I
Eu aprendi a verdade aos dezessete anos
Que o amor foi feito para belas princesas
E normalistas com pele e sorrisos claros
Que se casavam cedo e então sumiam
Os namorados que nunca tive
As noites de suspense e charadas
Eram gastas com outras mais bonitas
Aos dezessete eu aprendi a verdade
Que aqueles de nós com rostos feios
Desprovidos de encantos sociais
Desesperados, permanecíamos em casa
Inventando amantes no telefone
Que ligariam nos convidando para dançar
E baixinho nos diriam coisas obscenas
"Não é assim que acontece, aos dezessete?"
Nova Jersey, anos 2000
Wei Ying arrumou seu cabelo desastrosamente em frente ao espelho do vestuário. Não sabia por que estava fazendo isso, já que ficaria bagunçado de qualquer maneira. Cerrou os dentes e olhou se não tinha nada preso no aparelho móvel e suspirou quando o elástico dele quebrou devido ao ato.
"Cadê o mascote?" Uma voz rouca que Wei Ying reconheceu como sendo do treinador Mingjue fez-lhe colocar rápido o aparelho na boca, capturando outro elástico de um potinho de dentro de sua bolsa.
"Já vou, só um instante!" Ele se olhou no espelho novamente e correu para perto do treinador, que rolava os olhos e o empurrava para o corredor, falando o quanto Wei Ying era irresponsável.
Era começo de temporada e o time de futebol americano da escola era o melhor do Estado. Wei Ying simplesmente adorava o esporte, mas devido a sua miopia, aparelho ortodôntico, escoliose e uma leve asma, foi impedido por toda vida de jogar qualquer esporte (inclusive viver, Wei Ying pensava).
Mas ele fez questão de ser qualquer coisa para o time. Já tinha sido limpador de bolas, pintor de grama, gandula e o 'garoto da toalha', até que finalmente chegou ao estágio maior da insignificância – e a ser alvo de todos da escola – Mascote.
Wei Ying não se importava, de verdade. Ele adorava mesmo ouvir as pessoas o chamarem pelo apelido, digamos...bem, de mascote.
"Finalmente, hein esquilo!" Wen Chao, o atacante, o bateu com o capacete no ombro e Wei Ying sorriu sem graça.
"O elástico do meu aparelho quebrou e..."
"Quem disse que eu ligo?" Wen Chao o cortou e deu dois tapinhas nada gentis nas costas do garoto, que não percebeu que ele pregara algo ali.
Wei Ying olhou em volta e viu o técnico logo atrás o chamando.
"Toma a sua cabeça." Ele disse, dando a Wei Ying a cabeça grande de esquilo e sorriu. "Não perde essa, pelo menos."
"Sim, Sr." Wei Ying falou, eufórico.
"Treinador...!" Todos viraram para o garoto que chegava correndo, arrumando a camisa recém colocada. "Me desculpe a demora, é que eu tive uns problemas e..."
"Você não precisa explicar, Lan Zhan." O treinador sorriu satisfeito e abraçou o garoto, que foi cumprimentado com euforia pelos colegas de time.
Wei Ying suspirou alto. Lan Zhan era o cara mais lindo do mundo – pelo menos para ele – e ele nutria um sentimento secreto pelo atacante (e capitão do time) desde o primário.
Eles sempre estudaram juntos, na mesma escola e na mesma sala, mas Wei Ying e Lan Zhan nunca foram, de fato, apresentados, com exceção do dia em que ele foi nomeado mascote, no vestuário, para todo o time. Mas Lan Zhan estava no banho e Wei Ying só decidiu que não valeu.
O garoto achava o máximo estar sempre tão perto de Lan Zhan. Claro que ele sabia que era um amor inalcançável para ele – se era até mesmo para a atirada chefe das líderes de torcida! – mas ele estava satisfeito. Ele apreciava fazer parte ao menos do lugar onde ele respirasse o mesmo ar que o de Lan Zhan.
O time foi chamado a campo e Wei Ying correu um pouco desengonçado para a porta de entrada do gramado, onde seria anunciado após o desfile e o hino dos Estados Unidos.
Ele ficou batendo a patinha da fantasia no cimento enquanto esperava, vendo Lan Zhan pôr a mão no coração e cantar o hino. Ele suspirou de novo, isso era comum.
Wei Ying ficou desligado e mal notou quando o narrador chamou pelo mascote. Ele teve que fazê-lo de novo.
Onde está o mascote? Esquilo, entre logo na droga do campo!
Wei Ying colocou a cabeça de esquilo e correu para o campo, de braços abertos. Havia ensaiado isso por 2 semanas e parecia dar certo. Como planejado, foi para perto das garotas líderes de torcida, que dançavam, exibindo suas pernas compridas.
Ele mal notou quando elas pararam a coreografia e riram-se entre si. Mian, a chefe, o chutou no traseiro e deu uma gargalhada, sendo seguida pelas outras.
"O que...?" Wei Ying não sabia ao certo o que fazer. Por que estava sendo chutado mesmo? No começo ele estava até rindo, pensando ser uma brincadeira, mas logo saiu de perto das meninas, dando uma banana para elas.
O esquilo chegou perto do banco dos jogadores, que, sentados, enquanto Wei Ying passava, chutaram-no, caçoando do rapaz.
Wei Ying quis chorar. Já estava passando do limite. Mas ele sabia que se fizesse uma cena, provavelmente perderia a sua chance de estar ali e então decidiu aguentar.
Ele foi andando cabisbaixo, sendo centro de piadas e humilhações, até que Lan Zhan, que falava com o treinador, se aproximou dele e puxou o papel colado em suas costas que dizia 'me chute' e olhou para os colegas.
"Deixem o Wei Ying em paz, não sejam ridículos." E voltou para perto do técnico.
Wei Ying congelou. Lan Zhan o chamou de Wei Ying? Ok, era só o seu nome, mas...Lan Zhan sabia o seu nome? E ele o defendeu do ataque dos outros? Suspirou novamente, olhando para o vazio. Ele sequer percebia o que se passava ao seu redor depois disso, e só despertou quando, ao ser chamado ao campo, Wen Chao passou por ele e lhe deu um chute no traseiro só de sacanagem.
**
O jogo corria normalmente, enquanto Wei Ying, sentado nos bancos, torcia a boca e coçava a sua falsa cabeça de esquilo pensando ser a sua.
"Wei Yingie?" Huaisang chamou e o pequeno olhou para o lado. "Hey, tudo bem?"
"Oi Huaisang! Estou bem sim, e você?" O colega sentou-se ao seu lado, guardando o mini game dentro da mochila e sorrindo.
"Bem sim. Tirei conceito A em eletro física. Você também, aliás."
"Nossa... e eu nem fui bem nessa prova, sabe aquela questão dos vetores..."
"Wei Ying." Huaisang o cortou. "Você tem que ficar com a cabeça de esquilo enquanto fala comigo?"
"Oh." Wei Ying retirou a cabeça falsa e sorriu para o amigo, arrumando os seus óculos em seguida. "Pronto."
"Já te disse que você fica ridículo nessa fantasia?"
"Sim, mas eu não ligo. Você sabe que eu adoro futebol." Wei Ying disse, com desdém.
"Eu sei. Eu não entendo é onde se vestir de esquilo e passar papel de palhaço tem a ver com gostar de futebol." Huaisang respondeu ironicamente, estralando os dedos das mãos. Uma mania horrenda, Wei Ying sempre dizia.
"Você não entenderia de qualquer forma." O esquilo desdenhou, realmente nem ligando para o assunto.
Os dois ficaram ali, conversando sobre química, física, videogame e garotos. Huaisang era o único amigo gay de Wei Ying (na verdade, único amigo também). Eles se conheceram havia uns 3 anos, no laboratório de ciências da escola.
Nessa época, Wei Ying tinha 13 anos e Huaisang 12. Os dois estavam fazendo um experimento, quando Wei Ying lembrou-se que sabia um método mais prático de fazê-lo e, quando puxou seu caderno da mochila, sem querer, as inúmeras fotos que ele tinha de Lan Zhan caíram aos pés do colega.
Ele tentou se explicar, mas Huaisang apenas disse 'tudo bem, Wei Ying, eu também prefiro eles', e voltou a mexer na bureta e no tubo de ensaio.
"Aqui está um saco. Não acredito que você me forçou a vir." Huaisang gemeu, balançando a cabeça.
"Não te forcei. Eu disse que estaria aqui e que só depois iria te ajudar com aquela questão de cálculo."
"Isso é praticamente forçar!" Huaisang berrou e Wei Ying riu baixinho. "Qual é, Wei Yingie, você já se exibiu para esses idiotas, já pode ir embora e--"
"Espera!" Wei Ying gritou, assustando o amigo, que o olhou espantado. "Olha, o Lan Zhan pegou a bola!"
Huaisang rolou os olhos e Wei Ying correu, ignorando o grito de 'o que você está fazendo?!' do colega e tentando seguir Lan Zhan, que se desvencilhava dos outros jogadores, com a bola abraçada contra o peito como se sua vida dependesse disso.
Wei Ying, mesmo sendo pequeno e não possuir metade da agilidade de Lan Zhan, de alguma forma o alcançava, correndo quase paralelo ao atleta no cantinho do campo, perto dos garrafões. Ele respondia a si mesmo que era a adrenalina.
E então, para total euforia de Wei Ying e de todas as pessoas que assistiam ao jogo das arquibancadas, Lan Zhan jogou a bola no chão e gritou: Touch down!
Os jogadores correram em direção a ele e o levantaram, felizes. Wei Ying, que o olhava de longe, caiu sentado no chão, se arrependendo logo depois, quando sentiu que doeu sentar no rabo da fantasia.
E em um momento mágico, Lan Zhan olhou em direção ao jovem vestido de esquilo e sorriu, levantando a mão em cumprimento. Wei Ying entreabriu a boca e temeu levantar a mão e não ser com ele. Ele olhou para trás e para os lados, mas não havia ninguém mais ali. Ele sorriu para si mesmo e quando olhou para frente novamente, Lan Zhan já tinha sido levado para longe.
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