Pensava que talvez não fosse uma boa decisão atender aquela chamada de um número anônimo. Não precisava ser uma agente ou expert em tecnologias para imaginar que rastreariam aquela ligação.
O coração saltava pela boca e ao fechar os olhos apenas lembrava do rosto de Caleb sorrindo pra mim e me dizendo todas aquelas palavras bonitas que me fizeram sonhar ridiculamente. Ou seu toque na minha pele quando me ensinava a atirar. E bem
mais que isso: o beijo dele e o corpo nu sobre o meu no sofá de sua casa. Que loucura! Que misto de sentimentos!
Era mais forte que eu e como se tivesse hipnotizada corri até o telefone e o atendi!
- Alô! - Disse já me arrependendo por ter tomado uma decisão de forma precipitada - Alô! - repetia porque ninguém disse palavra alguma.
Havia apenas uma respiração calma do outro lado. Era mesmo Caleb? Poderia ser qualquer assassino que tivesse meu número. Burra!
- Diga algo pelo amor de Deus!! Caleb, é você?
Meu peito ardia e eu já não ligava se estava me rastejando por aquele homem, por um cara que apontou um revólver em minha direção.
Quando nos apaixonamos ficamos completamente cegas, inconsequentes. Eu queria ouvir a voz dele, só mais uma vez.
Nada foi dito e eu desliguei a chamada. Estava completamente frustrada.
Quando ia me sentar na cama outra vez, percebi muito rapidamente uma luz vinda do lado de fora da janela e em seguida um estampido agudo que logo se transformou em um belo rombo na janela. Eu já tinha ouvido aquele barulho. Era um tiro. Mais tiros.
Gritava me jogando no chão, completamente desesperada. A casa de Mierra estava sob ataque.
*Mierra*
Aqueles últimos dias estavam sendo tão exaustivos. Liderar uma operação daquelas me pareceu simples quando me ofertaram o trabalho, mas havia me enganado redondamente.
Claro, meu chefe julgava que o caso teria pouca ou nenhuma relevância, e por isso me deu. Era como uma punição pelo que ocorrera um ano antes. Porém, ninguém imaginava que uma simples investigação de lavagem de dinheiro em um hotel de luxo se desdobraria numa das maiores operações da polícia federal no país dos últimos anos.
Obviamente meu chefe logo pensou em me afastar do caso, pois a operação estava sendo bem sucedida e traria muitos retornos a quem a concluísse. E eu era quem estava a frente daquilo, e por mais que estivesse na mira da chefia e sob suspeita por conta de um casamento completamente equivocado com Marcos, não seria justo me afastarem de um trabalho que eu havia feito tão bem até ali.
Por sorte meu chefe não conseguiu me retirar da operação, afinal, tudo já estava direcionado por mim e com relatórios impecáveis - inclusive entreguei uma cópia a Samantha.
Talvez todo esse trabalho me rendesse uma bela promoção. Não no Rio de Janeiro, mas quem sabe em algum outro estado. Eu iria com toda certeza, sempre foi meu desejo.
Mas havia apenas uma pedra no meu sapato e uma bela mancha no currículo: meu ex- marido Marcos.
- Senhoria Mierra, tem uma pessoa na porta que deseja vê-la. Já comuniquei que talvez não haja possibilidade, mas ele insiste que o atenda. O que faço? - Georgina não tinha uma boa cara ao dizer isso.
- É quem estou imaginando? - Perguntei tomando um gole de chá.
- Sim, senhora. Desde que descobriu que a senhora mora aqui ele vem quase todos os dias. Não falha em nenhum.
Era Marcos. Ele não desistia.
- E ele está sozinho, Georgina?
- Pelo que percebi sim, senhora.
Deus do céu, o que ele queria? Ser preso?
- Deixe que entre. Mas antes peça aos seguranças para revistá-lo.
Estava ja vestida para dormir, coberta por um robe de seda lilás. Havia muitas coisas que Marcos não sabia a meu respeito, e uma delas era sobre o fato de eu ser policial. E eu também desconhecia muita coisa sobre a vida dele. Acho que nenhum de nós dois imaginou um segundo sequer que estávamos em lados opostos quando nos conhecemos numa noite qualquer na Lapa.
Marcos estava bonito como sempre e meu coração disparou. Há sentimentos que não morrem com o tempo e era como se fosse a primeira vez que o via. Já conseguia sentir o perfume dele daquela distância.
- Oi, Marcos! - Estava em pé tomando um chá de frente para a lareira. Tentei parecer serena, quando queria surtar.
- Como vai, Mierra? Bela casa! - comentou ele olhando ao redor.
- Obrigada.
- Não sabia que era tão rica assim. Aliás, acho que nem nos conhecemos de verdade.
Eu revirei os olhos.
- A recíproca é verdadeira, querido. - soava irônica bebericando o chá - Mas não acha que está tarde para uma visita?
- Não precisamos de tanta formalidade, Mierra. Já fomos até casados.
- Bem dito, poderia ser um pretérito mais que perfeito, mas não é. - Tomei um assento.
- Continua usando expressões difíceis como sempre... posso me sentar?
- Creio que não seja necessário, Marcos. Já estou indo me deitar. Se puder ser breve...
Ele balançou a cabeça, parecendo surpreso.
- Quem te viu e quem te vê, não é? Tão arrogante, tão cheia de si...
Mas por dentro eu estava despedaçada. Minha vontade era correr até ele beija-lo, abraçá-lo, sentir seu cheiro perto de mim de novo. Marcos não entendia que minha decisão era única e somente para protegê-lo.
- Se veio aqui me ofender, sugiro que mande um e-mail. Vai evitar que eu aponte uma arma pra você outra vez. Aliás, a medida restritiva continua valendo!
Março contraiu a mandíbula.
- PARE DE BRINCADEIRA! - Gritou ele.
Nesse momento Georgina apareceu na porta entre a copa e a sala. Dois seguranças se posicionaram atrás dela. Os olhei e acenei para que não fizessem nada, sinalizando que estava tudo ok.
- Você não podia ter me contado tudo? Teríamos dado um jeito! - Ele lamentava. Parecia frustrado.
- Não sei do que está falando, Marcos - tentava fingir um desentendimento.
- Caramba, Mierra. Eu já sei de tudo. Já sei que você é uma policial.
Calma, Mierra. Respira.
- Então suponho que também saiba que conheci seu passado, não é?
A mandíbula dele ainda estava contraída.
- Sei, Mierra.
- E não parece um pouco perigoso você estar aqui? - Franzi a testa talvez parecendo mais debochada e arrogante que antes.
- Eu só vim aqui dizer que não vou procurar você mais. Que vou te esquecer pra sempre.
NÃO ! NÃO! Fique!
- Como quiser, Marcos. Já pode ir!
Acho que ele esperava qualquer reação minha, como um teste. E talvez se ele pudesse ler minha mente e ver meu coração, saberia que eu o amava mais que antes. Mais que tudo.
- Ok, Senhorita Mierra - Disse com desdém olhando ao redor uma última vez - Vou deixá-la em paz nesse seu palácio. Até nunca mais!
Marcos me deu as costas. Contudo, um estampido agudo vindo do quarto de cima chamou a atenção de todos.
Marcos retornou rapidamente e se agachou sacando uma arma da cintura.
Não me atrasei e logo empunhava meu revólver que deixei escondido embaixo da poltrona.
- Isso foi um tiro? - Perguntou ele a espreita subindo as escadas
- Sim - Eu apenas pensava em Samantha - E sugiro que você vá embora! - sussurrava ao lado dele, atenta ao que viria do andar de cima. Os dois seguranças vinham também armados logo atrás.
- Não irei. Não antes de saber o que está acontecendo.
- Por que você complica as coisas, Marcos?!
- E por que você é tão cheia de si? Tão arrogante?
Não era a situação mais adequada para uma discussão. O que importava era checar se Samantha estava bem e eu tentava não imaginar o pior. De Marcos eu cuidaria depois.