O Sítio

By andre_s_silva

80.6K 5K 1.7K

Série literária de mistério e terror inspirado no Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Pedrinho é um... More

1x01 - Férias Fora de Época
1x02 - Lúcia
1x03 - Sonhos Inquietos
1x04 - As Plantas Mortas
1x05 - O Esconderijo
1x06 - Dois Primos
1x07 - A Procissão Negra
1x08 - Monstros
1x09 - Emília
1x10 - A Marca de Carvão
1x11 - O Peão (Parte I)
1x12 - Montes Calmos (Parte I)
1x12 - Montes Calmos (Parte II)
1x13 - Pedro (Parte I)
1x13 - Pedro (Parte II)
1x14 - Massacre no Engenho Oliveira
1x15 - A Promessa (Parte I)
1x15 - A Promessa (Parte II)
1x16 - Lembrança Partida
1x17 - Comida de Porco
1x18 - Afogados (Parte I)
1x18 - Afogados (Parte II)
1x19 - A Curva Impossível (Parte I)
1x19 - A Curva Impossível (Parte II)
1x19 - A Curva Impossível (Parte III)
1x20 - O Véu
1x21 - Benta (Parte I)
*NOTA AOS LEITORES*
1x21 - Benta (Parte II)
1x21 - Benta (Parte III)
1x21 - Benta (Parte IV)
1x21 - Benta (Parte V)
1x21 - Benta (Parte VI)
1x21 - Benta (Parte VII)
1x22 - A Semente (Parte I)
1x22 - A Semente (Parte II)
1x22 - A Semente (Parte III)
1x22 - A Semente (Parte IV)
1x23 - Um Novo Lar
Se você gostou de "O Sítio"...

1x11 - O Peão (Parte II)

1.3K 120 38
By andre_s_silva

A ansiedade pelo passeio roubou de Pedrinho seu sono. Virou-se e revirou-se na cama pelo que pareceram horas. Tanto que, quando o sono finalmente chegou, foi quase como se apenas tivesse piscado os olhos, e lá já estava Dona Benta sacudindo gentilmente seu ombro, anunciando que aquele seu longo dia acabava de começar.

Aos tropeços, Pedrinho tomou um banho e um café da manhã rápidos e logo se atirou, sonolento, no assento da carroça de Barnabé. Uma névoa fina permeava os jardins da Casa Grande naquele começo de manhã.

- Barnabé, meu filho, muito cuidado com esse menino, viu? - alertava mais uma vez Dona Benta. A senhorinha entregava ao peão uma sacola com alguns sanduíches e uma garrafa de suco feito especialmente para Pedrinho.

- Pode deixar, patroa. Bem antes da coruja piar a gente tá de volta, né, rapaz?

Pedrinho bocejou.

- Vão com Deus. - disse Dona Benta.

- Tchau, patroa. - respondeu Barnabé, pondo o cavalo malhado para trotar.

Pedrinho olhou para trás, esperando pela chance de despedir-se de Narizinho. Pelo que conhecia dela ainda devia estar no quinto sono, mas ao menos seu gesto serviu para lembrar Pedrinho de algo importantíssimo.

- Dona Benta! - gritou ele, despertando-se subitamente.

Barnabé parou a carroça e Pedrinho saltou.

- O que foi, meu filho? - perguntou Dona Benta, preocupada.

- A senhora pode me emprestar um cruzeiro? Prometo que minha mãe paga depois. É que eu quero comprar uma lembrança pra Narizinho.

Dona Benta sorriu. - Claro, Pedrinho. Não tenho dinheiro aqui comigo, mas quando o Barnabé recolher os pagamentos nas vendas ele te dá um cruzeiro-novo, novo, viu, porque com um cruzeiro você não compra nadinha.

Pedrinho não entendeu o que queria dizer Dona Benta, mas ficou satisfeito mesmo assim.

- Ouviu, Barnabé? Não esquece de pagar seu ajudante. - Dona Benta deu-lhe uma piscadela.

Pedrinho tornou a montar na carroça, agora pronto para partir. Antes que Barnabé os conduzisse para a estrada de terra, contudo, o menino olhou uma última vez para trás. Para sua decepção, não havia mais ninguém no jardim além de Dona Benta, que agora já retornava para as escadarias da Casa Grande.

Foi quando os olhos de Pedrinho se depararam com algo de estranho na janela da sala de jantar. Uma figura pequenina, cujo vulto era parcialmente visível por entre as cortinas brancas. Com o coração mais contente, Pedrinho acenou um tchau, o que fez com que a figura escapulisse para longe de sua vista, mas não sem deixar para trás a irrefutável prova de sua presença, na forma das cortinas que balançavam do outro lado da janela.

Pedrinho voltou-se para a estrada enevoada com um sorriso nos lábios. Então, tateou o bolso, verificando ainda estar lá, bem dobrada, a carta para sua mãe. Lentamente, a carroça tomou a estrada, descrevendo uma curva tênue para longe da casa. Embalado pelo suave sacolejo, Pedrinho quase pegou no sono outra vez.

Sabia, porém, que não podia dormir de jeito nenhum. Poderia jamais ter outra chance como aquela para conversar com Barnabé e fazer todas as perguntas que vinham se acumulando em sua cabeça. Mas Pedrinho também sabia que não podia dar a entender que tinha um plano, não podia deixar transparecer que o horror de duas noites atrás fora apenas um percalço naquilo que via como sua grande aventura.

Precisava ser cauteloso, deixar que suas perguntas surgissem naturalmente na longa conversa que ainda teriam até a cidade. Do contrário, poderia alarmar o velho Barnabé, tornando ainda mais difícil sua busca para decifrar os segredos do sítio. Com isso em mente, Pedrinho voltou-se discretamente para o peão, sem saber que os pensamentos dele vagavam perdidos, muito longe dali, seus olhos grisalhos fitando nada além do vazio da estrada.

- Você gosta de futebol? - perguntou Pedrinho, quebrando o silêncio que já se arrastava por alguns minutos.

- Como? - Barnabé balançou a cabeça, retornando de seu devaneio.

- Futebol. Você gosta?

- Gosto, gosto sim. Apesar de que, aqui no sítio, é muito difícil saber dos jogos. Nem sei quem foi o campeão da taça do ano passado.

- Foi o Cruzeiro. - apressou-se a responder Pedrinho. - Ele ganhou duas vezes do Santos, na final. Uma foi até de goleada! Seis a dois.

- Olha só! - Barnabé sorriu, admirado. - Tô vendo você gosta bastante de futebol, né, rapaz?

- Gosto sim. Sempre ouço os jogos com meu pai, no rádio.

- Seu pai também gosta assim, que nem você?

Pedrinho assentiu com a cabeça. - Ele até chorou quando a seleção perdeu a copa do mundo.

- Nossa... - Barnabé fez uma expressão de dor. - Até eu fiquei triste com aquilo. Tava torcendo pro Brasil ser tricampeão, mas a gente passou foi vergonha lá no estrangeiro.

- A culpa foi toda do técnico! - sentenciou Pedrinho.

- Em 70 vai ser melhor, se Deus quiser...

A carroça alcançava a vila da senzala. Estava ainda muito cedo, de modo que a passagem de terra batida estava deserta, os moradores ainda entocados em seus humildes casebres. Em uma das extremidades da senzala um lampião havia sido esquecid aceso, manchando a névoa com um brilho amarelado e difuso.

Ao que atravessavam a vila, Pedrinho não pôde evitar lançar seu olhar à morada de Anastácia, agora escura e silenciosa, tampouco para o casebre que havia do outro lado, onde mesmo a névoa da manhã não conseguia ocultar completamente os traços de carvão representando seu monstro de uma perna só.

Pedrinho pensou em aproveitar a deixa para iniciar suas perguntas, mas decidiu que seria melhor fazê-lo longe dali. Assim, permaneceu calado, e por um momento não houve qualquer som, exceto o do trotar do cavalo ecoando por entre as paredes puídas do vilarejo.

- E você é bom de bola? - perguntou Barnabé, desfazendo o incômodo silêncio. Deixavam a senzala para trás.

- Um pouco. - respondeu Pedrinho. - Sinto falta de jogar com os meus amigos. Já pensei em ensinar a Narizinho a jogar, mas não tenho bola.

- Menina jogando bola? - Barnabé torceu a cara, sorrindo logo em seguida. - Rapaz, acho que isso não ia dar certo!

- Ela é boa de corrida, pelo menos. - reconheceu Pedrinho. - E eu já ensinei ela até a jogar bolinha de gude. Futebol é mais fácil ainda. É só chutar.

- Diz isso pra nossa seleção!

Peão e menino caíram na gargalhada. A carroça percorria agora a longa e estreita estrada de terra entre os paredões de árvores, que levava do sítio até a estrada asfaltada mais além. Da última vez que passara por ali, semanas antes, Pedrinho estava espremido no banco traseiro de um carro lotado, o coração temeroso pela ideia de se separar de sua mãe.

Mal sabia ele que estava indo em direção a um grande mistério.

- Outro dia vi uns meninos jogando bola na vila da senzala. - disse Pedrinho, propositalmente. Era a hora de usar aquele momento de descontração para levar a conversa até Anastácia, Emília e a procissão negra.

Barnabé pigarreou. - Você foi até a vila? Não deixa a Dona Benta saber disso, heim...

- Eu fui com a Narizinho. - revelou Pedrinho. - Mas é segredo. Promete que não conta pra ninguém?

- Prometo. - disse Barnabé, seu tom de voz perdendo de súbito a animação. - Prometo sim.

Seguiu-se um silêncio que perdurou por alguns minutos, até que Pedrinho retomou a conversa:

- A gente foi lá visitar a Tia'Nastácia.

Barnabé desviou seu olhar, em silêncio. Então, agitou as rédeas do cavalo, fazendo o animal puxar com mais vigor a carroça, que ganhava velocidade a medida que saíam da estrada de terra e ganhavam às margens do asfalto.

- Ela é muito boa pra Narizinho. - continuou Pedrinho, escondendo sua desconfiança. - Sempre leva cocadas pra ela e pra mim também, quando eu vou. Acho que até quando eu não vou ela leva, mas a Narizinho come tudo.

- Aquela menina é uma danada... - balbuciou Barnabé, ainda sem encarar seu companheiro de viagem.

Um automóvel passou por eles, cortando a estrada em alta velocidade. Pedrinho esperou que o estrondoso ronco do motor desaparecesse, antes de prosseguir.

- Conhece a Tia'Nastácia há muito tempo? - perguntou ele, casualmente.

- Conheço sim. - respondeu Barnabé. - Anastácia costumava tomar conta de mim, quando eu era pequeno.

- Ela é tão velha assim?! - indagou Pedrinho, impressionado.

- Bom... mais velha do que eu... um bocadinho.

- Não parece.

Barnabé esboçou um sorriso sem graça. - Deve ser minha barba branca.

- Ela é mais velha que a Dona Benta?

- Aí eu já não sei... - respondeu Barnabé, visivelmente incomodado. - Rapaz, não sabe que mulher detesta essa coisa do povo saber da idade delas. Se souberem que anda perguntando, vão puxar sua orelha. As duas!

Pedrinho ficou quieto, mas só o tempo necessário para elaborar sua próxima pergunta.

- Foi Tia'Nastácia que deu a Emília de presente pra Narizinho, né?

- Foi, logo que ela chegou no sítio.

- Acho aquela boneca muito esquisita.

- Eu também, rapaz, desde pequen..

Barnabé deteve-se, engolindo em seco. Acabava de dizer algo do qual se arrependera, e Pedrinho reparou isso.

- A Emília também é velha assim?

O peão balançou a cabeça. - Sim.. - disse, hesitante. - Acho que sim..

Para Pedrinho, aquilo confirmava suas suspeitas com relação ao que lera na página de diário secreta. Emília já perambulava pelo sítio havia bastante tempo, e de alguma forma pertencera a Dona Benta, antes de ir parar nas mãos de Tia'Nastácia e depois, nas de Narizinho.

Percebendo a inquietação de Barnabé, Pedrinho decidiu mudar o rumo daquela conversa, antes que seu amigo resolvesse se fechar pelo restante da viagem.

- A Tia'Nastácia mora na outra vila, né? Aquela perto do rio.

- Mora.

- Como é lá? - indagou Pedrinho.

- Como assim, rapaz?

- É muito diferente da vila da senzala?

- Ah.. é maior, né. Tem mais gente morando. Quase todos os peões e as famílias deles moram lá.

- E por que tem duas vilas? Por que não mora todo mundo no mesmo lugar?

- Acho que as pessoas gostam de onde estão. - disse Barnabé. - Já faz muito tempo que é assim..

Pedrinho sentiu uma leve tristeza nas palavras do velho peão.

- E é verdade que as pessoas lá rezam diferente da gente?

- Da gente?

- É. - disse Pedrinho, sem perceber a ênfase que Barnabé dera à sua última palavra. - Não rezam o Pai Nosso, nem a Ave Maria.

- É verdade. - respondeu Barnabé. - Nossos santos são diferentes.

- São como então?

Barnabé tirou o chapéu e coçou a cabeça.

- Por que tá querendo saber tanto sobre a peãozada, heim, rapaz? - perguntou ele, esforçando-se para sorrir.

- Por nada. - disfarçou Pedrinho, contendo um pouco sua curiosidade. - É que eu queria ir lá um dia, só pra ver como é. Mas a Dona Benta não deixa a gente ir tão longe. Sei que a Narizinho vai, mesmo assim. Ela conhece um caminho pelo rio.

Barnabé nada disse. A névoa da manhã havia se dissipado por completo, ainda assim o sol refulgia opaco no céu parcialmente encoberto. A estrada agora elevava-se suavemente, concedendo a dupla uma visão privilegiada do vale mais além. À volta deles, o fluxo de carros aumentava.

- A Narizinho disse que todo mundo na vila têm medo de uma caverna que existe no rio. - exagerava Pedrinho, mas fazia parte de seu plano.

- Todo mundo, não..

- Mas algumas pessoas têm?

- Bom, só algumas né. - respondeu Barnabé, com o mesmo sorriso forçado. - Mas é assim mesmo. Aposto que na cidade também tem gente que tem medo de coisa que não existe. Bicho-papão, mula-sem-cabeça, velho-do-saco..

As palavras de Barnabé trouxeram à mente de Pedrinho uma lembrança de quando era mais novo.

- Quando eu era pequeno... - começou ele.

- Você é pequeno, rapaz. - interrompeu-lhe Barnabé, jocosamente.

- Quando eu era mais... - corrigiu-se Pedrinho, sorrindo e lembrando de como fizera o mesmo com Narizinho. - Minha mãe queria que eu fosse dormir, então ela cantava a música de um monstro que vinha pegar as crianças que não iam pra cama na hora que os pais mandavam. Mas eu não lembro o nome do monstro.

- Tá vendo? Todo lugar tem seus monstros.

- E o monstro de uma perna só?

Naquele exato instante o cavalo relinchou, furioso, e atirou-se para o meio da estrada. Vindo sabe-se lá de onde, um enorme caminhão surgiu no sentido contrário, uma montanha mortal de vidro e aço agigantando-se rapidamente contra a frágil carroça.

Tudo o que Pedrinho pôde fazer foi fechar os olhos, e gritar.

Continue Reading

You'll Also Like

20.8K 5K 45
𝕸𝖎𝖘𝖙𝖊́𝖗𝖎𝖔, 𝖙𝖊𝖗𝖗𝖔𝖗, 𝖗𝖔𝖒𝖆𝖓𝖈𝖊 𝖊 𝖚𝖒𝖆 𝖈𝖆𝖘𝖆 𝖎𝖓𝖋𝖊𝖗𝖓𝖆𝖑.🔦 ─ Em 1998, na cidade de Derry, três pessoas morreram igualment...
12.2K 1.2K 23
após um apocalipse zumbi estranhamente se formar, Luz e Amity lutam cada dia para sobreviver. Mas tudo isso pode mudar com uma pista que as duas acab...
1.7K 121 15
"Ninguém vai me amar se eu não for atraente suficiente"
26.7K 1.6K 16
O percurso da relação de Hope Mikaelson e Lizzie Saltzman. Será que as duas conseguem confessar os seus sentimentos? Será que algum fator vai influen...