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— Me solta!!! Me solta!!! — Eu me debatia conforme a pessoa encapuzada colocava a mão pela janela em minha direção.
Eu demorei a compreender que aquele estranho tentava desatar meu cinto de segurança. Ao ouvir o barulho do cinto se soltando, meu impulso foi de empurrar a porta, que abriu-se com facilidade e tentei sair correndo o mais depressa do carro.
Porém, o ferimento no tornozelo me impedia de atingir velocidade e pouco consegui me afastar do carro.
A pessoa estranha e mascarada correu para longe junto comigo, me puxando pelo braço. O cheiro de gasolina era muito intenso. Uma explosão estava prestes a acontecer.
A dor em meu tornozelo era tamanha que tropecei em mim mesma e caí pela areia. A pessoa encapuzada parecia disposta a me tirar dali, querendo me salvar do desfecho ruim.
Apenas tive tempo de sentir meus tímpanos doerem em uma vibração intensa e um calor abrupto aquecer minha pele após a imensa explosão do automóvel. A pressão que a explosão causou se dissipou pelos ares e a pessoa encapuzada também fora arremessada para longe.
Olhei para trás e o veículo estava com chamas altas e que lambiam os céus.
Caleb havia morrido.
A pessoa que me ajudava levantou-se e ficou olhando para o automóvel inflamando e se consumindo em labaredas altas e serpentinosas. Uma fumaça preta de pneu queimando já subia pelos ares e seria questão de tempo até acionarem o corpo de bombeiros para a praia.
— Quem é você? — Perguntei me recompondo como podia, batendo as palmas das mãos para tirar o excesso de areia.
Mesmo de máscara, seja lá quem fosse, parecia muito perplexo com o fim trágico de Caleb. Toda atenção voltada para o carro.
E então o mistério se desfez quando uma mulher surgiu por debaixo do gorro. Eu lembrava daquele rosto de algum lugar. Das Fotos que eu vira nas coisas de Caleb, aquelas do casamento... Era a esposa desaparecida dele, Rebecca.
— Venha, vamos embora daqui. Se alguém aparecer seremos pegas.
— Você não estava morta??? — Perguntei aflita.
Rebecca me olhou no fundo dos olhos. Mesmo sem nos conhecermos ela parecia me entender e eu a ela.
— Acho que depois do que viveu com meu ex-marido creio que você também gostaria de estar morta a voltar para a mansão, não?
Senti um arrepio pela assertividade dela, parecendo que lia meus pensamentos. Ou melhor que isso: Rebecca já havia estado em meu lugar e talvez tenha tentado a mesma coisa.
— Tem razão... Tem razão. Mas Para onde vamos, Rebecca??? — Mancando eu tentava acompanhá-la pela faixa de areia.
Rebecca ia em direção a outra ponta da praia,
Onde mais pedras se empilhavam.
— Petrópolis! — Disse me dando as costas. Ela se apressava em partir dali — E vamos logo. Conrado é muito influente... Se nos pegarem não vão engolir a história de que foi um acidente.
De quem ela falava?
— Quem é Conrado?
Rebecca virou-se para mim.
— Meu ex-marido... Ou... Seu marido.
— Ele não se chama Caleb? — Dizia perplexa.
— Nao. Nunca se chamou assim. Talvez nem seja Conrado o nome dele. Talvez fosse Conrado para mim e Caleb para você! — Ela sorriu com ironia e ajeitou o capuz de seu casaco na cabeça.
Ainda com ajuda dela, trilhei pela pedras até acessarmos a mata que rodeava o precipício. A estrada ficava lá no alto, de onde o carro em que estava despencou minutos antes.
— Não acho que eu vá conseguir subir essa ladeira até o asfalto. Meu tornozelo dói muito está inchado — Disse fazendo uma careta de dor.
Eu me apoiava nos joelhos, já cansada.
— Fique tranquila. Apenas precisamos nos esconder antes que nos vejam. Depois vamos subindo com calma. Meu carro está camuflado no acostamento lá em cima.
E como Rebecca previa, os sons de sirenes de polícia e bombeiros se aproximavam.
Por sorte já estávamos entrando na mata e iniciando a subida. Os bombeiros que apareceram começavam a tentar apagar o incêndio e uma meia dúzia de policiais vasculhava o perímetro de areia próximo ao carro. Deviam procurar por alguma vítima ou suspeito.
— Eu posso me sentar um pouco? — Disse arfando.
— Claro, claro! — Rebecca retirou o capuz.
Ela sentou-se perto de mim, em uma pedra que não havia musgo.
— Estou tão confusa. Tenho tantas perguntas... — Fiquei com receio de Rebecca não me responder.
— Eu imagino. Sua cabeça deve estar toda embaralhada... Mas sobre o que quer saber?
Eu nem sabia por onde começar.
— Bem, todos achavam que você estava morta esse tempo todo. Quero dizer, o tempo que me lembro, já que perdi boa parte da memória.
Rebecca riu, olhando para cima.
— Eu forjei a minha morte... Para me livrar dele. Somente morta para que Conrado me deixasse em paz. E meio que deu certo...
Exatamente isso. Era o que me unia aquela mulher. Era perceptível seu olhar de quem 9 muito e fora abusada psicologicamente.
— Nossa! — Suspirei — Eu também desejava isso. Tanto que eu mesma provoquei o acidente... Fiz Caleb... — Pausei — Ou Conrado... Sei lá... Eu que o fiz perder o controle do carro. Aí despencamos ladeira abaixo...
O olhar dela para mim transmitia certa compaixão e empatia.
— Sua fuga não deu certo, não é?
— Não. Ele me encontrou no hospital em menos de vinte e quatro horas... Entrei em pânico ao vê-lo na enfermaria. E
Rebecca me olhou com certa reprovação, como se eu tivesse agido feito uma amadora.
— Deveria ter ficado na mata por dias até cansarem de te procurar... ou forjar a própria morte, como eu fiz.
Havia razão no que ela dizia. Porém meu desespero era tanto que só queria me livrar daquele monstro. Não importa a como.
— Mas como assim forjou a própria morte? O que você fez, Rebecca?
Ela levantou-se para retomar a subida e me estendeu a mão, me ajudando a levantar também.
— Nossa, é uma história muito longa. Fiquei meses planejando como fugir dele. Eu sabia que não poderia ser algo simples. Deveria haver um contexto, uma história amarrada... Conrado era inteligente demais.
"Eu sabia que ele fazia parte de uma agência de assassinos de aluguel... Conrado é o grande maioral e ascendeu a um cargo importante nessa agência.
"Nos conhecemos em uma dia em que participava de uma das conferências dos hoteis Monroe no interior de São Paulo — E que depois descobri ser uma conferência sobre as agências que usavam essa empresa para lavar dinheiro — Mas para mim não passava de um evento qualquer com muito glamour.
"Me apaixonei perdidamente por ele em questão de dias. Bonito, charmoso. Era o namorado que qualquer garota gostaria de ter. E não demorou muito para que nos casássemos. Foi tudo tão lindo!
"Aí nos mudamos para vários estados diferentes pelo Brasil. Com o tempo eu deduzia que o que ele fazia não era algo honesto, e por isso nos mudávamos com frequência. Porém, fazia vista grossa... Eu o amava o suficiente para fazer qualquer coisa por ele.
"Mas então, algumas coisas começaram a desandar. Conrado não me tocava mais com o mesmo romantismo de antes. As vezes em que fazíamos amor era sempre algo com brutalidade e força. Em uma das vezes, eu quis parar. Conrado tapou minha boca e continuou. Me sentia péssima no dia seguinte.
"No café da manhã, fui disposta a pedir o divórcio. Por amá-lo eu suportaria quase tudo, mas não ser violentada e agredida. E talvez tenha sido a pior ideia. Eu não conhecia o homem que tinha ao lado.
"Nesse dia que pedi separação, Conrado me deu um tapa tão grande que caí da cadeira. Depois ele me arrastou pelos cabelos até o quarto e me deixou trancada lá por dias...
"Foram se passando dias, meses até dois anos. Houve inúmeras tentativas de escapar, mas todas deram errado... Conrado conhece o Rio de Janeiro muito bem... Quero dizer, ele
Conhece qualquer pessoa influente neste país. Foi o que intuí quando soube sobre seu trabalho como assassino de aluguel.
"E após inúmeras tentativas frustas de escapar
Do meu marido, pensei em forjar minha morte.
E foi exatamente nesse contexto de matado*res de aluguel que comecei a desenvolver meu plano...
"Após muitas pesquisas, e vasculhar documentos nas coisas de Conrado, eu descobri algo interessante: ele tem um irmão gêmeo. Muito parecido com ele, exceto pelo fato de que tem olhos azuis... Se chama Caleb e é também um assasino de aluguel, porém,
de outra agência. Os dois nunca se deram bem. Aí pensei: e se eu usar essa desavença familiar para fazer meu plano dar certo?"
Eu ouvia Rebecca contando e não quis interrompê-la. Mas naquele instante algumas coisas começavam a sair do abstrato e tomavam forma. O homem parecido com Conrado que eu via em meus sonhos era provavelmente esse Caleb. Até os olhos azuis corroboravam isso.
Mas o que ligava esse Caleb a mim? Por que Conrado me levou para aquela casa???