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*Samantha*
Os dias iam passando o tempo para me fazia acostumar com as feridas e ressignificar o alguns meados — mas não fazê-los desaparecer. As vezes eu queria muito voltar para casa — no interior de São Paulo — Mas Rebecca me convencia a esperar mais um tempo. E ela tinha razão.
Com o tempo também tomei mais coragem
Para finalmente fazer um passeio pela cidade histórica de Petrópolis. Eu quase não saia se casa, Rebecca era a única que ia ao mercado para fazer compras e buscar coisas. A única vez que me afastei do chalé desde que chegara fora para o hospital municipal, quando soube que havia abortado o bebê.
— Hoje podemos fazer um tour pela cidade. Acho que vai gostar muito de ir ao palácio imperial, à casa de Santos Dummont e ao hotel
Quitandinha. — Rebecca vestia um par de brincos em frente ao espelho.
— É uma boa ideia! Parece interessante mesmo! — Esboçava algum ânimo — Quando passamos pelo centro da cidade no dia em que cheguei fiquei bem interessada.
Rebecca sorriu satisfeita.
— Eu te disse: aqui não tem praia, mas tem história, mulher. — ela abotoou o Jeans da calça — Te espero lá embaixo. Não demore pois os passeios guiados costumam esgotar cedo.
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Eu vestia um vestido de tecido leve e florido. O dia ensolarado persistia nos últimos dias e pedia uma roupa solta e agradável. Acho que também refletia meu estado de espírito, pois eu me sentia razoavelmente bem e confortável.
Petrópolis era um lugar de ar doce e refrescante. Não aparentava muita movimentação apesar de Rebecca me alertar que a cidade vinha sofrendo com aumento da violência nos últimos anos. Pela manhã o trânsito era calmo e eu era capaz de sorrir com algo bobo, como ver me pela janela do carro uma senhora de idade sorrindo ao comprar pão na pequena padaria. Ou então avistar crianças correndo pela calçada em direção a escola e os demais comércios abrindo.
Começamos nossa visita pela casa que fora de Santos Dummont. Era uma gracinha olhando por fora. Ficava no alto de um pequeno morro, parecia uma casa na árvore, uma arquitetura lúdica.
Subimos a escada estreita e acessamos a pequena sala. Era uma casa minúscula de madeira mas muito elegante por dentro. Havia cartas e algumas pequenas invenções dele expostas pelo cômodo.
— Caramba, isso tudo é incrível ! — Dizia deslumbrada girando 360 graus.
Rebecca já havia estado ali, então não sentia o mesmo impacto de primeira vez que eu sentia.
Tiramos algumas fotos e em seguida fomos para o hotel Quitandinha, que parecia ser o preferido de Rebecca, tamanha era sua empolgação para a visita .
Antes de entrarmos no carro compramos uma casquinha de sorvete — de creme — o que deixava tudo mais perfeito do que já estava.
Pelo caminho, Rebecca ligou o carro e a rádio tocava a música "Tô nem aí" da Luka, uma canção antiquerrima.
— De mãos atadas... — Começou ela olhando pra mim.
— De pés descalços... — Completei me lembrando da canção.
— ...Com você meu mundo andava de pernas pro ar...
Parecíamos duas adolescentes se divertindo, como se tivéssemos fugido da escola para passear por algum lugar qualquer.
Mas meu riso foi sumindo conforme meus olhos percebiam um carro preto nos seguindo desde que havíamos saído da casa de Santos Dummont rumo ao Hotel Quitandinha.
Podia ser apenas uma paranoia, como o que acontecera com o cesto de pães que recebemos de um anônimo. Aquele carro preto poderia apenas estar seguindo o mesmo destino que o nosso, afinal, o hotel quitandinha era um dos museus famosos da cidade.
— Que foi? Parou de cantar do nada ... — Rebecca fez uma curva e eu pude avistar uma suntuosa construção, algo de arquitetura holandesa.
Olhei para o retrovisor novamente e o carro não estava mais lá. Respirei aliviada. Omiti essa minha paranoia de Rebecca, não queria parecer chata.
— Nada. — Disse de modo vago — Aquele é o museu?
Apontei contente.
— Sim, ele mesmo. É lindo não, é?
— Demais. Faraônico! — Meus olhos se deslumbravam com a construção.
— Espere até a guia contar a história desse hotel. A gente faz uma viagem incrível pelo tempo...
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Compramos nossos ingressos e nos juntamos a um grupo de pessoas que também esperava pela guia. Ficamos em um saguão gigantesco, de teto elevado. O piso era preto e branco e havia pilastras com luminárias que imitavam tochas. A esquerda uma escadaria que levava a algo que parecia um palco. Na paredes a pintura lembrava a símbolos do fundo do mar.
Rebecca tinha razão quando disse que os passeios costumavam lotar. Nosso grupo
A cada momento aumentava mais. E isso também passou a me incomodar. Era uma sensação de como se alguém estivesse nos observando entre aquela gente.
A guia chegou e esses meus pensamentos se perderam por um tempo. Ela era uma mulher de uns quarenta anos aproximadamente , sorridente e muito simpática.
— Estão preparados para essa viagem histórica??
Todos assentiram e iniciamos o passeio. Olhava para Rebecca e ela parecia encantada, apesar de já ter estado ali — Diferente do museu de Santos Dummont.
— Esse hotel foi construído em meio a segunda guerra mundial. Surgiu como um contraponto aos hotéis cassinos que havia na zona sul do Rio de Janeiro, como o cassino da Urca. Não ali se sabem, mas foi em um desses cassinos na zona sul que Carmen Miranda foi descoberta...
Ela ia nos levando pelos gigantescos cômodos da construção. Nos contava sobre a audácia da construção em meio a segunda guerra, onde em meio a escassez, um brasileiro decidia construir algo com um investimento alto. Ninguém teria coragem de fazer isso na época.
A história estava interessante e caminhávamos por um corredor largo onde os lustres eram espaçados igualmente, e imitavam grandes estrelas. Eram enormes, como tudo ali dentro. Fiquei deslumbrada.
Pelo cantos dos olhos vi um homem passar rapidamente e seu rosto me era familiar. Eu quase soltei um grito por jurar que ele parecia com Conrado.
Vasculhei o grupo em que estava, a procura do tal rosto familiar e que provavelmente estava me deixando confusa, mas ninguém em meio aquela gente lembrava a fisionomia de Conrado.
— E aqui, neste anfiteatro acontecia os concursos de miss Brasil. Aqui neste lugar que Martha Rocha foi coroada. E ela é uma personalidade lembrada por ter perdido o título de miss universo nos anos sessenta por
Conta de seu quadril ter dois centímetros a mais do que eles os jurados julgavam ideal... E é claro que nós, brasileiros, não aceitamos bem essa desculpa e reclamamos por décadas... Esse fato virou até marchinha de carnaval!
Eu ouvia a história mas não conseguia me concentrar mais. Eu ainda estava com a a sensação de que nos vigiavam.
— Rebecca, vou ao banheiro. Estou um pouco apertada — Sussurrei ao ouvido dela
Para não chamar atenção.
Na verdade queria me afastar da multidão para ver se minhas paranóias diminuíam.
— Ah sim. Vou tentar atrasar a guia pra você não perder o grupo — Disse ela também aos sussurros.
— Obrigada.
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O hotel era absurdamente gigante e suntuoso. Suas paredes altas e faraônicas me faziam sentir pequena e insignificante, bem como me deixavam com uma sensação de solidão.
Pelo menos a paranoia de que nos vigiavam diminuiu e eu fiquei passeando sozinha por
Um tempo por algumas salas. Talvez fosse
O aglomerado de gente em nosso grupo que me causava um pouco de pânico.
Entrei em um salão enorme e vazio e o teto era um semicírculo abobadado, pintado de azul. Havia uma criança do outro lado e ela bateu palma . O som se propagou em um eco quase que infinito e amplificou o volume. Eu sorri achando graça daquilo.
Também bati palma, imitando o garoto e o som era amplificado igualmente. Sorria maravilhada pelo fato da arquitetura planejada fazer aquilo.
— Samantha! — A voz de Conrado ecoou assim que o som da minha palma diminuiu.
O coração quase saldou pela boca. Olhei ao redor pela sala e eu me encontrava só. Nem
Mesmo o pequeno garoto estava mais lá.
— Samantha!!!