1x06 - Dois Primos

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"Sítio do Picapau Amarelo, 20 de Fevereiro de 1887

Querido diário,

Hoje foi um dia muito bom.

O céu ficou limpo, sem nenhuma nuvem para manchar o seu azul. Um vento refrescante soprou durante toda a manhã. Não foi quente e desagradável como ontem, e pude até passear perto do riacho. Lá, ouvi pela primeira vez o lindo canto de um pássaro vermelho. Foi perfeito.

E a melhor parte é que fiz uma nova amiga.

Hoje só conseguimos brincar um pouco, mas nos divertimos tanto que sinto como se tivéssemos passado o dia inteiro juntas. Estou muito feliz. Finalmente tenho uma irmã. Ela me entende como niguém.

Ninguém ouve o que ela tem a dizer, só eu.

Amanhã vamos brincar mais, fora de casa. Ela disse que vai me mostrar lugares do Sítio que eu nunca vi antes, mas que esse tem que ser nosso segredo. Ninguém pode saber, nem mesmo papai e mamãe.

Talvez seja melhor esconder esta página em algum lugar."

Pedrinho terminou a leitura e abaixou a folha envelhecida, intrigado pelo teor da mensagem. Seus olhos tornaram a encontrar a data no alto da página: 20 de fevereiro de 1887... aquilo era mais velho que seus pais, mais velho até que seus avós!

- Achou isso aí dentro? - perguntou à Narizinho.

Ela fez que sim com a cabeça, antes de debruçar-se na caixa do piano vertical e saltar de volta para o chão, não se esquecendo de recuperar Emília do meio das cordas.

- Não ficou com medo do piano desmontar? Ia levar uma bronca!

- Foi ideia da Emília, a gente se esconder aqui. - respondeu Narizinho, casualmente. - A cartinha não diz mais nada?

Pedrinho, distraído pela curiosa resposta de Narizinho, levou um instante para responder. - Não é uma cartinha. - disse, por fim. - É uma página de diário.

- O que é um diário?

- É uma coisa que as meninas fazem. - o menino alternava seu olhar entre a página manuscrita e a boneca nos braços de Narizinho. - Pensei que você soubesse.

- Não sabia... - respondeu Narizinho, apertando Emília contra si. - E pra que isso serve?

- Acho que é pras pessoas não esquecerem das coisas boas que acontecem.

- Eu nunca me esqueço. - afirmou Narizinho. - Uma vez passou um caixeiro por aqui com um carrinho cheio de potes de geléia. A Dona Benta disse que ia fazer mal pra minha barriga, mas o Barnabé comprou escondido pra mim. Tava muito gostosa.

- Quando foi isso?

- Eu era pequena.

- Você é pequena.

- Era mais pequena, seu burro.

- Mesmo assim, não tem comparação! - retrucou Pedrinho. - Essa folha tá escondida há oitenta anos. Se alguém não tivesse escrito, ninguém mais ia saber o que aconteceu nesse dia. Mas agora a gente sabe.

Lá fora, a chuva caía com mais intensidade, fazendo ecoar pela casa o barulho das gotas pesadas sobre as telhas. Um trovão ressoou, distante. A pancada de primavera enchia o ar com o cheiro de terra molhada.

- Isso dá um pouco de medo. - disse Narizinho, quase enfiando a cabeça entre os olhos de Pedrinho e a página do diário. - Quem você acha que escreveu?

- Eu acho... - começou Pedrinho, mas a verdade era que tinha quase certeza. - ...que foi a Dona Benta.

- Dona Benta?! - indagou Narizinho, espantada. - Por que acha isso?

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