Capítulo 22

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Existem poucos momentos em que você se olha no espelho e diz que esta é a pessoa que você sempre quis ser. Para Wei Ying, nem mesmo os poucos momentos existiam em sua vida e o espelho era seu pior inimigo. Ele não se permitia ser diferente da imagem distorcida de seu rosto e imaginava-se feio por dentro e por fora.

Não que fosse. Seu coração estava longe de ser mau, assim como a sua expressão facial não era tão ruim. Por mais que sua maquiagem o deixasse com um semblante meio maquiavélico e que seu fraco humor geralmente desse a impressão de que ele era uma má pessoa, isso estava longe de ser a verdade.

E lá estava ele, olhando seu reflexo, o rosto descoberto, limpo, sem nenhum pouco de tinta escondendo-o. Certo de que, perto de como estava no dia em que ficou daquele jeito, seu rosto estava muito melhor, ele ainda podia visualizar os hematomas e cortes abertos por todos os lados quando ele se encarava.

Algumas coisas passaram em sua memória, como o fato de que o que ele chamava de superação de seus problemas na verdade era um véu onde ele se cobria de tudo o que lhe abalava. Dez anos não foi o suficiente para Wei Ying superar, para Wei Ying esquecer e para Wei Ying olhar-se no espelho e perceber que ele ainda era uma pessoa.

Lembrou-se da conversa que teve com Dave, sobre os garotos de sua juventude e uma veia fina de sua testa latejou, ao que uma ideia meio louca passou pela sua cabeça. Deu um sorriso fraco, saindo do banheiro e vestindo um moletom com capuz e pedindo à recepcionista do hotel um táxi.

Quando o veículo já o aguardava e ele assentou-se, o motorista lhe perguntou o caminho o qual pegaria. Ele deu uma pausa pensativa e lhe respondeu:

"Catedral. Vamos à igreja central de Jersey."

**

A onipotência da catedral era vista de longe. Assim como a maioria das igrejas, ela fora construída com o intuito de mostrar o poder da instituição não apenas para os fiéis, mas para aqueles que passavam e viam as construções ou até mesmo para admiradores de arte.

Wei Ying via a igreja matriz como um símbolo cabalístico, um sinal do destino de que algo de seu passado e de seu futuro misturavam-se naquelas paredes envelhecidas pelo tempo e que escondiam não só os segredos das confissões, mas também dos padres que cometiam pecados secretos.

Ele desceu do taxi e esperou por horas do lado de fora. Nem o frio nem as pessoas entrando e saindo da igreja o seduziram a entrar. Apenas o badalar dos sinos, indicando que a última missa havia acabado de acabar o fez sorrir e abdicar do frio que sentia.

Entrou. Não soube por que, mas quando o fez, seu coração se comprimiu como um balão que seca em sua mão aos poucos devido um furo. Aproximou-se da bacia de água benta e lavou as mãos nela, sem saber que o ritual certo era se benzer. Ele nunca fora católico, portanto, não sabia.

Ele viu que uma fila havia se formado perto do confessionário e ele aproximou-se da última beata, que vestia um manto preto sobre a cabeça, cobrindo os cabelos e ombros e sussurrou:

"Quem é o padre?"

"O Padre Ruowen, meu filho, quem mais seria? Santo homem de Deus!"

Ele agradeceu e esperou que cada uma das pessoas daquela fila se confessasse, pensando um tanto para si. Se aquelas pessoas soubessem... Se ao menos adivinhassem o que o padre santíssimo que eles idolatravam havia feito com ele, duvidou que eles dissessem os segredos de suas vidas para aquele homem. E ficou cada vez mais irritado ao pensar que Ruowen chegou a ser tão hipócrita ao ponto de virar um padre, depois de tudo. E que ainda se passava por herói, como se ele tivesse salvo a sua vida e não tentado acabar com ela, como todos os outros.

Wei Ying debruçou-se sobre os seus pensamentos absortos, ao que mal notou o tempo passar e que era o próximo a se dirigir ao confessionário, e notou que a igreja estava vazia. Quando a última fiel saiu de dentro do caixote de madeira, Wei Ying entrou e se ajoelhou.

SeventeenWhere stories live. Discover now