1x22 - A Semente (Parte I)

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- Acho que devemos voltar.

- É rapidinho. Só uma olhada, daí voltamos.

- E se não derem falta da gente?

- Mesmo que dessem, o ônibus não vai a lugar nenhum.

- E se alguém achar gasolina?

- Ônibus não funciona a gasolina, seu tonto, mas sim com óleo diesel. E duvido muito que achem algum lá. Aliás, é até mais provável que encontremos algum aqui. Sítios costumam ter geradores, esse tipo de coisa.

- Ainda acho que devemos voltar.

- Vai dizer que não está nem um pouco curioso?

- Não. Estou é cabreiro, isso sim. Tá tudo muito esquisito. Se o dono estiver aí, vai achar estranho a gente aqui, escondido desse jeito.

- Olha só para esse lugar, cara. Está deserto, igualzinho a cidade.

- Então por que continua agachado assim?

- Porque o seguro morreu de velho. Então, acha que pode ser aqui?

- Não... acho que não. Tá perto demais da cidade pra ser.

- Como sabe?

- Pelo que o vovô contava, ficava mais longe.

- Vai ver ele se confundiu. Já estava velho.

- Tomara que não...

- Olha só quem está com medo! Pensei que não acreditasse nas histórias.

- Não preciso acreditar em história de fantasma pra ter medo de estar num lugar isolado, no escuro, e no meio do mato. Além do mais, acho que era maior. E a fachada tá conservada demais, não pode ser aqui.

- Pois eu tenho certeza que é. Isso é muito legal... o Sítio do Picapau Amarelo. Olha só você, se tremendo todo. Medroso!

- Vamos voltar pro ônibus, cara...

- Trouxe a câmera?

- Não... esqueci lá.

- Lembrou de trazer seu minigame e não lembrou de trazer a câmera?

- E eu lá ia saber que íamos vir até aqui?

- Não acredito! Viemos até aqui e não vamos ter nem uma foto para provar.

- Cara...

- Da próxima vez, a câmera vai ficar comig...

- Cara, cala a boca! Tem alguém vindo.

Os irmãos afundaram-se entre os arbustos. As pesadas nuvens que encobriam o luar tingiam o começo de noite com um amarelo opaco, igual fotografia velha. Até ali, os postes à margem da estrada haviam iluminado a breve caminhada dos dois, até que a sombra do casarão por sobre as árvores atiçou-lhes a curiosidade, levando-os a se embrenharem mata adentro.

Agora, ao dirigirem seus apavorados olhos para trás, eles não mais conseguiam ver a luminescência âmbar emanada pelos postes. Tudo em volta dos dois tornou-se inexpugnável escuridão, exceto pelo cintilar das velas carregadas pelas sinistras figuras de preto. Uma a uma, elas cruzaram o terreno à frente da mata, desaparecendo atrás da casa em uma longa fila cujo final os irmãos não ficaram ali para ver. Fugiram, na direção que acreditavam estar a estrada, compartilhando um terror que, embora silencioso, continuaria a ecoar em suas almas para sempre.

Por muito pouco não viram que, no encalço da sombria procissão, vinha um menino.

Pedrinho estava cansado e com frio, mas ao menos deixara a escuridão sufocante da mata onde esperara, por mais de uma hora, que as velas aparecessem. Não fora fácil refazer os passos que trilhara ao lado de Narizinho na noite em que a procissão os perseguiu, mas no fim, sua coragem prevaleceu. Afinal, não era como se tivesse escolha.

O SítioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora