O encarei, descrente.

- Não quer dizer que-

- Kim Baran ajudou aquele policial a se safar. - Ele me interrompeu para confirmar o que eu temia. - Ele falou abertamente sobre o suposto disparo que houve contra o seu amigo durante a operação, então a influência ajudou bastante a convencer a maioria de seus seguidores de que tudo estava conforme a lei. O caso mal foi analisado à fundo.

- E o Chan sabe disso?

- Melhor do que qualquer um de nós. - Hyunjin assentiu. - Ele é quem nos trouxe pra cá, hoje. É quem organizou aquilo ali. - Apontou para o pequeno grupo de jovens com os broches e com as placas, próximos das barracas. - É pequeno, mas o suficiente pra ele sentir que tá fazendo algo. Estar aqui por ele é o máximo que eu posso fazer, pra agradecer por ele passar por tanto em casa, só pra estar do nosso lado e cuidar de Kai, e de mim. - Ele negou minha careta. - Não fique tá assustado, meu hyung não é do tipo cego por vingança. Ele não quer se vingar, ele quer justiça. Somos bem poucos pra fazer isso, mas temos motivos tão bons quanto os dele. Então eu, Minho hyung, Minnie e Innie estamos procurando alguma forma de nos mover pra expor parte das merdas que envolvem Baran, pra tentar chamar um pouco de atenção saca? Quem sabe, um dia, a gente consiga trazer à tona o caso da senhora Bang?

- Se vocês estão no mesmo barco, então não acha ser uma má ideia começar uma discussão que nem aquela que aconteceu agora à pouco?

- Ah... Aquilo. - Ele rolou os olhos. - Tudo tem um limite, entende?

- E qual foi o limite que aquele cara cruzou?

- Minho hyung tá perdidinho no novato. O Jisung.

- O novato com quem você brigou na escola?

- Esse mesmo.

- Realmente brigou por causa de um copo? - Ergui minhas sobrancelhas.

Ele riu pouquinho, outra vez.

- É isso que estão dizendo? Não pensei que a história boba que o Minnie espalhou fosse convencer todo mundo tão fácil. - Negou. O aperto nas roupas deixando de existir, para que pudesse desfazer o penteado ao soltar os próprios cabelos. - Realmente não pode me julgar, não é?

- Não acho que o faria, mesmo se pudesse. Pelo menos, não em voz alta.

Mais um riso. Ele parecia mais leve.

- Brigamos porque eu sou discreto. - Disse. - Eu me obrigo a ser discreto, desde que notei como meus atos parecem afetar Chan e Kai diretamente com a ira do papai. Ando tomando mais cuidado com os lugares onde sou visto, com as companhias com as quais sou visto, com as coisas que falo durante os jantares que passei a evitar. Minnie convidou Jisung para o grupo, ele se apresentou, tem tantos motivos quanto nós para odiar Baran, mas é mil vezes mais impulsivo do que todos nós, e é assustador como isso inclui o Minho hyung. - Ele ergueu as sobrancelhas, prendendo o elástico que tirou dos cabelos no próprio punho. - Não sei onde ele achou intimidade pra começar uma discussão sobre como eu sou covarde por continuar me contendo mesmo depois de ter o exemplo da senhora Bang na minha vida.

- Essa não...

- É. Eu posso ser quase bom em me conter, tenho feito isso tão bem que as vezes me assusto com o cara que vejo no espelho pelas manhãs. Mas sou péssimo em me conformar. Eu não sei ouvir quieto, é meu motivo pra deixar os jantares em família pra trás. Eu tive que responder à altura. Não posso fazer nada se ele perdeu o controle e decidiu começar uma briga.

- Hmm. - Assenti em entendimento. Estava curioso quanto a algo. - Posso perguntar?

- Hmm. - Ele assentiu, também.

Ambos olhávamos para o sorriso largo que entonava o discurso longo de Baran.

- Alguma pergunta? - O candidato a governador abriu espaço para questionamentos.

Alguém do grupo que erguia os cartazes, e usava os broches nas roupas, perguntou sobre os planos de Baran quanto ao combate ao preconceito em assuntos como inclusão de pessoas LGBTQIAP+ em cargos de maior visibilidade nas instituições estaduais.

- Disse que seus amigos têm boas razões para estar contra Baran. E também disse que Minnie convidou o novato.

- Sim.

- Por qual motivo Minnie achou uma boa ideia convidar Jisung? Ele também tem um motivo?

Hyunjin assentiu de imediato. Pareceu agitado, tentando enxergar algo em meio à multidão.

- Ele tem um motivo ainda mais direto do que o do meu hyung. - Comentou. - Você não faz ideia.

- ... Ao fim, inclusão nunca foi um problema durante os anos em que já estive no governo de Mency, e pretendo trabalhar duro para a representatividade e reconhecimento dessas pessoas. - Baran findava seu discurso.

Mas uma mão se ergueu em meio à multidão, e não esperou permissão para fazer a próxima pergunta:

- Já que o senhor pretende retomar tudo de onde parou em seu último mandato. Pode me dizer se pretende, finalmente, indenizar as quatro famílias afetadas pelo desfecho do caso "Fronteira", de 2008?

O sorriso de Baran treme, atrás do microfone que tinha firme em mãos.

- Essa não... - Hyunjin se levantou com pressa.

- O que foi? - Perguntei. - Qual é o problema?

- Lembra o que falei? Sobre Jisung ser mais impulsivo que Minho hyung?

Foi o suficiente para que eu entendesse.

- Essa não. - Concordei com seu praguejar anterior, e o segui para o meio da multidão.

Jaelin, que voltava com os pedaços de bolo em mãos, se sentou junto do que eu deixei para trás sobre a beira da fonte onde estávamos sentados antes de seguir.

- Esse caso foi fechado a muito tempo, garoto. - Foi a resposta de Baran, para a pergunta de Jisung.

- Mas estamos falando de muito tempo, senhor. Dá última vez em que suas mãos podres tocaram meu estado. - Jisung respondeu.

- Responde ele. - Minho agitou parte dos curiosos que também queriam detalhes sobre o assunto que pareceu deixar seu candidato desconfortável.

- Minho Oppa! - Minnie o chamou, mas ele não disse nada.

- O caso foi encerrado, com provas de que não existe envolvimento do estado com o ocorrido.

- Okay, então vou fazer outra pergunta. - Jisung continuou. - Quanto o senhor desembolsou para criar provas e que não existe envolvimento do estado no caso "Fronteira" de 2008?

- Jisung, para! - Hyunjin se aproximou o bastante do novato para que ele ouvisse, mas foi impedido por Minho de chegar perto para tocá-lo. - Não vai terminar bem se ele não parar agora. - Hyunjin disse para seu hyung, entre dentes.

- Sungie, mantenha a calma, por favor. - Mesmo diante o pedido cuidadoso de Chan hyung, Jisung não desviou seus olhos de seu candidato. - Vamos comer alguma coisa, sim?

- Tudo bem, vamos. - Jisung assentiu, mas falava mais alto do que todos eles. - Não esperava que nosso candidato honesto pudesse responder essa, de qualquer forma.

Quando estávamos distantes de parte da multidão, uma salva de palmas foi devida a Baran por mais algum discurso benfeito.

- Eu não entendo o motivo pra trazer o assunto à tona. - Um garoto disse alto demais, e eu ouvi antes de seguir caminho até Jaelin, como Hyunjin também ouviu estando ao lado de Jisung.

Minho, Chan, Minnie e Innie caminhavam mais à frente, abrindo caminho. Nós acabamos dando o azar de ficar para trás e ouvir o maldito comentário.

- Tenho pena do senhor Baran... Tão bom pra todos nós, e ainda o tentam desmerecer. - O tom ainda alto pareceu proposital, para que Jisung ouvisse.

Bom, se era proposital, e queriam que ele ouvisse, então ele ouviria. Também reagiria da forma mais espetaculosa e chamativa como o tom de voz de quem o incitava.

- Que pena de seu candidato! - Gritou. - Espero que você se engasgue com todas as verdades que ele te conta, e em que você consegue acreditar. Na verdade, espero que sua família seja a próxima, então talvez você descubra tudo o que ele é capaz de fazer pra empurrar coisas tão absurdas pra debaixo do tapete!

- Tá falando da minha família?!

Era tarde demais pra tentar intervir. O punho acertou em cheio o lado esquerdo do rosto de Jisung, que não tardou a se levantar e fazer o mesmo com o garoto.

- Ei! Larga ele! - Hyunjin se moveu para apartar a briga, mas o punho de um dos companheiros do maldito garoto o teria acertado em cheio se eu não o tivesse visto e conseguido segurar para empurrar para trás.

Saímos machucados, aquele dia. Mas saímos para jantar juntos, na noite em que conheci minha nova família por inteiro - alguns deles foi apenas um "reconhecer" e "reapresentar", porque já convivíamos desde muito, mas os acontecimentos me fizeram desligar do cotidiano antes que pudéssemos nos aproximar.

Apesar do medo que senti, não lembrava de ter me sentido tão vivo antes.

Era quase como me sentir realizado, ao mesmo tempo em que parecia tão errado e perigoso.

Minhas pernas ainda tremiam quando Chan e Hyunjin me deixaram em casa naquele dia.

Como tremem agora, e mal consigo me manter de pé.

- Quem são vocês, e o que fazem na minha garagem? - É o que a voz pergunta.

Eu apenas mantenho minhas mãos erguidas, porque não acho que consiga responder algo.

- Hyung! Larga essa arma! - Apesar de alerta, como os olhares de meus amigos parecem estar, Taehyun fala com certo tédio. Como fosse corriqueiro coisas como essa acontecerem.

- Ele te ameaçaram? - A mão, de quem quer que segura a arma contra minha nuca, se fecha em meus cabelos para me empurrar para frente. - Quem são vocês? - O garoto pergunta de forma impaciente, encara Chan hyung no fundo dos olhos quando ele toma frente de Minnie e dos outros, aponta arma para sua testa agora. - Quem são vocês?

- Sério, hyung. Onde tá o Soobin? - Taehyun caminha até nós dois. Segura a arma pela ponta, a tirando fácil da mão do seu hyung. - Não era a vez dele fica de guarda? Você tá cansado.

- Quem são eles, Taehy? - Ele ainda segura meus cabelos. Pela ausência da arma, inflo meu peito com a coragem para levar ambas as minhas mãos até as suas na tentativa de me soltar. - Pensei ter sido claro sobre avisar quando trouxerem gente nova, principalmente depois do que aconteceu ontem.

Depois de deixar as sacolas nas mãos de Chan, Changbin se apressa até estar perto o bastante para segurar minhas mãos sobre as do garoto.

- Suga hyung! Solta! Tá machucando! - Pede.

A voz de Binnie parece o suficiente para desarmar o garoto com muito além da arma que Taehyun enfiou no cós da calça. A força de seus dedos se desfez de imediato, e as mãos que seguravam meus fios passaram a segurar firme um dos punhos de Changbin.

- Binnie. - Ele precisou fizer em voz alta, porque os olhos pequenos e estrábicos pareciam completamente desacreditados. - Você tá aqui.

- Eu tô aqui, Suga hyung. - Changbin assentiu, me empurrando com cuidado em direção aos meninos. Minho hyung me puxa com pressa para suas costas, Jisung me abraçando pelos ombros. - Eu voltei pra casa.

Aquele "Suga hyung" parece ter se lembrado de como respirar, como se guardasse oxigênio de meses atrás nos pulmões. Suspira tão pesadamente que faz meu peito se apertar. A cabeça pesada ainda hesita um pouco, quando a mão de Changbin se infiltra nos fios longos de seus cabelos pretos pela parte de trás, para levar a testa até seu ombro. Quando se deixa deitar na curva de seu pescoço, Changbin o beija o topo da cabeça suada com carinho, leva as mãos alheias para suas costas em no pedido silencioso por um abraço que não é negado de forma alguma.

Binnie o abraça com tanta força, como se tivesse medo de deixá-lo ir mais uma vez.

- Tá tão grande. - O seu hyung comenta. A voz abafada no gesto carinhoso.

- Não faz mais de um ano que não me vê, hyung. - Binnie sorri um pouquinho, mas é como se doesse.

- Parece maior, de qualquer forma. - As mãos pálidas deixam suas costas. Alcançam suas bochechas para virar o rosto de queixo pontudo de um lado para o outro. - Mas continua tendo os olhos dela. - Changbin deita o rosto nas palmas de Suga. Respira fundo, como se encontrasse a segurança de um lar escondida entre os dedos cumpridos que o acariciam as bochechas. - Por onde você andou, Binnie. Deixou todo mundo preocupado.

- Eu precisava respirar de novo, hyung. - Changbin explica.

- E de mim? Ninguém sentiu falta, não? - Dal, em tom bricalhão, toma frente e ergueu os braços para Suga, que rolou os olhos, mas aceitou o abraço. - Como você tá, velho rabugento?

- Melhor que você. - Ele a empurra sem força. Nos encara por sobre seus ombros.

- Melhor que eu? Diz isso depois de ameaçar os amigos de Binnie com uma arma?

- Amigos do Changbin? - Suga ergue as sobrancelhas. - Se eu soubesse... - Ele move a cabeça. - Não. Não seria diferente. Seria diferente se alguém tivesse avisado que estava trazendo gente nova. - Ele diz mais alto, o rosto virado sobre o próprio ombro, na direção em que Taehyun nos espera junto à porta do lugar.

- Eu não tive tempo. - Taehyun diz. - Tava ocupado tentando não ser seguido.

- Então, não é melhor entrar? - Uma nova voz se fez ouvir.

- Soobin. - Taehyun encara a nova presença. O garoto de jaqueta jeans que segura o portão aberto, ainda dentro da construção. - Onde você tava? Sabe que Suga hyung não dormiu nada na última noite. Como deixa uma arma na mão de um velho exausto, desse jeito?

Apesar de chamá-lo de velho, o tal Suga não parece ser mais de sete anos mais velho do que nós.

- O garoto não conseguia dormir. Fiquei de companhia até ele pegar no sono. - O tal Soobin disse, nos olhando de soslaio. - Aliás, seria grato se não fizessem tanto barulho outra vez. Ele não dormiu a noite inteira.

- Garoto? - Changbin pergunta. - Tem mais alguém com vocês, agora?

Soobin parece segurar um sorriso. As covinhas se afundam em suas bochechas, quando os olhos estreitos se apertam mais na tentativa de evitar o gesto.

- Yeonjun hyung acaba de me mandar uma mensagem. - Ele diz. Quase posso ver como o coração de Changbin se agita dentro do peito, quando parece entender algo que eu mesmo não consigo. - Tem uma bicicleta ali em cima, Binnie. Quer dar uma olhada?

É como um soco. Sinto meu estômago inteiro gelar, e não duvido que seja o mesmo que Changbin sente, porque posso ver através dos seus olhos trêmulos quando eles se viram em minha direção no que parece ser puro instinto.

Meu pés demoram para processar que preciso correr, e por isso tropeça um par de vezes quando Changbin me segurar pela mão e me puxa para dentro da construção.

Aqui dentro, eu não vejo nada além dos borrões que passam em frente aos meus olhos. Não ouço muito além dos meus próprios passos conta o chão de concreto, dos batimentos em meu peito - e quem sabe os de Changbin também, porque o pulsar que ouço agora é tão alto como nunca ouvi antes.

Subimos um lance de escadas até a uma plataforma mais estreita cercada por corrimões, uma porção de estantes estão escoradas nas paredes - abarrotadas de livros -, entre elas colchões estão espalhados como se o lugar fosse um quarto compartilhado.

O andar de baixo ainda pode ser visto, da forma como concluo que a construção não passa de um grande galpão. É a "garagem", a casa de Changbin.

É na casa de Changbin onde meu coração acelerado finalmente encontra o mínimo de paz, ao ver o corpo mal coberto em um dos colchões entre as estantes.

Estamos ofegantes, e Binnie tampa a própria boca com medo de que o som possa pertubar o sono profundo de Hyunjin.

E aqui está ele. Os olhos carregando o par de marcas escuras demais logo abaixo dos cílios cumpridos, os cantinhos estão úmidos como se chorasse mesmo em sonho. As mãos estão agarradas com tanta força à coberta felpuda, em um tom de azul real que tanto combina com tudo nele, que posso ver as dobrinhas de seus dedos perdendo a cor. Os ombros se movem devagar, junto do peito que ritma a respiração profunda que parece ter tomado tanto tempo para conquistar. Há um novo corte em sua testa, que me faz querer me aproximar do rosto pálido para desenhá-lo com meu polegar e conferir se não tem mais nada - se não falta nada, e se nada dói. Ele está pálido, e pergunto se está tão frio quanto sinto a mão de Changbin me espalmar a nuca, por baixo de meus cabelos, para agarrá-la e me virar em sua direção.

- Escuta. - Ele pede, baixinho. - Tá tudo bem, Lix. Calma. Ele tá bem.

Eu só noto que algo está errado quando vejo a preocupação em seus olhos. Só noto que deixei, mais uma vez, a zona de consciência mecânica - à qual pouco me afeiçoo desde que Hyunjin me obrigou a despertar há três anos e meio - quando preciso me concentrar no ato simples de respirar.

Como o Suga hyung de Changbin, a sensação que tenho agora é a de guardar o ar da noite passada no fundo de meus pulmões, e tê-lo cultivado tão velho a ponto de envenenar todo o resto que continuei expirando durante a madrugada passada e a manhã de hoje. Sinto minhas pernas pesarem tanto, que mal posso me manter de pé. Sou obrigado a aceitar a ajuda dos braços de Binnie, que me seguram no lugar enquanto eu desabo de vez.

Eu desabo sem perceber, sem ter controle. Eu canto meus raios por todos os cantos, mas sou tempestade solitária por agora.

- Não consigo... - Eu tento dizer, mas nada parece disposto a deixar minha garganta além dos soluços que eu tento muito evitar. - Não consigo... - Eu aperto a camisa que ele me vestiu sobre meu peito, parece o suficiente para que ele entenda.

- Tudo bem. Tá tudo bem, Lix. - O apelido não me incomoda mais, nada me incomoda mais, o alívio toma conta de tudo o que eu sou, e eu não sabia que ele podia ser tão avassalador quanto o luto. - Vem aqui, me abraça. - Ele me puxa. - Isso, agora faz junto comigo. Respira comigo.

Eu sinto seu peito contra o meu. O sinto subir e descer, e sinto suas mãos massagearem minhas costas como Minnie faz a Chan junto à porta, Jisung chora baixinho no ombro de Minho hyung, eles abraçam Jeongin em meio à seus soluços e tudo parece tomado pelo mesmo alívio que sopra o ar para dentro dos meus pulmões outra vez.

- Isso. Muito bem, Lix. - Binnie diz, pertinho como está. Posso sentir o ar quente de sua respiração, e o calor de suas lágrimas molhando meu ombro. Eu também acaricio suas costas. - Ele tá bem.

- Ele tá bem, a gente achou ele. - Eu confirmo, porque ele mesmo parece não acreditar nas próprias palavras. - Encontramos ele, Binnie. Não vamos perder nunca mais.

Não teria chance para isso, porque eu não me afastaria de Hyunjin por nada nesse mundo outra vez.

Talvez por saber disso, Chan hyung não me tirou do quarto compartilhado como pensei que faria quando me tomou pelos ombros como Jisung fez a Changbin. Ele me levou até o colchão que Taehyun e Dal puxaram para o lado do qual Hyunjin estava deitado, e me ajudou a me deitar.

Foi como se meu corpo gritasse de alívio, como eu poderia fazer. O quanto doeu, de uma vez por todas para sanar definitivamente qualquer outro resquício de incomodo que ainda poderia restar, me fez me agarrar às suas roupas e pedir para que não fosse. Perdi as contas de quantas vezes, encarando a parte de trás da cabeça paralisada de Hyunjin, repeti para meu hyung que tínhamos o encontrado e que ele estava bem, e que nunca mais o perderíamos de vista, enquanto me entregava ao cansaço aos poucos, sendo levado pelo carinho terno que Chan fazia em meus cabelos.

Então, eu adormeci. E posso jurar ter ouvido, pouco antes de perder de vez a consciência, o mesmo choro sonoro que ouvi vir do quarto de Dal na última noite.

Talvez por isso esteja sonhando com Changbin agora.

Ele está lindo contra a luz do fim de tarde. Ele é lindo em qualquer momento do dia, e admitir isso não me assusta aqui como faria se estivesse com meus olhos abertos.

Está apoiado no muro baixo do shopping, ao lado da mesa improvisada de caixotes que eu e Beomgyu fizemos no último andar, usa uma blusa desbotada de alguma banda cujo logo se apagou com o tempo. Ele está de costas para a vista, e olha diretamente para algo à minha direita.

O alguém que está à minha direita, e continua rabiscando despreocupado a folha sem pauta de seu diário azul. Cada traço de Changbin, tem uma cor diferente.

- Ainda não acabou? - Binni pergunta, e eu sorrio em respota. Tão grande que me assusto.

- Não acho que ele consiga terminar tão cedo. - É o que respondo. - Não consegue fazer nada sem que tenha a certeza de que tá mais perto possível da perfeição.

- Não é pra tanto. - Hyunjin comenta, ao meu lado. Ouvir sua voz é como respirar. - O "bom" já me basta.

- Nunca é "bom" o suficiente, pra você. - Changbin diz o que eu penso. Gosto que tenha minhas palavras como suas.

- Já tô acabando, Dwaekki. - Hyunjin diz, apontando com o lápis em sua direção.

- Tá com sede? - Pergunto. Changbin assente, então Hyunjin me passa a garrafa de água quente que está ao seu lado. Eu me levanto, e a levo até Binnie. - Aqui. - Ofereço. - Mas não se mexe, ou ele vai começar tudo outra vez.

Diante seu olhar confuso, eu sorrio.

- Não precisa disso. - Hyunjin reclama. - Eu já terminei a mão esquerda, pode usar.

Eu destampo a garrafa para que ele possa tomá-la, e me curvo - apoiando os cotovelos sobre o muro - para ver melhor a paisagem lá em baixo.

A avenida movimentada está lotada de carros, os faróis de coloridos brilham como fogos de artifício. Chan hyung e Minnie estão sobre o galho de uma das árvores da calçada, as pernas cobertas por uma toalha de contas coloridas, enquanto Jisung e Minho jogam panfletos de um lado para o outro só para passar o tempo, correndo de um Jeongin brincalhão que os tenta tomar os papeis para fazer mais origamis de aviões como os que voam sem parar por entre as construções altas - sem parecerem minimamente inclinados a cair.

Tem cheiro de liberdade. Sinto a sensação de conquista fazer cocegas na ponta do meu nariz. Mas isso até um carro vermelho passar pelos outros - que parecem bem menores - enquanto o abrem caminho. Sob ele, uma caixa de som enorme atrás da silhueta que bem conheço.

Ali em cima, segurando firme as grades de proteção do carro grande com uma das mãos, e um microfone na outra, está Kim Baran. As pessoas aplaudem o que ele diz, as buzinas dos carros fazem música em euforia. Ninguém vê a porção de aviões de papel em chamas que deixar a parte de trás do carro onde ele está.

É do meio desses aviões, que surge uma figura de rosto tampado por um capuz escuro e máscara. Seus olhos, diferente de todos os outros, não seguem o caminho de Baran, mas me alcançam aqui em cima como se soubessem exatamente onde me encontrar.

Sinto minha pele se arrepiar.

- Lix. - Changbin me chama. Hyunjin nos alcança quando nota o tom preocupado em sua voz. - Tá tudo bem?

- Qual é o problema, Yongbok?- Hyun pergunta.

Eu nego, mesmo que demore um pouco para deixar de encarar a figura lá em baixo.

- Nada. - É o que respondo, mas meu estômago está frio como previsse um desastre. - Não é nada demais, só acho que vi alguém conhecido.

Quando me viro em direção aos dois, no entanto, esqueço como respirar outra vez. Além do par de ombros que me servem como barreira, está a mesma figura que acabo de ver entre a multidão na avenida. E ela segura a arma de Taehyun em mãos.

- "Carro bonito". - Ele diz, pouco antes de puxar o gatilho.

O estrondo ressona por todos os lados, faz alçarem voo uma porção de borboletas amarelas que saem das paredes de concreto. O estalo alto me faz tampar os ouvidos de Hyunjin por instinto, mas o que vem em direção a Changbin me faz deixar o ato louvável de lado imediatamente.

Eu me concentro, de alguma forma, em fazer do ar mais expeço, para que a bala siga mais devagar o caminho que a leva direto ao peito de Binnie. É mesmo por pouco que consigo abraçá-lo como ele fez comigo há pouco, escondendo seu rosto contra meu peito e puxando Hyunjin pelo punho até estar atrás de Changbin, para que eu também o possa servir como escudo.

Eu preciso protegê-los, é o que me faz fechar os olhos com força. Tudo o que penso é que posso salvá-los, e que não vai doer tanto se eu os deixar juntos como doeria se os deixasse sozinhos.

Eu sei que é um sonho, mas ainda quero chorar. Quero chorar porque não quero ir embora antes de fazer parte do "nós" que os dois são juntos. Eu perdoaria Hyunjin por destruir o "nós" que havia entre nós dois, se me deixasse conhecer o que os dois formam. Não preciso ser convidado para partilhar do sentimento, não preciso ser tomado como confidente dos segredos que os constroem, mas quero tanto assisti-los que seja, que chego a sentir nojo de mim mesmo.

Estou pronto para proteger a perfeição que Hyunjin me permitiu conhecer naquela praça, e que nunca me decepcionou durante todos os anos que se seguiram. Como também estou pronto para fazer o mesmo à perfeição de Changbin, que conseguiu me conquistar em tão pouco tempo, e parece explodir em uma porção de faíscas quentes no meu estômago. Porque os dois têm bem mais a perder do que eu, como também têm muito mais para fazer do que eu me disporia caso não os tivesse ao meu lado.

Por isso eu os abraço, e espero o choque da bala contra minhas costas. Quase grito quando sinto, mas me contenho em um resmungo que - aqui, no mundo de meus sonhos - é baixinho. Mas no mundo onde estou dormindo ao lado de Hyunjin é tão desesperado a ponto de Changbin precisar segurar meus punhos contra os travesseiros para eu parar de me debater.

- Changbin... - Eu digo seu nome, baixinho.

- É. Binnie. - Ele assente. - Tava sonhando, você?

Eu respiro fundo. Sinto falta de suas mãos quando elas me soltam. Me viro para conferir o sono intocado de Hyunjin, que tem o rosto virado em minha direção agora.

- Tava sonhando. - Afirmo, e estranho o som de água que vem da sua direção. - O que você tá fazendo?

Ele torce um pano pequeno em uma bacia de plástico verde. Depois, tira a coberta que me esconde do frio excruciante.

- O que vai fazer? Não! Eu tô morrendo de frio, Binnie.

- Não faz barulho, Lix. - Ele pede baixinho, e eu estremeço quando o pano úmido toca a parte de baixo do meu braço direito. - Vai acabar rapidinho. Você não tá melhorando. Já pedi pro Taehyun passar na farmácia quando forem buscar o jantar mais tarde.

- Vamos ficar aqui?

- Onde você quer ficar? Quer voltar pra casa da Dal? Não acho que Suga hyung vai gostar da ideia.

- Quero ir pra casa.

Ele demora um pouco para dizer o que vem a seguir:

- Não podemos ir agora.

- Por quê?

- Porque meus hyungs acham que, quem queria pegar o Hyun, tá esperando a gente em algum lugar aqui perto.

- Eles sabem quem eles são?

Changbin negou.

- Não conseguiram ver os rostos nem na filmagem do restaurante, estavam usando máscaras.

- Acha que eles tão atrás da gente pelo que fizemos aos caminhões da Spring?

Ele assentiu, torcendo o pano mais uma vez.

- Vocês fizeram uma grande aparição dessa vez, não foi? Não me surpreenderia se Baran os visse como ameaça.

- O frenesi durou pouco. - Digo quando ele pede permissão para levantar a barra de minha blusa, e eu permito. - Por mais que ainda conheçam nosso nome, graças ao Jisung, não viram exatamente o que queríamos mostrar. Muito poucos, forma os que entenderam o recado, e só porque já estavam por dentro dos boatos de que a companhia comprada por Baran estava fazendo o transporte de mercadoria ilegal. O resto só entendeu como um bando de revoltosos botando fogo em caminhões e garantindo o engarrafamento no horário de pico.

- Acha que foi grande, mas não bem pensado.

- Hmm. - Afirmo. - Podíamos fazer melhor que isso.

- Sei. - Ele para um pouco de mover sua mão. Sinto o frio incômodo do pano parar sobre meu abdome. - Era o plano de Hyunjin, não era?

- Era. - Sai em um suspiro.

- O que faria, se fosse a vez do seu plano?

O encaro por um tempo. Me sinto quase intimidado por seus olhos, porque não me lembro de ter tanta atenção assim antes, mesmo que também tenha ali parte da expectativa que sempre vejo nos olhos de Hyunjin, também.

- E-eu não sei. - Respondo, e engulo minha saliva em seguida. Minha garganta dói. - Nunca pensei em fazer um. Sempre dou um jeito de passar a vez.

Ele une as sobrancelhas, mas não diz nada. Não se move também.

- Changbin. - O chamo depois de um tempo. - Eu tô com frio, hyung. - Olho para baixo, para onde sua mão ainda está parada.

- Desculpe. - Ele pede, se apressando em abaixar minha camisa. - Vou fazer no seu pescoço, agora. Tudo bem?

- Hmm. - Afirmo, outra vez. É quando ele me ajuda a levantar um pouco, que sinto meu estômago reclamar. - Acho que tô com fome.

- Vou procurar alguma coisa pra você comer. - Ele diz.

A mínima possibilidade de tê-lo distante, me faz apertar com força o lençol que envolve o colchão em que estou deitado com uma das mãos, e o seu punho de com a outra.

Não quero quero que ele vá, porque estou com medo de ficar sozinho. Tenho medo de que, sozinho com Hyunjin, não seja capaz de proteger nós dois. Mas tenho mais medo de que ele suma, como aconteceu a Hyunjin, e me estilhace mais uma vez, mesmo sabendo que aqui em sua casa estamos seguros.

No fundo, entendo que apenas não o quero longe de mim. Espero que ele entenda também, mas não sei como fazer com que escute parte do meu silêncio se não tenho coragem sequer para dizer seu nome, agora.

Quero chamá-lo, mas sempre fui mesmo o mais hesitante entre nós dois. Por isso, não sou eu quem o faz quando Changbin paralisa.

- Dwaekki.

Nós dois olhamos para a mesma direção.

- Yongbok.

Hyunjin parece pensar que ainda está sonhando. Ele não consegue se mover, então nos assiste tão paralisado quanto o assistimos.

- Hyun. - Seu nome sai rasgando a garganta de Changbin, cujo peito se contorce apertado. - Você tá bem?

- Céus... São vocês. - Hyunjin se levanta de uma só vez, estende os braços em nossa direção e nos abraça pelos ombros. - São mesmo vocês?

- Somos nós, Hyun. - Eu acaricio seus cabelos. Me sinto culpado por suja e suas roupas emprestadas com meu suor. - Viemos te buscar.

- Eu disse pra impedir eles, não pra vir atrás de mim com ele. - Ele repreende Changbin, mas tem um tom risonho por trás da voz abafada.

- E vem pedir isso justo pra mim? - Changbin pergunta, e também sei que está sorrindo. - Se esqueceu de quem eu sou?

- Pensei que me ouviria. Você sempre ouve.

- Por isso preciso que continue comigo.

Eles irem baixinho. Sinto o nariz de Hyunjin contra meu pescoço, logo em seguida.

- Lix, como me acharam?

- Longa história. - Suspiro. - Mas posso te dizer que tivemos muita sorte em encontrar a família do Binnie no caminho.

- Sua família? - Hyunjin perguntou, se afastando pouco mas sem realmente nos soltar.

Changbin assente.

- Lembra de quando te contei sobre os amigos de Junkyu, e a garagem? - Pergunta. Hyunjin afirma. - Bom. Seja bem vindo, Hyun.

Hyunjin parece surpreso.

- São eles?

- São eles. - Binnie confirma. - Yoongi, Soobin, Taehyun e Yeonjun hyungs. A família que Junkyu me deixou. Eles têm um restaurante na beira da estrada, sabe?

Hyunjin ri ainda mais.

- Era pra tudo acontecer assim? - Pergunta, mais para si mesmo que para um de nós dois. Depois, nos encara com os olhos ainda mais abertos. - Como se conheceram?

Sinto meu estômago se agitar, outra vez. Dói, e não posso evitar uma careta.

- Podemos falar sobre isso depois. - Binnie diz, e me ajuda a deitar de novo. - Vou buscar alguma coisa pra esse senhorzinho comer, porque não comeu quase nada mais cedo.

- Tá doente, Lix?

- Eu tô bem.

- Com certeza. - Changbin diz, se levantando. - Agora eu acho que todo mundo vai ficar bem. - Ele sorri grande. Eu tinha razão, é lindo vê-lo assim. - Fica aqui por enquanto, Hyun? Seus amigos estão todo dormindo lá em baixo. Os deixaria descansar um pouco. A madrugada foi bem agitada.

- Chan hyung? - A pergunta vem em um suspiro.

- Dormindo como uma pedra. - Changbin assente. - Estão todos aqui, Hyun.

Hyunjin morde os próprios lábios. Changbin não vê, porque já está distante demais para notar.

Eu, no entanto, noto tão bem como sei o que vem à seguir.

- Não chora. - Peço. - Não chora, porque se você chorar eu vou chorar. E eu já chorei demais na madrugada passada.

- Lix... - Ele soluça. - Me perdoa por isso. - Pede, e deita sua cabeça sobre meu peito. Eu acariciou suas costas. - Desculpa por isso tudo.

- Por quê tá se desculpando?

- Eu deixei vocês preocupados. E-eu-

- Não se desculpa por isso. Achamos que Baran tá por trás dessa merda toda e-

- Eu sei. - Ele me interrompe.

Eu me interrompo. Paro de pensar.

- Como é?

- Eu sei que são homens de Baran.

Me força a encarar o que posso do topo de sua cabeça deitada sobre mim.

- Você tem certeza disso?

- Tenho sim.

- Como? - Pergunto. - Hyunjin. O quê aconteceu? Do que você sabe?

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