1x11 - O Peão (Parte II)

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A ansiedade pelo passeio roubou de Pedrinho seu sono. Virou-se e revirou-se na cama pelo que pareceram horas. Tanto que, quando o sono finalmente chegou, foi quase como se apenas tivesse piscado os olhos, e lá já estava Dona Benta sacudindo gentilmente seu ombro, anunciando que aquele seu longo dia acabava de começar.

Aos tropeços, Pedrinho tomou um banho e um café da manhã rápidos e logo se atirou, sonolento, no assento da carroça de Barnabé. Uma névoa fina permeava os jardins da Casa Grande naquele começo de manhã.

- Barnabé, meu filho, muito cuidado com esse menino, viu? - alertava mais uma vez Dona Benta. A senhorinha entregava ao peão uma sacola com alguns sanduíches e uma garrafa de suco feito especialmente para Pedrinho.

- Pode deixar, patroa. Bem antes da coruja piar a gente tá de volta, né, rapaz?

Pedrinho bocejou.

- Vão com Deus. - disse Dona Benta.

- Tchau, patroa. - respondeu Barnabé, pondo o cavalo malhado para trotar.

Pedrinho olhou para trás, esperando pela chance de despedir-se de Narizinho. Pelo que conhecia dela ainda devia estar no quinto sono, mas ao menos seu gesto serviu para lembrar Pedrinho de algo importantíssimo.

- Dona Benta! - gritou ele, despertando-se subitamente.

Barnabé parou a carroça e Pedrinho saltou.

- O que foi, meu filho? - perguntou Dona Benta, preocupada.

- A senhora pode me emprestar um cruzeiro? Prometo que minha mãe paga depois. É que eu quero comprar uma lembrança pra Narizinho.

Dona Benta sorriu. - Claro, Pedrinho. Não tenho dinheiro aqui comigo, mas quando o Barnabé recolher os pagamentos nas vendas ele te dá um cruzeiro-novo, novo, viu, porque com um cruzeiro você não compra nadinha.

Pedrinho não entendeu o que queria dizer Dona Benta, mas ficou satisfeito mesmo assim.

- Ouviu, Barnabé? Não esquece de pagar seu ajudante. - Dona Benta deu-lhe uma piscadela.

Pedrinho tornou a montar na carroça, agora pronto para partir. Antes que Barnabé os conduzisse para a estrada de terra, contudo, o menino olhou uma última vez para trás. Para sua decepção, não havia mais ninguém no jardim além de Dona Benta, que agora já retornava para as escadarias da Casa Grande.

Foi quando os olhos de Pedrinho se depararam com algo de estranho na janela da sala de jantar. Uma figura pequenina, cujo vulto era parcialmente visível por entre as cortinas brancas. Com o coração mais contente, Pedrinho acenou um tchau, o que fez com que a figura escapulisse para longe de sua vista, mas não sem deixar para trás a irrefutável prova de sua presença, na forma das cortinas que balançavam do outro lado da janela.

Pedrinho voltou-se para a estrada enevoada com um sorriso nos lábios. Então, tateou o bolso, verificando ainda estar lá, bem dobrada, a carta para sua mãe. Lentamente, a carroça tomou a estrada, descrevendo uma curva tênue para longe da casa. Embalado pelo suave sacolejo, Pedrinho quase pegou no sono outra vez.

Sabia, porém, que não podia dormir de jeito nenhum. Poderia jamais ter outra chance como aquela para conversar com Barnabé e fazer todas as perguntas que vinham se acumulando em sua cabeça. Mas Pedrinho também sabia que não podia dar a entender que tinha um plano, não podia deixar transparecer que o horror de duas noites atrás fora apenas um percalço naquilo que via como sua grande aventura.

Precisava ser cauteloso, deixar que suas perguntas surgissem naturalmente na longa conversa que ainda teriam até a cidade. Do contrário, poderia alarmar o velho Barnabé, tornando ainda mais difícil sua busca para decifrar os segredos do sítio. Com isso em mente, Pedrinho voltou-se discretamente para o peão, sem saber que os pensamentos dele vagavam perdidos, muito longe dali, seus olhos grisalhos fitando nada além do vazio da estrada.

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