Aviões de Papel |•HyunChangLix

Av Tha_yoon

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Completa |•|HyunChangLix|•|+18 O que acontece quando um grupo de jovens se torna uma ameaça improvável a um... Mer

Avisos
🛫 Prólogo 🛬
Capítulo 1 - Meus amigos sujos ✈
✈ Capitulo 2 - As mentiras que os contei
Capitulo 3 - Do que eles sabiam✈
✈ Capítulo 4 - O que conheciam
✈ Capítulo 6 - O silêncio doeu mais
Capítulo 7 - Quando decidimos falar ✈
✈ Capítulo 8 - O que urgiu, foram raios
Capítulo 9 - Porque somos tempestade ✈
✈ Capítulo 10 - Somos baderna
Capítulo 11 - Somos Aviões de Papel ✈
Capítulo 12 - É a melhor forma de cair

Capítulo 5 - De todas as coisas que eu já ouvi ✈

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Av Tha_yoon

ATENÇÃO:

Personagens, ações, profissões e eventos nessa fic são FICTÍCIAS e criadas apenas para entretenimento. Não tendo intenção de estimular ou promover qualquer comportamento narrado.

- Hyunjin não pode vir.

- Oh! - Minah agiu como se tivesse levado o maior susto de sua vida. - Hyunjin não pode vir?

- Não pode. - Neguei, repetindo pela segunda vez o que não me descia pela garganta.

Repeti apenas porque ela realmente parecia desacreditada, tanto quanto eu mesmo fiquei quando ouvi as mesmas palavras vindas de Hyunjin.

"Eu não posso ir", ele disse.

Então ele não iria.

Ele não foi, e nada me convenceria de que estava tudo bem.

Nada me convenceria de que nada estava acontecendo, porque claramente estava.

Estava quente - mas nem tanto - exatamente como eu sempre gostei, mas o clima nunca me pareceu mais sem graça.

Porque, por mais que Jaelin nos esperasse - Minah e eu - na cozinha, preparando mais uma porção de pasteis fritos na hora, eu me sentia sozinho. Me sentia quase traído, por ele estar longe no dia em que faríamos quatro anos de amizade.

Tentei me convencer de que vinha mesmo sendo assim. Ele vinha faltando aos eventos importantes para mim. Como faltou ao enterro da vovó.

Se Jaelin esteve comigo, durante todos os momentos... Então era certo mantê-la por perto.

Só mais um motivo para me convencer de que, o que quer que sempre apertava meu peito nos momentos em que Hyunjin estava próximo, não passava de coisas inúteis da minha cabeça.

Porque, claro, o fato de meu coração bater mais rápido do que podia respirar, sempre que a possibilidade de tê-lo por perto se fazia presente, e o frio no meu estômago sempre que ele estava prestes a chegar - e eu sabia que estava prestes a chegar. Isso tudo era apenas gosto. Era apenas apresso, nada além. Porque se fosse além, então eu estaria tão errado, e todos me desaprovariam tanto...

Eu precisava de aprovações.

Mas nem mesmo eu me aprovaria.

- Felix, querido? - Minah me chamou, quando já estávamos sentados há muito tempo na mesa, mas eu me esqueci de que precisávamos comer.

- Sim? - A encarei, tentei encontrar meu sorriso costumeiro, mas não sabia ao certo onde o tinha escondido.

- Não quer experimentar meus pasteis, Lix? - Jaelin, ao meu lado, falou com cuidado. Como se soubesse o quanto estava próximo da beira de um abismo que nenhum de nós dois conhecia ao certo. - Eu fiz alguns com queijo, pra você. - Apontou para a bandeja com os olhos.

Sorri por milésimos de segundo, encarei Minah mais uma vez.

Tinha alguma coisa em seus olhos que me deixou perdido. Porque Minah era mais fácil de entender quando estava envolvida por seu habitual, e era mais fácil convencê-la de que não precisava se preocupar com nada - mesmo que sozinho eu não pudesse realmente resolver tudo - quando seu cotidiano a cansava demais fora de casa para que pudesse prestar atenção demais dentro dela.

Tinha um brilho, quase escondido por trás de seus cílios, que me lembrava preocupação. Era o bastante para sentir meus braços arrepiarem, pelo desespero que me fez apressar em tentar arrancá-la de seu rosto. Ela já se preocupava com coisas demais, e eu me negaria - de todas as formas - a ser mais uma.

Eu forcei meu melhor sorriso, mas pareceu meu pior. A preocupação se desfez em piedade. Me senti extremamente coagido.

- Tá gostoso? - Perguntei. - Tá bom?

Minah suspirou um par de vezes. Abriu a boca um par de vezes, chegou a sorrir daquela forma ridícula que tenta te trazer para o conforto de um cobertor no pior frio de Junho.

Pegou um dos pasteis douradinhos, me estendeu enquanto dizia:

- Por que você mesmo não experimenta? Me diz se gosta.

A pergunta foi gentil, no tom carinhoso que quase me fez sentir culpado. Pareceu significar outra coisa quando, em seguida, ela sorriu grande para Jaelin ao meu lado.

Enquanto dividíamos uma refeição - não dividindo por completo minha indignação com o fato de Hyunjin estar ausente -, meu hyung dirigia com tanta pressa que os freios quase não funcionaram ao que um dos semáforos das ruas pouco movimentadas da cidade pequena do interior fechou.

- Ninguém vai atravessar. - Hyunjin, aflito, tinha uma das mãos agarrando firme o apoio acima da porta. A outra estava espalmada sobre o painel.

Chan hyung o encarou. Viu a situação preocupante e negou, sem saber ao certo se desaprovava a fala ou o estado atual de Hyunjin.

Ele estava pálido. Marcas escuras demais abaixo dos olhos dividiam espaço com os tons roxos e vermelhos que ainda marcavam seu rosto. O peito agitado, subia e descia na intensidade quase exagerada da respiração irregular. Chan se perguntou se sua garganta ardia, porque Hyun parecia sentir dor a cada inspirar.

Algo parecia se partir dentro de seu peito, talvez explicasse o fato de não poder mantê-lo quieto.

- Mas está vermelho. - Chan disse, agarrando o volante com mais força entre os dedos.

Hyunjin nervoso, o deixava ansioso.

- Ninguém tá vendo, hyung! - Foi quase um grito desesperado.

- Mas é errado, Hyunjin! Espera só mais um pouco!

Hyunjin riu em uma lufada, impaciente.

- Por isso nunca chegamos a lugar nenhum.

Chan sentiu o coração apertar. Como se diminuísse de tamanho, então era pequeno demais para bombear o suficiente de sangue - porque ainda precisava de lugares o bastante para nos guardar, seguros. Era pouco para dividir.

Se fosse qualquer pessoa em sua situação, se revoltaria com toda a certeza.

Mas meu hyung sempre teve paciência demais com todos nós.

- Hyun. - Chamou, baixinho.

O sono, pela noite interrompida ao meio da madrugada por um Hyunjin completamente incontrolado, dando seus sinais ao embaçar sua visão. Não saberia apontar de onde conseguira arrancar ânimo para dirigir por metade de uma madrugada e uma tarde inteira.

- Hyun, olha pra mim. - Quando teve o chamado negado por mais um gesto impaciente, Chan se moveu. Espalmou a nuca de Hyunjin, puxando seu rosto até que tivesse os olhos do irmão fixos nos seus. - Eu tô com você, Hyunjin. Nós estamos perto, estamos aqui por ele. Vai ficar tudo bem, se controla. Okay?

Hyunjin respirou fundo quando Chan fez o mesmo. Assentiu um par de vezes. A mão sobre o painel foi deixada sobre as próprias pernas. Chan hyung a segurou depois de dar partida outra vez.

Andaram pelas ruas devagar, porque não podia ter pressa e arriscar errar o caminho. Não teriam tempo para voltar atrás e repetir tudo, se errassem.

Por sorte - ou talvez pela atenção redobrada de Chan hyung, que seguiu o fluxo pequeno de pessoas vestidas de preto que vinham da mesma direção -, encontraram fácil o cemitério municipal.

O clima chuvoso envolvia tudo à vista em um filtro cinzento demais. O humor exasperado de Hyunjin se camuflou rápido à tristeza mútua que se espalhava por todos os cantos, talvez pelo tom ameno de azul que sempre emanava ter quase a mesma frequência das ondas enjoativas de cinza.

Sabe... Aqui talvez me caiba comentar que muitas atitudes de Hyunjin já me decepcionaram, tanto quanto sua ausência naquela noite. Mas nada me decepciona tanto quanto a cor que vejo em todas as suas atitudes. Essa azul claro, quase cinza... "Azul Alice", não combina em nada com tudo o que ele é, mas o enxergo mesmo assim. Porque é a cor da dor que tudo o que ele é - e se nega a esconder - cobre tão perfeitamente, e apenas poucos de nós fomos capazes de ver.

Uma das pessoas que podiam enxergá-lo por inteiro, foi para quem ele decidiu ir.

Hoje não o culpo, mas dói saber como o julgaria naquela época.

O julgaria por ter me deixado no conforto de casa, cercado pelas duas pessoas que me amavam, enquanto ele obrigava Chan hyung a dirigir durante mais de dez horas sem ter uma carteira, atravessando a rodovia mais movimentada do estado, para correr atrás do amigo distante que não tinha mais ninguém além de quem acabara de perder.

O culparia por me deixar no calor da minha casa grande - a que julgava vazia -, para caminhar sob a chuva até a praça pequena no interior dos muros baixos de chapisco do cemitério municipal da pequena cidade, onde o corpo trêmulo estava jogado contra os pés de um dos bancos de concreto enquanto abraçava os próprios joelhos, chorando copiosa e compulsivamente.

O julgaria por me deixar, para ir atrás dele. Por abraçá-lo, por confortá-lo e por servir como o abraço quente para aquecê-lo do frio do chuvisco que o molhava e ele sequer tinha notado. O culparia por fazer Chan hyung segurar o guarda-chuva sobre suas cabeças, enquanto assistia em silêncio a dor que assolava aquele garoto, e era tão familiar para si.

Culparia. Julgaria Hyunjin. Como fiquei chateado depois daquele dia, por mais de duas semanas.

Afinal, era nosso aniversário de amizade. Uma coisa idiota, com a qual dizíamos não nos importar, mas passávamos a data juntos em todas as vezes.

Só não sabia que também era um dia depois da morte de Seo Junkyu. Irmã mais velha de Seo Changbin.

Assim como não a conhecia nada além de seu nome ainda, quando ele tomou o porta-retratos sobre o rack da sala de Dal para olhar mais de perto a fotografia onde a amiga sorria grande ao lado da irmã.

- Ei, bebê... - A voz fraca, carinhosa, preocupada e hesitante de Chan hyung chama seu olhar. - Estamos todos prontos. Temos que ir.

Changbin não diz nada, mas assente. Devolve o objeto para seu lugar, e segue meu hyung silencioso para onde os estamos esperando.

- Channie, venha aqui. - Minnie chama quando o vê se aproximar. O toma o rosto entre as mãos para acarinhar as bochechas pálidas, solta a bandana que prende os cabelos desgrenhados para ajeitá-los outra vez.

Não vejo quando ela olha em minha direção, sobre o ombro do namorado, para sussurrar a ele sem que eu perceba:

- Ele não me parece bem pra vir com a gente, Chan.

Chan a segura pela cintura com ambas as mãos, aproxima mais seu corpo e espera que termine o que está fazendo para beijá-la a testa, depois a bochecha, depois a trave dos lábios.

- Não acho que alguém vai conseguir convencê-lo a ficar.

Estava pronto para pegar a chave do carro, deixada de forma desleixada sobre o móvel ao lado da porta quando chegamos na última noite, quando Dal o impede.

- Você não tem carta, se me lembro bem. - Ela comenta, ainda segurando o punho de meu hyung quando o repreende com o olhar. - Já basta se arriscar para trazê-los até aqui. Deixe o resto comigo.

É quando ela abre a porta, e eu passo pela passagem, quando noto a chave ser deixada para trás.

- Não vamos de carro? - Pergunto.

- Onde vamos não é tão longe. - Foi o que ela disse.

Não sei o porquê de ter acreditado. Estamos caminhando há mais de meia hora.

Depois de passarmos pelo labirinto cinzento de ruas estreitas, as quais não pareciam tão feias cobertas pela manta escura da noite passada, saímos andando pela margem da mesma rodovia por onde Chan hyung dirigia.

Além do frio insuportável, que mais ninguém além de mim parece sentir, tão contraditório ao suor que escorre por meu rosto para pingar da forma mais nojenta possível na blusa de mangas cumpridas - a que acabei pegando emprestada de Dal antes de sairmos, com a desculpa de que aminha cheirava mal. Sinto minhas pernas doloridas, tanto quanto minha coluna e a sola dos meus pés. Uma porção de agulhas parecem inclinadas a continuar espetando meu cérebro, porque a dor que lateja minha cabeça está se tornando insuportável.

Piora com o passar do tempo. Agora, há quase uma hora de caminhada, sinto a sombra dos olhares furtivos de todos apontadas em minha direção de tempos em tempos.

Tudo é demais. A luz das onze da manhã - quase meio dia - é forte demais, mas não aquece porque continua frio demais. O som dos motores, das rodas, das buzinas que nos repreendem por andar tão próximos da margem, é alto demais, mas quase não supera o som da minha própria respiração.

Talvez não devesse tê-los apressado quando Changbin pediu para que parássemos em uma farmácia no centro comercial - próxima à loja de conveniência onde encontramos Dal na última noite - para comprar comprimidos antitérmicos. Eu neguei veementemente, jurando da forma mais convincente possível de que não me sentia tão mal - talvez realmente não estivesse, mas estou agora -, pela pressa e por não querer devê-lo nada.

Não queria sua preocupação, porque já me preocupei demais na última noite, e não quero mais me preocupar por empatia. Já é estranho demais sentir meu peito apertar em todas as vezes em que me viro em sua direção, e vejo seus olhos distantes completamente desolados.

Por apenas pensar, me viro outra vez em sua direção. Mas me surpreendo por não o ver caminhar ao lado de Chan hyung e Minnie, mais próximos das árvores que tomam espaço na tira estreita de calçada ladeando a estrada.

Não controlo muito a intensidade da urgência que me toma por não o encontrar. Talvez seja o cansaço, o que me faz olhar em direção aos outros com pressa, sem me importar em disfarçar o desespero para encontrá-lo perto de outro alguém. Deve imaginar como me assusto ao ouvir sua voz tão próxima:

- Me procurando?

Minha respiração ruidosa pausa por quase cinco segundos. É o suficiente para descompassar todo o resto, inclusive meus passos.

- Céus! - Exclamo, abraçado aos meus braços.

Quase posso ver o mínimo despontar de uma menção a um sorriso, em seus olhos.

Estou curioso.

Como deve ser? Vê-lo sorrir honestamente?

- Preocupado? - Ele volta a perguntar.

- Você tava aqui, e então não tava. - Aponto para onde Minnie e Chan hyung tentam encontrar um caminho escondido pela sombra das árvores.

- É mesmo como Hyun disse. - Comenta, voltando a caminhar.

Toma um de meus braços, prende em um dos seus para que eu também continue.

- O que quer dizer? - Pergunto.

- A forma como Hyun te definiu, sabe? Como ele fala de você.

- Ele falou de mim, pra você?

- Ele falou de todos vocês. - Aponta com o queixo pontudo para os que estão à frente. - Jeongin é o nenê, o protegido, mas conhece tantos caminhos acidentados e tortuosos como Minho nunca conheceu estando protegido e sendo apoiado por seus pais. Jisung é a bomba relógio que não sabe se calar, porque não ousaria se calar de jeito nenhum, pronto pra cuspir a verdade pra qualquer um que pedir, tendo Minho hyung engatilhado ao seu lado pra garantir mira e impulso. Minnie é quase sensata, menos quando o assunto são injustiças muito mal disfarçadas de meias verdades, na frente dessas é tão afiada e incisiva a ponto de perfurar profundamente o mais resistente dos muros. Chan, o irmão mais velho malvado... Mas também o porto seguro e escudo.

Mordo meus lábios. Estão secos.

- E eu?

- Você? - Dwaekki me encara por pouco tempo. É o suficiente para enxergar o brilho intenso em seus olhos. - É difícil resumir. Mas eu diria que é o freio quando precisam parar, o guarda-chuva que os protege do chuvisco gélido e da tempestade mais intensa sem se importar muito com o vento forte. Anda atrás, os vigiando e guardando, no lugar onde devia ser ao lado de Hyun. É um vigia, até que alguma ameaça qualquer o chame pra ser um defensor sem hesitações. Então abandonam seu posto aqui atrás, e estão lá na frente em um piscar de olhos para serem os primeiros a atacar.

Apenas assinto.

- Não é bonito. - Tenho que comentar.

- Não é profundo. - Ele concorda. - Mas é admirável. Eu costumava ter o tipo de parceria que vocês dois têm. Acredite, eu faria de tudo para ter outra vez.

Há um sorriso escondido ali, em algum lugar entre os lábios repuxados e as bochechas erguidas. Rugas em torno dos olhos pequenos, talvez. Quem sabe seja o queixo mais erguido.

Changbin "quase sorri" para o céu, mais do que em todas as vezes que já "quase sorriu" para mim.

O quê seus olhos escondem, além da intensidade do sorriso que tanto me vejo curioso para descobrir em sua totalidade, me fazem desviar o olhar. Apenas para perguntar, hesitante:

- E você?

Seus passos se tornam um pouco menos apressados. Eu quase agradeço por isso, porque estou cansado e as embalagens amaçadas pelos pneus dos carros pelo caminho quase me fizeram escorregar uma porção de vezes.

- Eu?

- Hyunjin parece ter falado muito sobre nós pra você. Mas eu nunca ouvi falar de você, então não acho que ele tenha feito o mesmo pra gente.

Seus lábios se unem, pressionados em um bico quase irritado.

Ele dá de ombros.

- Acho que ele nunca falou de mim, mas pra você. - Apontou. - Todo mundo sabia meu nome, quando eu cheguei.

Agora, são meus passos que perdem intensidade. Até que param de vez.

Eu livro meu braço de seu aperto, e ele para há alguns passos de distância. Me encara enquanto todos os outros continuam caminhando.

Por quê Hyun contaria a todos sobre Changbin, mas não falaria nada comigo?

Por quê, de repente, parece ser errado eu conhecer Changbin antes de Hyunjin nos apresentar?

Por quê Changbin parece ser alguém tão importante?

Por quê me sinto tão acuado?

Changbin olha por sobre o próprio ombro.

- Estamos ficando pra trás.

- Quem é você? - Pergunto, mas é baixinho. Porque olhá-lo agora me dá náuseas.

- O quê você disse? - Ele se aproxima para ouvir melhor, e eu recuo a mesma quantidade de passos.

- Quem é você? Quem pensa que é? - Estou irritado, por motivos que realmente não sei apontar ao certo. - Quem você é?

- Agora não é hora, Lix.

- Não me chama assim. - Nego, decidido. Ele parece assustado. - Não te conheço, não temos intimidade nenhuma.

- Tudo bem, Yongbok. Podemos só ir? Estão ficando distantes.

- Não me chama pelo nome que ele me deu. - O quanto o questionamento inicial foi baixo, essa ordem foi alta.

O bastante para chamar a atenção dos ouvidos atentos de Jisung, que aperta o braço de Minho em que se apoia para caminhar, antes de apontar para nossa direção.

- Tudo bem, eu sei que você tá cansado. Podemos nos apressar, vamos chegar rápido e você pode se sentar. - Changbin diz.

Ele está certo, em parte. Me sinto extremamente exausto - mas me sinto extremamente traído também, e não entender o motivo me deixa frustrado.

- O quê tá acontecendo aqui? - A voz de Minho hyung me faz olhar em sua direção.

Hyung... Meu hyung. Estou tão cansado, e me sinto tão sozinho agora...

- Ele tá doente. Por causa da chuva. - Changbin diz. - Falei pra gente parar na drogaria.

Ele fala por mim. Eu o odeio por isso, além de muitos outros motivos - no momento.

O encaro com meu olhar mais mortal, quando Minho se aproxima e toca minha testa com a palma da mão.

- Vem, Lix. - Minho se abaixa em minha frente. - Sobe. O hyung te leva.

Quando voltamos a caminhar, Changbin ainda está ao nosso lado. Sinto seus olhos sobre mim de vez em quando, me pergunto o motivo para parecer tão preocupado.

Talvez seja o mesmo para eu quase ter um ataque ao não o encontrar quando o procurei pouco, ao lado de Chan e Minnie onde estava.

- Acha que ela vai nos fazer andar até a altura da rodovia onde Hyun disse que estava? - Minho pergunta em determinada altura, ofegante.

- Não acho que vamos até lá. Tem um lugar antes, acho que Dal tá levando a gente pra lá.

- Que lugar? - Não posso deixar de perguntar.

Mas ele não me responde. Talvez porque não saiba se pode me dirigir a palavra, como não pode me chamar de qualquer forma.

É seguindo no conforto das costas largas de meu hyung que eu vejo surgir o tal lugar. É uma construção de concreto e madeira, um estilo rústico cercado de plantas trepadeiras, sem muros, cercas ou grades, para separar a rodovia do estacionamento cheio.

Os carros lá dentro rotacionam com intensidade, uma fileira entrando e outra saindo. A movimentação faz com que Minho hyung nos leve para mais perto de Sungie, mas ele parece bem.

Jeongin, que lidera nossa caminhada junto de Dal á frente, sobe os poucos degraus que levam ao par de portas de vidro que Chan e Minnie seguram abertas para que o resto de nós passemos.

Aqui dentro é mais cheio. Parece abafado, por mais que ainda sinta minha pele arrepiada ao que peço para que hyung me deixe descer - porque, agora sim, Jisung parece desconfortável.

Dal nos leva por entre a dezena de mesas, nos fazendo desviar da multidão rodeada por burburinhos que me deixam aéreo demais para prestar atenção em meus passos.

Acabo ficando mais para trás, outra vez.

- É-eh... - O tom hesitante me faz virar em sua direção, outra vez. Sem jeito, Changbin me estende uma das mãos. - Você. Quer ajuda?

Encaro sua palma, e meus hyungs se afastando junto dos outros e Dal.

- Quanto mais rápido chegarmos até onde Dal tá levando a gente, mas rápido vamos saber por onde começar a procurar pelo Hyun.

Por Hyun.

Ele é a razão para eu aceitar a palma que me é estendida. A ajuda ofertada pela preocupação que, agora, também acho que se deve a ele.

Como eu. Passo a pensar que Changbin se preocupa comigo, tanto quanto eu me preocupo com ele. Por Hyunjin.

Caminho pelo lugar movimentado, praticamente arrastado por Changbin, porque se tornou repentinamente difícil arrastar meus próprios passos.

A forma como ele me leva, me lembra a forma como Hyunjin me puxou pelas ruas vazias das nove da noite, na noite em que ele voltou para casa.

Um dia depois de nossa comemoração idiota.

- Qual é, Lix... Não vale ficar de cara feia pra sempre, temos mais coisas pra fazer.

- Eu não tenho nada pra fazer com você. - O repreendi por me puxar com tanta pressa, mas não recolhi meu braço. Ainda o queria perto como estava.

Se alguém notasse, e perguntasse o motivo de eu continuar me segurando a ele tão firmemente, mesmo com a carranca mal humorada no rosto, eu diria que era por não me sentir tão seguro em lugar algum além daquele. Seu lado.

Hyunjin me conhecia por inteiro, era fácil ser quem eu era sempre que ele estava por perto.

Era reconfortante, quase bonito pensar dessa forma. Agora, é doloroso e quase desesperador.

Porque eu pensei que Hwang Hyunjin confiava em mim como eu mesmo confiava toda minha vida a ele. Não pensei que encontraria, em alguma altura de meus dias, algum segredo entre nós.

Devia ter imaginado, quando vi seus olhos brilharem tanto naquela noite. A forma como ele apontava para a única faixa de horizonte que a porção de prédios não cobriam, depois de me arrastar para a beira do morro íngreme que fazia a divisa entre os bairros Alto e Baixo. Dali pude ver as estrelas brilharem tanto quanto seus olhos na intensidade que eu não conhecia, mas que confiei em deixar coberta por minha falta de questionamentos, por acha que conheceria um dia.

Eu não sabia por onde ele tinha andado, mas tinha voltado com algo diferente. Um aroma diferente, um olhar diferente... Uma necessidade menor de me perguntar, a cada segundo, o que eu estava fazendo só para me irritar.

Quando perguntei Chan hyung onde estiveram naquela noite, ele me respondeu que precisaram ver um amigo fora da cidade. Não restam dúvidas.

Agora eu vejo, o segredo que Hyunjin guardou do "nós" que eu costumava conhecer. Ele tem pernas curtas e caminha fiel ao meu lado. Tem o mesmo aroma que estava impregnado em Hyun na noite em que contamos estrelas na divisa, a mesma pouca necessidade de questionamentos. Me faz sentir o mesmo aperto no peito, como o que senti na noite em que dividi pasteis com Minah e Jaelin - não com Hyunjin.

Dói saber que Hyun o escondeu de mim. O não saber o motivo para todos saberem sobre Changbin, menos eu. Dói querer ficar por perto do segredo de Hyunjin, e me perguntar, sem entender o motivo, como seria contar estrelas com ele na divisa entre os malditos bairros. Qual seria seu aroma? Sua necessidade?

Dói ainda mais me sentir um invasor, e querer saber mais sobre Changbin. Porque me lembra de que ele, além de Kai e Chan hyung - e parte do sentimento da Aviões de Papel - é tudo o que pode me restar do meu melhor amigo.

- Você vem de longe? - Levado pela pura curiosidade, eu pergunto baixinho.

Ele hesita. Me encara, e depois olha para frente, então me encara outra vez.

- Agora decidiu que podemos conversar? - Pergunta, o tom quase risonho.

- Você não tem culpa em ser o segredo que Hyunjin decidiu manter escondido de mim.

- Por favor, não o culpe. - Ele pede, com pressa. Sinto um aperto mais forte de seu braço, o que ainda me leve de apoio para caminhar. - Não faz ideia de quantos motivos ele teve pra isso. De como ele tem medo de que-

Ele mesmo se interrompe.

Uno minhas sobrancelhas.

- "Medo"? - Pergunto. - Medo de quê?

Quando seus olhos encontram os meus, agora. Há uma porção de honestidade que nunca vi, mesmo em meu reflexo no espelho.

Ele também parece refletir. Compartilhar do mesmo medo de Hyunjin, que parece conhecer como eu não conheço (mais uma coisa que não sei sobre Hyunjin, mas outra pessoa sim).

- Medo de que eu acabasse te afastando dele.

- Isso nunca iria acontecer. - Tenho tanta pressa em dizer quanto ele tinha em se desculpar por Hyunjin. - Nunca, nenhum ser vivo que pisar nessa terra, vai ser razão para que eu me afaste de Hyunjin. Ninguém, além dele mesmo.

- O que quer dizer?

- Que eu não me afastaria de Hyunjin por causa de outra pessoa. Como não me afastaria de Chan hyung por causa de uma burrada do Hyun. Como não me afastei de Jeongin por causa das merdas que a mãe dele já nos disse, mas faço questão de manter distância dela.

Ele contem um riso anasalado.

- Não acho que tenha entendido onde eu quero chegar.

Dou de ombros.

- Pode tentar ser mais direto?

- Não posso. - Ele nega. - Porque vou afastá-los, se fizer.

- Tá. Tanto faz. - Ralho. - Tô começando a achar que vai ser impossível conversar com você sem começar uma briga.

- Você que é complicado de agradar.

Paramos em frente ao balcão do estabelecimento. Isso tudo é quase um restaurante, como faz parecer o cardápio suspenso na parede além das cabeças agitadas da porção de funcionários que caminham agitados de um lado para o outro, agilizando o atendimento aos clientes.

Eu definiria como uma "loja de tudo na beira da estrada". Além dos pratos de comida diversificados, pelúcias, chaveiros e especiarias também estão expostas aqui e ali, junto de peças de roupas e pares de calçados de vários modelos.

Dal cumprimenta um dos funcionários, e posso quase ouvir quando ela pergunta sobre um "Dojum" antes de a menina sair apressada em busca de quem quer que ele seja.

- Acho que vamos ter que esperar um pouco. - Dal diz, retornando para perto de onde todos nós estamos amontoados juntos ao balcão. - Meu amigo tá ocupado.

- A gente espera. - Chan hyung diz, se sentando em um dos bancos altos, ajudando Minnie a se sentar no que tem ao seu lado.

- Nós vamos ao banheiro. - Changbin, ao meu lado, anuncia.

Penso que ele irá com um dos outros, mas quase grito quando noto que ele ainda tem minha mão presa em seu braço, e me carrega outra vez pelo lugar.

- Ei! Eu não quero ir ao banheiro!

- Só vem, você. A gente já volta.

Francamente. Se alguém me perguntar o motivo para deixá-lo me arrastar assim, com uma carranca irritada no rosto, eu diria que é por desistência. Mas sentiria que estaria me enganando.

Entramos no banheiro. Juntos. Eu, arrastado.

Changbin para na beira da pia. Tira a camiseta regata, tão contraditória ao exagero das roupas pesadas da noite anterior, e me estende.

O encaro, confuso.

- Pega. - Ele agita o punho fechado que segura firme a peça entre os dedos.

- O quê? Pra quê? Por quê tá tirando a roupa, Changbin? - O entrego minha pior careta.

- Se quer procurar pelo Hyun, vai ter que deixar a gente dar um jeito nessa sua febre. Você fica mal humorado quando tá dodói. Hyun me avisou, cara. - Moveu a cabeça, como se a lembrança do que Hyunjin o disse sobre mim fosse uma de suas melhores. Meu peito parece mais apertado, de repente. - Me provou agora há pouco que ele te conhece tão bem... - E o tom murchou, como o breve sorriso.

- Ele... - Engulo em seco. Minha garganta dói. - Você acha que ele tá bem?

- Me conta você. - Ele inspira fundo o ar pelas narinas dilatadas. Abre a torneira ao meu lado quando dá um passo para mais perto. - Você conhece ele, melhor que todos os outros. Melhor do que eu.

- Não é o que parece. - Não sei apontar o motivo para não reclamar quando suas mãos tomam o lugar das minhas, agarrando a barra da blusa que eu agarrava. Meus braços estão doloridos, claro que esse é o motivo para não reclamar quando ele tira a minha blusa por mim.

Não sei se é o motivo certo para não conseguir desviar meus olhos dos seus.

De perto, eles parecem mais intensos que de longe. Parecem menos frágeis.

O físico de Changbin não corresponde ao tom de voz frágil que ouvi na última noite, quando estava no quarto de Dal. Não corresponde ao sussurro choroso dessa manhã.

Parece uma casca firme, envolvendo um interior tão firme quanto, porém quebrado.

Não consigo imaginá-lo se quebrando. Dói como se fosse eu, quem está quebrado.

Mas de todas as suas partes remendadas, e de todos os caquinhos que parecem protegidos por sua armadura de braços grossos e pele seca, os olhos de Changbin parecem carregar o sentimento mais intenso. Mais intenso que a marca pequena que ele tem sobre a sobrancelha, e à possível memória a que ela se remete, e mais intenso do que o privilégio que parece ser poder vê-lo chorar como vi na última noite por tanto tempo - por tantas vezes em que não queria ter visto. Em seus olhos brilha o mesmo que incendeia os olhos de Hyunjin.

É dourado. Puro ouro, tão contrário à calmaria do "Azul Alice" de Hyun, tão contrastante ao vermelho vivo que parece emanar a cada movimento dos pulmões do maldito Dwaekki.

A vontade de se livrar das malditas amarras que ditam o presente aterrador em que nos encontramos, para buscar o melhor do futuro que está longe de nos pertencer.

O que eles podem ver, eu não posso. Tenho uma dificuldade tamanha - fodida - de ver o mínimo "depois de agora", que sejam segundos do futuro. Não costumo imaginar o que está por vir, mas mastigar o que já foi.

Me perco fácil naquilo que não posso fazer. É o motivo para me perder tanto em seus olhos para notar apenas agora, em sua terceira vez repetindo o ato, que ele usa a própria mão para olhar minha nuca, ombros e pescoço com a água fria da torneira.

- Aqui, se curve. - Ele me empurra para mais perto da pia. - Lava seu rosto, você. - A mão em concha traz mais água para derramar em minha nuca.

Não posso conter um suspiro trêmulo.

- Vai melhorar um pouco, acho. É o melhor que podemos fazer, por agora.

- Quero minha blusa, agora. - Estendo uma das minhas mãos.

Ele se afasta.

- Não tá frio. - Diz.

- Pra você! Eu tô morrendo de frio.

- Será que eu posso cagar em paz?! - Uma terceira voz veio do box no canto mais próximo da parede de azulejos brancos. - Sério, até perdi a vontade.

Pouco tempo depois, o barulho da descarga correu todo o banheiro.

- Todo dia a mesma ladainha, mas que merda! - A porta, de um cinza clarinho, da cabine se abre. Um par de botas de combate marcham em nossa direção, e Changbin se apressa para vestir a blusa que eu usava antes. - Será que é possível usar meus quinze minutos de pausa pra usar o banheiro, rapazes? É pedir demais não ser interrompido, um dia sequer, por qualquer discussão best-

Ele se interrompe. Os olhos bem abertos, agora que nos alcançaram. Ele me encara, de cima a baixo.

Então me lembro de que estou sem a maldita camisa.

- Aqui. - Changbin diz e se coloca à minha frente. Quero agradecê-lo. - Deixa eu te ajudar a colocar, você.

Em todas as vezes em que o ouço repetir essa palavra, sinto como se fosse atingido por uma onda de ironia.

Agora, quero matá-lo.

- Binnie. - A terceira voz fala, e me pega desprevenido.

Eles se conhecem?

- O que estavam fazendo?

Os olhos expressivos, apertados nos cantinhos, se repuxam ainda mais. As sobrancelhas, pitadas em um tom de rosa bebê como seus cabelos, se unem bem no centro da testa, a enrugando. Os lábios se partem em um quase sorriso, mas é como se hesitasse - como se não soubesse se podia ou não sorrir, ou se o "Binnie" está disposto a corresponder.

Os punhos, porém, relaxaram quando ouviram o riso baixinho. Como os ombros, envolvidos pela camisa larga do Nirvana, também se deixam cair. Posso ver como ele respira fundo, como se fosse tomado por uma onda súbita de alívio.

Tudo nesse garoto, que mal parece coisa de cinco anos mais velho do que eu, entrega o quanto estava pisando em ovos. Só não entendo o porquê de Changbin parecer ser a condição para isso.

- Há quanto tempo não te vejo?! - Não o podia ver, uma vez que Changbin passava a blusa por minha cabeça. Mas, agora, o tom era moldado pelo sorriso que "a terceira voz" parece manter no rosto. - Te ouvi dizer que ia embora, então sumiu sem se despedir no dia seguinte! Como... - E de volta à hesitação. - C-como você tá, Binnie?

As mãos de Changbin seguram mais firmes a barra da blusa que ele usava, e agora veste em mim. Sei porque posso sentir o tecido sendo puxado para baixo.

É esse o ponto? O ponto onde nossa companhia parece ter medo de chegar? O ponto onde é incerto saber como Changbin está?

Talvez tenha uma boa razão. Afinal, Changbin parece ser o tipo de pessoa que está sempre bem.

E eu sei bem o peso que um sorriso cobra mais tarde, quando não tem ninguém que o obrigue a continuar mantendo firme a todo o momento.

Por instinto - apenas porque é o que costumo fazer sempre que noto Hyunjin desconfortável, exatamente como Changbin parece estar agora - eu coloco um de meus pés entre os seus, da forma como a ponta do meu sapato toca a parte de trás dos seus. Depois, toco a pontinha de seus dedos gelados. Sua reação, porém, é diferente da de Hyun.

Hyunjin odiava quando o importunava, esfregando a ponta de seus dedos. Changbin parece ceder, e entrelaça os seus dedos aos meus.

Ele parece procurar por força, e eu não sei como negar. Então eu deixo.

- Não precisa responder. Eu sei como é difícil. - A nossa companhia continua. - Também sinto falta dela, todo mundo sente.

- Podemos só não falar sobre isso? - Changbin pede.

Seus olhos estão fechados. Sinto falta de seu brilho.

Seria possível parecer ainda mais frio?

- Sempre que eu tô por perto, é só sobre isso que sabem falar. - O sussurro, do que não parece ser intencional para que eu ouça, me faz apertar mais seus dedos entre os meus.

Mas ele nega.

Ele precisa de força, mas se tiver demais... Pode desmoronar.

Não é disso que precisa, só precisa se manter de pé.

- Tudo bem. - Digo baixinho, apenas para que saiba que posso entendê-lo.

- O que veio fazer aqui, então? Sua peste! - O conhecido de Changbin tenta o tom brincalhão.

Parece melhorar um pouco o clima pesado.

- Dal está comigo, Yeonjun hyung. Tava te procurando. Ela tá no balcão.

- Tudo bem, eu vou indo. - Aponta para a porta. - Te espero lá fora. Q-quer dizer... Espero vocês e-e... Quem é seu amigo? - Existe um tom diferente agora, quase interessado demais a ponto de me sentir exposto.

- Não tá disponível. - Changbin responde, ríspido.

- Não tô disponível? - Demoro um pouco para entender.

Quando finalmente consigo, o tal Yeonjun continua:

- Hmm... É bonito, Binnie. O hyung aprova.

- Hyung! - Changbin está sorrindo pouco, outra vez. Me pergunto se era a intenção de Yeonjun. - Só espera lá fora, por favor?

- Só porque pediu com educação.

Assim, fomos deixados outra vez.

- Então... - Eu interrompo o silêncio breve que seguiu a ausência do seu amigo. - Ele é seu hyung?

Changbin ainda tem o rosto baixo, mas respira fundo e volta a me olhar nos olhos.

O brilho, mesmo nublado, ainda está ali.

Me faz suspirar em alívio.

- Me perguntou de onde eu vim. - Ele ajeita meus fios de cabelo molhados atrás da orelha. - Eu vim daqui de perto, uma cidadezinha mais ao fundo da que Dal mora. Mesmo bairro que Yeonjun hyung e os meninos.

- "Os meninos"?

- Eram amigos da minha irmã.

A palavra. O verbo no passado, a hesitação de Yeonjun, e o maldito discurso que eu conhecia de cor - por ouvir o mesmo tantas vezes -, foram suficientes.

Eu o entendo, e acolho suas razões.

- Eu sinto muito. - Digo, baixinho, como se alguém pudesse nos ouvir.

Não queria que sequer ele ouvisse, mas precisava dizer alguma coisa. Confortar Changbin é quase uma necessidade.

- É. - Ele morde os próprios lábios. - Eu também.

Não dissemos mais nada. Não ouso olhar em seus olhos, por medo de recolher aquele vazio da perda que conheço tão bem. Não quero sentir isso outra vez, mas me sinto frustrado por querer arrancar dele.

Não quero que ele sinta isso.

É tudo o que posso pensar enquanto caminhamos de volta para o balcão.

Quando chegamos, é Minnie quem está abraçando Chan hyung. Surpreendentemente, não o contrário.

Me deixa preocupado, a ponto de meus dedos tensionarem e eu sentir que me esqueci de algo muito importante.

Só me dou conta de que ainda seguro os dedos de Changbin quando eles confortam os meus, desenhando círculos sobre minhas falanges.

- Tá tudo bem. Dal nos trouxe aqui por um bom motivo. - Changbin diz baixinho, parece um segredo nosso. - Se for como eu suspeito, acho que esse pode ser o lugar em que-

Ele se interrompe, ao mesmo tempo em que eu suspiro surpreso.

Além do seu hyung intrometido, atrás do balcão tem mais um garoto.

Magro, da forma como mesmo vestido no avental largo, que parece ser parte do uniforme do lugar, ainda podemos ver a marca de suas clavículas sob a blusa preta logo abaixo.

Os ombros estão erguidos na posição estranha que o parece confortável. Os braços estão juntos, com os cotovelos sobre a mesa e as mãos - de dedos entrelaçados - servindo como apoio para o queixo, tão machucadas quanto seu rosto. Tem escoriações por toda a parte esquerda, em sua bochecha e testa, como se o rosto tivesse sido arrastado em um ralador da cozinha. Uma ferida feia está encoberta por uma faixa que não consegue conter o sangue que a mancha, bem próxima ao seu cotovelo esquerdo. Sua orelha, onde antes parecia ter um brinco cumprido, agora há um rasgo que faz meu estômago revirar mais uma vez.

Como se não bastasse todas as marcas feias do que parece ter sido um acidente dos grandes, as marcas escuras abaixo de seus olhos, em contraste aos cabelos amarelados que só deixam seu rosto mais pálido, o fazem parecer um morto-vivo.

- Não me olha assim. - Ele diz quando acena para Changbin. - Não tô pior do que você já esteve. - Um sorriso largo e bonito se abre no rosto machucado.

Repuxa a pele da forma que me faz pensar se a posição estranha é a mais confortável que encontrou, porque qualquer mínimo movimento deve doer. Se esse for o problema, ele o ignora completamente quando abre os braços no chamado silencioso que agita Binnie ao meu lado.

Changbin me encara, hesitante, e precisa respirar fundo em todas as vezes em que - em poucos segundos - os olhos encontram o garoto o esperando com os braços abertos.

É como se esperasse por permissão, e não entendo o motivo.

Como resposta, solto seus dedos. Cruzo meus braços sobre o peito, logo Jeongin está me abraçando por trás - me deixando apoiar as costas em seu peito, deitar minha cabeça dolorida em seu ombro.

- Tá um pouco menos quente, agora. - Innie comenta, mas eu não o ouço.

Não ouço, porque minha atenção é inteira de Changbin.

Faço questão de guardar o alívio desenhado em seu rosto quando os braços estendidos o envolvem. Como ele esconde o rosto na curva do pescoço que se expõe, como se soubesse que ele a procuraria.

Nunca o vi tão confortável, mesmo na companhia de Dal.

- Taehy, como você tá? - Changbin pergunta baixinho, e nós não podemos ouvir.

Mas seu hyung intrometido pode.

- Tá ótima, a biribinha. - Yeonjun aponta. - Não deu pra ver que já explodiu? E tá pronto pra explodir, outra vez. É só apontar o alvo.

- Não me parece a melhor condição pra vir trabalhar, Taehyun. - Dal ergue as sobrancelhas. Pega um dos canudos de papel jogados do lado de dentro da bancada para brincar. - O que aconteceu com você?

Há esse momento. Em que os olhos do menino machucado encontram os do garoto de cabelos coloridos. Ambos parecem conversar em silêncio, como eu e Hyun sempre fomos bons em fazer, até que Taehyun engole um bolo denso de garganta que parece o rasgar por dentro.

Ainda dentro de seu abraço, Changbin ergue os olhos para encará-lo, esperando por uma resposta.

- Só tentei andar de bicicleta. - É o que Taehyun diz. - Deu errado.

A desculpa conhecida me enche de arrepios. Parece fazer o mesmo a toda a Aviões de Papel. Jisung se encolhe nos braços de Minho, ao meu lado. Chan hyung não consegue olhar para algo além dos próprios dedos.

Minnie, porém, é quem pergunta:

- Aconteceu alguma coisa? - É a nota de preocupação genuína em sua voz, quase urgente, faz com que Yeonjun abra mais seus olhos. - Se precisam conversar, e quiserem privacidade, nós podemos sair. Mas, por favor, não esconda nada de seus amigos.

Eu a puxo pelo punho, para perto, e Jeongin agora abraça a nós dois.

Levado pela reação geral, é a primeira vez que me pergunto: "O que eles pensam?".

"O que meus amigos pensam que aconteceu com Hyunjin naquele dia, se não acreditam que foi só mais um acidente de bicicleta?".

- Não precisam sair. - Changbin diz, e quando o encaro vejo o lampejo daquele brilho em seus olhos, mais intenso do que antes. É como se visse um mundo inteiro, e não apenas um futuro possível. É como se pudesse tocar a certeza de algo que eu não conhecia, mas sentia que podia confiar nele para me apresentar. - Acho que sei por que Dal nos trouxe aqui.

- Hmm. - Yeonjun tomou o pano de prato que estava jogado no balcão, o jogou sobre o ombro e forçou a ponta do indicador sobre o tampo, bem em frente à onde Dal estava sentada. - Então, por que "Dal nos trouxe aqui"?

- Taehyun. - Ignorando o olhar mal-humorado do hyung enxerido, Dal chamou pelo garoto, quem não tardou a devê-la o olhar assustado.

O tipo de olhar que entrega o medo de ser pego.

E Taehyun viu suas tentativas de evitar isso irem por terra, quando a mulher olhou para a porta além de seus ombros. Através da passagem arredondada às suas costas, tinha um corredor curtinho que dava para duas portas escondidas no escuro do lado direito, e a que estava em frente às portas duplas de madeira - que davam para a cozinha, do lado esquerdo - era iluminada de tempos em tempos, quando a luz fluorescente do lado de dentro do cômodo movimentado onde os funcionários caminhavam de um lado para o outro refletia nas panelas e passava pelas frestas. Eram os momentos breves em que as marcas na porta de madeira podiam ser vistas.

Eu entendi, mesmo antes de Dal continuar.

Sinto minhas pernas tremerem.

- A bicicleta tava na dispensa? - Dal pergunta, por fim.

Taehyun engole em seco, mais uma vez.

Se assusta quando Changbin o empurra pouco, mas o segura mesmo assim.

- Taehy. - Ele chama, mas não recebe seu olhar. Então segura o garoto pelo punho, e se vira bruscamente para Yeonjun, - Hyung. Aconteceu alguma coisa.

- Shh! - Yeonjun olha atentamente em volta. Nega uma porção de vezes, mas não é como se a resposta fosse negativa. Ele desaprovava o barulho. - Não aconteceu nada, só-

- Hyung, estamos procurando por ele. - Changbin o interrompe, o quê de desespero em seu tom me deixa agitado. - Estamos... - Ele olha em volta, como Yeonjun fez. - Estamos procurando pela bicicleta.

- Você conhecem a bicicleta? - Taehyun pergunta. - Pensei ter ouvido errado quando ela buzinou seu apelido, Dwaekki.

Sem perceber, Chan hyung socou a bancada. Mas não era por raiva, era por desespero.

- O que aconteceu com a bicicleta? - Ele perguntou.

Yeonjun olhou em volta mais uma vez. Pelo menos três pares de olhos o encaram sobre nossos ombros, e não estamos preocupados com isso como ele parece estar.

Ele nega com um gesto, mais uma vez. Mas é só quando me encontra no meio do caminho, quando está retornando seu olhar para Changbin, que parece ter uma a boa ideia que faz lampejar em seus olhos o mesmo que lampejou nos de Binnie há pouco.

- Seu amigo parece tão péssimo quanto Taehy. Os fez caminhar até aqui, Dal? - Ele desconversa, mas ergue as sobrancelhas para a amiga.

Notando o rumo completamente diferente do assunto, e levado pela mesma urgência que infla nossos peitos, Changbin se apressa em chamar:

- Hyung.

- Não. - É a resposta rápida que recebe.

Apenas isso.

Apenas "não".

E uma... piscadela?

- Já é quase uma e meia. Vamos servir algo para vocês comerem, e quando a movimentação estiver mais tranquila, Taehy vai levá-los de volta para casa de carro, okay? - Yeonjun volta a falar.

- Pego o trampo às quinze. - Dal relembra. Mas, para mim, parece querer apressá-los.

- Não acho que vá passar das quatorze e meia. - Taehyun é quem diz, soltando Changbin e apontando com os olhos para uma mesa próxima a uma das janelas extensas. - Sintam-se em uma casa lotada.

Jisung se agita com a possibilidade de ser apenas isso. De termos vindo até aqui para ouvir o "não" sonoro de Yeonjun, e a história patética sobre bicicletas de Taehyun.

Minho hyung tenta segurar suas mãos, mas os dedos agitados o afastam ao mesmo tempo em que Sungie bufa de forma a expurgar tamanha frustração. Agora sim, ele não parece bem.

- Querido. - A voz doce de Dal o alcança, e é terna a ponto de fazê-lo conseguir e focar em suas palavras. - Tá tudo bem, sim? - Ela sussurra. - Acho que eles sabem algo sobre a bicicleta, mas nem todo mundo aqui e agora parecem ser muito fãs de ciclismo. - Olha em volta, e Sungie assente.

Todos nós escolhemos acreditar que não é de volta à cidade, para onde vamos quando sairmos desse lugar.

Ela continua parada. Só até ter certeza de que algo realmente está errado.

Depois de comprovar suas suspeitas, Maya se levanta do chão onde está ajoelhada.

Foi rápido, dessa vez. Tem a lembrança nada breve dos últimos meses, em que precisou ficar abaixada por horas tentando arrancar todos os chicles grudados em baixo do tampo daquela mesma mesa. Mas hoje, está limpo. Não viu nenhuma goma sequer, e só por isso toma tempo para olhar em direção à loja de jogos no extremo oposto ao estande de sorvetes, a que a mesa que pretendia limpar pertence.

Ela empurra o carrinho pesado até estar à porta da lojinha pouco movimentada. Para ao lado do garoto extrovertido que sempre sorri, mas hoje toma uma carranca seria como máscara.

- Qual o problema, HongJoong? - Pergunta.

- Ah! - Ele se assusta com a proximidade da mulher. Por mais que seja comum, tê-la como companhia. - Oi, tia Maya.

- Aconteceu alguma coisa, querido? Tá quieto, hoje.

Hongjoong força um bico irritado que trás para ter os lábios rosados hidratados. A blusa preta, sob a vermelha xadrez de mangas meia estação, enruga ao que cruza seus braços de forma mal humorada. Ele aponta para a direção do estande, agitando os cabelos azuis que estão presos em uma mecha sobre a cabeça.

- Tá tudo parado assim há mais de uma semana. - Hongjoong reclama. - Não sei pra onde os cliente decidiram ir. Sabe de alguma loja nova de jogos no Shopping?

Maya pensa pouco. Conhece bem aquele lugar, então não toma muito tempo para responder que:

- Não. Não sei de uma nova loja de jogos. O movimento tá tão ruim?

Hongjoong agita a cabeça.

- Aquele grupinho de garotos nunca mais volto aqui. Eram um bando de idiotas, brutamontes e velhos demais, mas compravam muitos jogos.

- Eles eram velhos, é? - Maya ergueu as sobrancelhas. - Sabe que estão entre e sua idade e a minha, não sabe?

- Okay! - Hongjoong agita as mãos, agora. As palmas abertas como em um pedido de desculpas, irritadiço. - Eles eram bobões, bobocas e de idade levemente avançada, tia. Mas eram meus melhores clientes. Passavam aqui, e ainda me traziam um sorvete de agrado, porque eu sabia conversar sobre os jogos que pareciam gostar.

- Era aquele grupo de amigos que andava grudando as malditas gomas de mascar em baixo da mesa?

Hongjoong assentiu. O bico ficando ainda maior no rosto de feição dramática.

- Me traziam chicles também. Agora me sinto pior, tia Maya. Valeu aí.

Maya nega. Também cruza seus braços.

- Não sinto falta deles.

- Claro que não. Mas aposto que sente falta do Hyunjin. Não ganha mais seus sorvetes de graça agora, não é?

Maya paralisa, outra vez. Olha, agora, para a mesa além da "Terra perdida das gomas de mascar". A mesa onde Hyun se sentava para me esperar, matando o tempo enquanto desenhava, quando não a tinha como boa ouvinte para todos os seus relatos aleatórios.

Ela pode sentir os pensamentos a guiando para algum lugar. Mas não tem a chance d3 descobrir onde é, porque o que escuta à seguir a faz rolar os olhos.

- Ei, vó! Velha Maya! Senhora! - É a voz estridente de Beomgyu que se aproxima. - Ah! Oi Joong! - Meu amigo cumprimenta, mas não recebe mais que um grunhido e um dar de ombros como resposta.

- Pensei que não daria as caras hoje. - Maya comenta, apontando para o estande.

- Eu não ia, mas preciso de um favor.

- Um favor? Que favor?

- Vó, atenção. - Beomgyu toma suas mãos, as segura entre as suas. - Conhece alguém que tenha um carro, e falta de juízo suficiente pra me emprestar?

Maya uma as sobrancelhas.

- Você não emprestou o seu pro Felix?

- E agora quero um emprestado, pra ir atrás dele junto do irmão do meu hyung e a ex namorada do Lix. - Beomgyu tenta a sinceridade.

- Por quê...? - Maya pede por explicações.

- Porque...

- Continua com a honestidade, e talvez eu saiba como ajudar. - Ela dá uma dica.

Beomgyu morde os lábios.

- Okay. - Diz. - Achamos que algo de errado tá acontecendo.

- "Algo errado"? Com o Lix?

Beomgyu nega.

- Conhece os meninos, não é? Mesmo de vista? - Maya afirma com um gesto. - Sabe o que eles fazem.

- Sei sobre o grupo. - Ela se apressa para pedir por silêncio.

- Exatamente por esse motivo. - Beomgyu aponta para seu gesto. - Achamos que algo errado pode ter acontecido com os meninos. Não tá lá fora com a Jaelin. Ligamos pro Sungie hyung, sabemos onde eles estão. Queremos ir atrás antes que algo pior aconteça.

- Jisung disse que algo aconteceu?

- Ele só disse que estão bem, e que estão passeando. Disse que estão em uma cidade perto da rodovia, Kai disse que tem uma ideia de onde possa ser, porque podem ter ido encontrar Hyunjin.

- Encontrar o Hyun?

- Ele não voltou, ontem à noite. - Beomgyu assente, outra vez. - Acha que tem algo errado, Maya?

A senhora tira o celular do bolso. Força um dos poucos números que sabe de cór, mas nada acontece ao fim de duas tentativas. A chamada é, simplesmente, encaminhada para a caixa de mensagens.

O nome de Hyunjin brilhando na tela faz seus pés se agitarem dentro dos sapatos.

- Me espera no estacionamento, me dê quinze minutos.

Ao passar por um Beomgyu desentendido, mas inclinado a obedecer suas ordens pela primeira vez na vida sem questionar, Maya se apressa tanto que bate o carrinho na maldita mesa de gomas de mascar.

É como um estalo. Uma bola de chicle estourando.

Ela encara as duas mesas vazias, outra vez. Ela não acha que algo errado pode estar acontecendo, ela tem certeza.

As mesas aqui também estão ficando vazias, e é um alívio.

Decido que odeio casas lotadas, agora. Não sei mais como lidar com elas.

Por isso é um alívio enorme quando deixamos o restaurante para trás, mesmo estando apertados no banco de trás de um "Uno-velho".

Talvez odeie casa lotadas, multidões e aglomerações. A não ser que os meus estejam envolvidos.

Eu não ligo de ter Jeongin sentado em minhas penas - porque não tem mais lugar algum - enquanto nos esprememos contra a porta do lado direito para que Chan e Minnie se espremam no banco do meio, Dal dividindo espaço com Minho e Jisung - que está no colo do hyung - no banco da esquerda atrás de Taehyun, que dirige de forma lenta e paciente pelo estacionamento. Changbin, no banco do carona ao lado do amigo, precisa se segurar quando - ainda nas tentativas falhas de encaixar o próprio cinto de segurança - acaba quase sendo lançado rumo ao painel quando Taehyun pisa fundo no freio, evitando que o carro bata no maldito cara sobre a moto vermelha, deixando descuidadamente a vaga em que estava.

- Merda. - O "Taehy", como Binnie o chama, reclama baixinho. - Não é possível que não me viu.

Ele acena, educadamente, para o motorista da moto. Continuamos nosso caminho quando ele volta para sua vaga, nos deixando passar.

Por mais que ainda não passe de uma da tarde - ao tardar seus trinta minutos à mais - tudo está bem menos movimentado agora. O único carro em movimento é o nosso, e a moto vermelha que nos segue para fora quando saímos rumo à cidade de onde viemos.

Por um instante, duvido da calma persistente nos rostos de Changbin e Dal. Eles parecem esperar que Taehyun nos leve a um lugar importante, mas só posso ver como ele faz o mesmo caminho - de carro - que fizemos mais cedo - andando.

Sinto as mãos de Innie apertarem as minhas, e quase entendo como se ele estivesse desistindo como eu estava. Mas não é isso.

Ele aperta minhas mãos quando uma curva - que eu não notei enquanto vínhamos - abre caminho pelo lado esquerdo da estrada acidentada. É uma faixa recém pavimentada, quase bem tratada demais em contraste à pista esburacada que deixamos para trás. Passamos ainda - posso ver através da janela de vidro encardido - por cima de mais uma porção de embalagens amaçadas contra o asfalto.

- Por quê tanto lixo? - Acabo perguntando, falhando outra vez em conter minha curiosidade por qualquer coisa que não poderia ter menos importância.

Ou talvez apenas me sinta incomodado com a sujeira, de fato. Porque não são pedaços de papeis, ou sacos de plástico - ainda seria errado se fosse apenas isso. São caixas enormes de papelão, esmagadas junto de outras menores, e tem comida espalhada pelo chão.

- Teve um acidente envolvendo um cargueiro, ontem ao fim da tarde. - Taehyun me responde. - Não sei direito o que aconteceu, mas a chuva deve ter ajudado.

Depois disso, não ouvimos mais voz alguma. Mais de vinte minutos de pleno silêncio, é o que nos acompanha pela estrada - por aqui asfaltada - que nos leva até as ruas movimentadas - mesmo que estreitas - do que parece ser uma cidade vizinha à de onde viemos.

Perco as contas de quantas vezes dobramos uma porção de esquinas, e não pareço ser o único incomodado com isso. Não vejo nenhuma placa, ou sinalização, que impediria Taehyun de apenas seguir em linha reta por uma rua cumprida, mas ele dá uma porção de voltinhas mesmo assim.

Me sinto enjoado, outra vez. Estou pronto para reclamar, quando vejo Changbin se mover nervosamente no banco da frente. Ele se estica um pouco para ver através do retrovisor, quando paramos em um semáforo na avenida comercial.

- Taehy, tá tentando despistar alguém? - Dal pergunta, baixinho.

- Não se preocupa, é só por precaução. - Taehyun responde, mas ainda deixa Chan hyung tenso. - Não vi ninguém nos seguindo e-

- Taehy. - Changbin chama.

Ele agarra a lateral de seu banco, do mesmo lado onde a mão de Taehyun pousa sobre a marcha do carro, paralisado. A cabeça está abaixada, e os olhos fixos em seus pés abaixo do painel.

- Esse carro tava do lado da moto vermelha no estacionamento. - Comenta baixinho.

Um SUV para do seu lado da pista, frente ao semáforo ainda fechado. O motorista abre a janela, apoiando o braço na porta e colocando metade da cabeça para fora. Ele bate, com o nó dos dedos, contra a janela fechada de Changbin, e acho que ele pularia para o banco de trás se pudesse.

O que vem à seguir acontece rápido demais. Me deixa tonto, e sequer sei explicar como pude acompanhar tudo.

- Se abaixem um pouco mais. - Dal diz.

E enquanto ela fala, a mão do braço ferido de Taehyun alcança a arma escondida sob sua perna.

Quando ele escondeu ela ali?

Seu polegar se moveu. O som do gatilho se espalhou por todo o carro, despertando os olhos assustados de Jisung - que ouviu de imediato.

Tensão. Tomou conta de cada um de nós. Porque de repente todos sabem o que está acontecendo, mesmo sem ter uma visão geral da cena como Changbin tem sentado no banco da frente.

Além do gesto impaciente de Taehyun, que acena de forma apressada e impaciente para que Changbin abra a janela como fosse habitual segurar uma arma engatilhada, tudo parece mecânico demais. Rígido, agarrado, enferrujado, hesitante, denso e tenso.

Quero mudar de lugar com Jeongin agora. Quero protegê-lo com meu corpo, mesmo que o que possa vir a acontecer seja apenas uma ameaça. Chan hyung chega a se mover um pouco, pronto para abrir os braços em frente a todos nós e expor seu peito à o que quer que esteja por vir, mas paralisa quando um pigarro de Taehyun o repreende.

Mesmo o vidro da janela, que se abre pela força hesitante de um dos braços de Changbin - que esticam demais o tecido da blusa que eu usava há pouco, por ser bem mais grosso que os meus ou os de Dal -, parece tentar muito se controlar para não tremer de medo.

- Boa tarde. - Taehyun sorri para o motorista, que sorri de volta ainda pendurado na janela. -Posso ajudar?

Changbin não consegue sorrir, e isso faz com que os outros três dentro do carro ao lado riam baixinho.

O motorista, no entanto, deixa com que a expressão sorridente e educada apontada para Taehyun nuble de uma só vez. Posso ouvir o som do engasgo de Jisung, mas Minho o conforta ao agarrá-lo ainda mais forte pela cintura. Chan hyung realmente atravessa qualquer barreira, e se contorce para que consiga segurar minha mão em conjunto à de Jeongin.

- Sua porta de trás tá aberta, cara. - O motorista diz.

Ele tem os olhos caídos, repuxados para baixo como se estivesse cansado demais de qualquer coisa - ou talvez, apenas sem coragem para gastar muito tempo. Não parece o tipo de pessoa que se importaria em avisar a um desconhecido que "a porta de trás tá aberta".

- Ah... - Quando recebo o olhar de Taehyun, me apresso para soltar a mão do hyung e segurar Jeongin com mais força. Batendo com mais força a porta do nosso lado, depois de abri-la outra vez.

Realmente, estava aberta.

- Obrigado, amigo. - Taehyun assente. O gesto breve de agradecimento que deveria findar a interação.

Mas o motorista volta a força o sorriso que não se estende aos olhos cinzentos.

- Tá levando gente demais. Não acha, não?

- Sabe como é. Estamos em uma cidade pequena, não em uma rodovia. Ninguém vai ficar me vigiando, vai? - O tom parece tomado por uma fração de aviso.

Aviso que é bem tomado pelo outro cara. Ele assente, a cabeça se movendo para cima e para baixo antes de finalmente voltar a se encostar no banco.

- De qualquer forma... - Ele diz, e a monotonia impregnada no tom de voz me parece tão familiar que é quase um déjà vu.

Agora sou eu quem procuro pela mão de Chan hyung. Às cegas, porque não desvio meus olhos do garoto estranho do outro carro, quase não consigo encontrá-la. Mas ele me encontra, e guarda meus dedos com carinho, forte o suficiente para que eu me sinta protegido.

- "Carro bonito".

É isso.

Com toda certeza, eu já ouvi isso antes, essa última palavra. O mesmo tom, o mesmo timbre, o mesmo gesto estranho que é o erguer do queixo em conjunto às sobrancelhas ralas.

Arrepios escalam meus braços, e preciso respirar fundo porque estou tonto de repente.

Minha cabeça parece pesar uma tonelada inteira.

Eu já ouvi isso antes, eu tenho certeza. Mas não sei a ocasião, por mais que o sangue acumulado nos meus pés - e eles parecem estar queimando enquanto formigam - me digam que é uma boa hora para sentir medo e correr para longe daqui.

- Hyung... - Eu chamo baixinho. Fecho meus olhos e deito minha testa nas costas de Jeongin, que tensiona ao se preocupar.

É por Bang Chan que chamo, mas Taehyun parece ouvir seu apelido. Ele ignora os cinco segundo que ainda se estendem no contador grande fixado ao lado do farol ainda vermelho, dá partida no carro ao conferir que nenhum outro parece vir do cruzamento o qual avançamos, tomando as ruas do outro lado e mergulhando em mais um labirinto estreito desnecessário - mas que deixa o carro grande, que pareceu nos seguir por mais um tempo, para trás de vez.

- Tá se sentindo muito mal? - Taehyun pergunta, os olhos revezando entre a rua e o espelho popr onde consegue me enxergar pouco.

Eu continuo escondido atrás de Jeongin.

- Que sensação estranha... - Comento. - Sinto que já ouvi aquela voz antes.

- Eu também. - Não há momento algum de silêncio antes de Changbin dizer. - Eu também acho que já ouvi aquele cara antes. Mas parecia mais... - As sobrancelhas se uniram enquanto tentava pensar na melhor definição. - "Mecânica"...?

Taehyun, ainda nos devendo seus olhares breves, deixou com que os lábios ressecados se abrissem um pouco mais. Chagou a mordê-los, unir as sobrancelhas no que parecia ser algum tipo de reflexão, mas negou com um gesto no final - quando nossa viagem também parecia ter chegado ao seu fim.

- Não vamos pensar nisso agora. - A voz de Taehyun soa mil vezes mais limpa agora, quando o som do motor deixa de poluir nossa volta.

É meio alívio. Minha cabeça não lateja mais, e só noto que doía tanto agora - quando a dor se vai aos pouquinhos.

- Tá certo. - Changbin e Dal parecem entrar em consenso para responder ao mesmo tempo.

Seria uma mania? Reflexo da convivência?

Por que parece tão interessante descobrir qual a relação dos dois?

- Vamos entrar pra você descansar um pouco. E o Tae tá devendo um papo, sobre o paradeiro de uma "bicicleta", pra gente.

- Hmm. - Taehyun apenas resmunga, acenando com a cabeça para que Changbin saia logo.

E Binnie faz.

Ele desce do carro e abre minha porta. Estende a mão em minha direção, depois de ajudar Jeongin a descer sem cair ao desembolar suas pernas das minhas.

- Me sinto um peixinho enlatado. - É o que Innie comenta, em meio ao risinho que leva para longe boa parte do clima tenso que nos envolve.

Não posso evitar sorrir um pouquinho, ao mesmo tempo em que aceito de bom grado a mão firma de Changbin como apoio.

Ele me leva para fora do carro, me segura pelos braços quando preciso de alguns segundos para me situar de que agora estou de pé.

- Tô começando a me arrepender de ter comido. - Digo baixinho, e ele ri da minha careta.

- Tá dizendo que a comida do meu hyung é ruim? - Para fechar a porta do carro, ele praticamente me abraça.

De perto, sinto o ar de seus pulmões soprarem parte dos cabelos que não grudam no suor em minha nuca. Quase posso ouvir sua pulsação, e nunca me pareceu tão tentador me entregar a uma vontade como a que eu sinto agora.

Quero conhecer tudo o que o ar de seus pulmões envolve. Cada parte sua, e cada parte desse mundo que Changbin já tocou. Quem sabe assim, volte a conhecer Hyunjin por inteiro e não me sinta tão patético.

Me sinto um ponto vergonhoso agora, caminhando junto dos que sequer me olham para fazer sentir envergonhado. Meus amigos sujos não parecem se importar com o quão sujo me pareço agora - com o quão falso me pareço agora que não passo de mais um na vida de Hyunjin, quando deixei de ser sua fonte de confiança para ser quem é privado de seu cotidiano.

Tudo o que sinto agora, é o que acarreta a certeza de que não o conheço mais. Talvez nunca o tenha conhecido.

Quem sabe, em alguma altura de meus próximos dias, eu consiga me convencer de que é por culpa da forma como me aproximei depois de perder tantas pessoas - a forma como acabamos nos aproximando depois de conhecer cada milímetro esmagador do luto -, a responsável por me fazer sentir tão sozinho agora.

Me sinto sozinho, e sinto falta do seu abraço.

Não acho que exista algo do que eu precise mais do que isso agora (um abraço de Hyunjin), mas também não sei se é algo que eu queira.

Creio que me sentiria pequeno. Minúsculo entre seus braços, e intimidado por seu tamanho, como me sinto agora. Me sinto extremamente pequeno ante a construção de concreto que se ergue à dois terços da altura do Shooping onde trabalho.

É alto demais se comparado ao tamanho das construções em volta, mesmo que por aqui as casas tomem mais distância umas das outras, dando mais vista ao verde intenso da grama que nasce desenfreada entre um terreno e outro. Chega a ser mais alta mesmo que o poste de luz de base quebrada logo à sua frente, que parece não estar muito disposto a sobreviver a o que resta das tempestades da estação.

Um telhado curvo, que parece ser de algum tipo de metal, brilha ante a luz forte do sol quente do início de tarde. Tem uma porção de janelas pequenas próximas a ele, seguindo toda a construção de lado a lado, parece que rodeiam o lugar inteiro. As janelas maiores têm a largura de três das menores e o espaço que as separam, eu posso ver duas aqui da frente e julgo terem um Felix e meio de altura, há um Hyunjin do chão - posso ver degraus através do vidro fosco, embaçado por poeira.

Changbin encaixa o meu braço no seu, mais uma vez, e me arrasta para o portão verde musgo que, junto de mais um cinza e um vermelho, parecem ser a barreira frágil que guarda o interior do lugar - não parecem capazes de resistir bem ao vento forte de uma chuva torrencial.

Mais perto da entrada, é onde eu vejo o que chama mais minha atenção do que a altura.

Em um canteiro de grama morta - amarelada e seca - está fincada uma caixa de correio, e a haste que a mantém de pé é remendada com o que parecem ser partes de um velho caixote de madeira.

- Gostou da minha amiga? - Changbin nota que a encaro por tempo demais, então para um pouco para que eu veja melhor. - Frank-Binnie. - Nomeia.

Ela está enferrujada, mas parece ter sido - em alguma altura de sua aparente longa vida - de algum tom clarinho de azul cinzento. Também parece intocada, como uma lembrança querida.

Na parede mofada logo atrás, escondidas na sombra do poste quebrado - o que duvido que acenda durante a noite - estão estampadas seis mãos de tinta amarela. Três delas formam um círculo quase completo, sendo duas direitas e três esquerdas. Parecem ser de épocas diferentes, porque umas estão bem mais desbotadas que as outras.

Há duas delas, por exemplo, que estão mais nítidas do que todas as outras. Estão mais próximas, mesmo que uma feche o círculo de vez, e a outra - a que é muito menor do que todas as outras - se abrigue no meio do que mais parece ser um abraço protetor.

Há uma mais alta que todas, mais desbotadas que todas as outras, que as parece vigiar.

Tudo parece se encaixar perfeitamente. Apesar do intervalo de tempo entre uma e outra, é como se as outras quatro mais antigas estivessem guardando lugar para as duas mais recentes. Como se sempre soubessem que fariam parte do que eram.

- Que lugar é esse? - Como de costume, levado pela pura curiosidade, eu pergunto.

Changbin ri um pouquinho. Usa os dedos para afastar a mecha de cabelo que interrompe minha vista.

- Vê como eu sou um bom menino? - Ele diz, erguendo os olhos um tantinho para que possa tomar os meus. - Mesmo você sendo tão mal-educado mais cedo, eu ainda resolvi te responder da melhor forma possível. - Sua mão continua segurando meu cabelo atrás de minha orelha.

- O que quer dizer?

- Que você me perguntou de onde eu vim, eu te contei. - Ele falou mais baixinho. - E te trouxe para minha casa.

- Essa é sua casa? - Olhei para a construção alta, mais uma vez. - Não é longe demais do centro comercial?

- É um lugar ótimo, você. O melhor onde já estive.

De repente, me sinto um tanto mais animado.

É a casa de Changbin, parte do que ele é. Parte de quem Hyun tanto preza.

Eu quero entrar, e quero saber mais sobre o que as marcas coloridas na parede parecem guardar com tanto carinho.

Quero conhecer mais detalhes, conhecer mais seu meio.

Levado pela animação agora, é que eu pergunto:

- É um lugar tão grande, Binnie... - Eu posso chamá-lo assim? - Seus pais estão aqui, então? Vou conhecê-los?

Aquele brilho em seus olhos vacila. Eu não entendo quando ele sorri com menos intensidade - e só noto que sorri quando o ato perde força. Quero implorar para que não deixe que o gesto suma, mas não sei se temos intimidade para isso.

- Meus pais não. - Ele nega. - Mas minha família, sim.

Estou pronto para perguntar, outra vez, o que ele quer dizer. Mas Taehyun o chama, pede ajuda com as sacolas que traz do restaurante, e Changbin confere se estou bem antes de me pedir permissão com o olhar para, só então, se afastar para auxiliar o amigo.

Eles estão ocupados. Os meninos, Dal e Minnie, também se dispõem a ajudar com as sacolas - o que parecem ser mantimentos para a semana -, mas Chan hyung nega com um gesto à minha simples menção em me aproximar. Eu entendo, e agradeço, por ele se importar com meu estado plenamente dolorido.

Me aproveito da discussão entre Binnie e Dal, sobre quem vai pegar a sacola mais pesada, e a intervenção impaciente de Taehyun - e Minho, por mais que meu hyung não tenha intimidade alguma com nenhum dos outros três envolvidos - para me aproximar mais da caixa de correio Frank-Binnie.

Só nem de pertinho eu posso ver nomes, escritos sobre a pintura gasta em caneta permanente.

Reconheço "Yeonjun" como o hyung intrometido, "Taehyun" como o que nos trouxe até aqui. Conheço o nome torto de "Binnie", por mais que demore um tanto para conseguir ler, como não consigo ler um escrito com letras muito menores logo ao seu lado. Mas não conheço "Soobin", como conheço o último nome - o mesmo que me traz, outra vez, a sensação incômoda que senti dentro do carro há pouco.

Eu conheço, mesmo que apenas por comentários:

- Junkiu. - Eu digo em voz alta, passando meus dedos sobre as letras.

Mas me engasgo com minha própria saliva, logo em seguida.

Ergo minhas mãos, por puro instinto, quando o som do gatilho - tão próximo da parte de trás de minha cabeça - ecoa pelo espaço vazio entre minhas orelhas.

O que sinto a seguir, é o cano da arma pressionado contra minha nuca, ultrapassando a barreira frágil dos meus fios soltos.

- Quem são vocês, e o que fazem na minha garagem? 

Fortsett å les

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