Cicatrizes e Demônios | Liv...

By MandyDalan

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SEM REVISÃO Primeira atividade: 24/08/2020 Continuidade: 15/08/2021 Conclusão: 31/10/2022 Livro ll da Trilog... More

SINOPSE
CAPA E NOTAS
EPÍGRAFE
PRÓLOGO
CAPÍTULO I (+18)
CAPÍTULO II (+18)
CAPÍTULO III
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII (+18)
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
Bônus!
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV (+18)
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
Começo da segunda parte!
CAPÍTULO XX (+18)
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
INFORMAÇÃO IMPORTANTE! LEIAM!
CAPÍTULO XXIII (+18)
CAPÍTULO XXIV
CAPÍTULO XXV
AVISO MEGA IMPORTANTE!
CAPÍTULO XXVI
CAPÍTULO XXVII (+18)
CAPÍTULO XXVIII (+18)
CAPÍTULO XXIX
CAPÍTULO XXX
CAPÍTULO XXXI
IMPORTANTE!
RIFA SOLIDÁRIA
CAPÍTULO XXXII
CAPÍTULO XXXIII (+18)
CAPÍTULO XXXIV
CAPÍTULO XXXV
CAPÍTULO XXXVI
CAPA NOVA
CAPÍTULO XXXVII
CAPÍTULO XXXVIII
CAPÍTULO XXXIX
CAPÍTULO XL
CAPÍTULO XLI
CAPÍTULO XLII
CAPÍTULO XLIII
CAPÍTULO XLIV
CAPÍTULO XLV
CAPÍTULO XLVI
CAPÍTULO XLVII
CAPÍTULO XLVIII
CAPÍTULO XLIX
CAPÍTULO L (50) - Jason

CAPÍTULO IV

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By MandyDalan

"Vai melhorar um dia

A dor vai desaparecer

Se você apenas aguentar um pouco mais, espere um pouco mais

Se você tem o inferno para pagar

Seu milagre está em seu caminho

Se você apenas aguentar um pouco mais

Espere um pouco mais"

— Hang On Little Longer - Unsecret



Permaneci mais alguns dias dentro do hospital, em observação e sendo monitorado a todo momento.

— É sério? — Questionei incrédulo enquanto me levantava para ir ao banheiro.

O segurança permanecia na porta, me encarando e de braços cruzados.

— Não confiamos em você ao ponto de te deixar sozinho! — A voz do meu pai era ríspida.

— E você já confiou alguma vez? — Murmurei.

David cerrou os punhos e se afastou da janela, dando alguns passos em minha direção.

— Não me teste Caleb! — Seu olhar era tão frio que até o inverno no Alasca era mais caloroso que ele. — Nesse jogo só tem um ganhador... — Ele aproximou o rosto do meu, ficando tão próximo que seu hálito conseguia arrepiar cada célula do meu corpo. — E você sabe bem quem é!

Qual era o problema dele?

Cruzei os braços, tomando cuidado para não tirar o acesso de um deles e abaixei a cabeça, agradecendo o fato de ser alguns centímetros mais alto que ele.

— Não tenho mais medo de você, pai! — O sorriso irônico que ele tinha nos lábios desapareceu, dando lugar a um olhar raivoso e formou uma linha nos lábios, os tornando inexpressíveis.

— Pois deveria! — Ele se afastou bruscamente de mim, voltando para onde estava e mantendo o olhar em algum ponto da janela.

Só percebi o motivo quando vi minha mãe entrando pela porta alguns segundos depois.

— Tudo bem por aqui? — Minha mãe olhava para nós dois com uma certa desconfiança.

Preferi não responder e entrei no banheiro, trancando a porta antes de ir até o espelho. Levei um susto ao ver minha fisionomia, estava apática, lábios sem vida, olhos tão fundos que até o azul deles estavam apagados. As maçãs do meu rosto estavam fundas, mostrando a perda de peso dentro desses quase 10 dias em que estava no hospital.

Apoiei as mãos na pia e abaixei a cabeça, fechando os olhos e ainda sem acreditar no que havia me tornado.

Um viciado de merda.

Minha cabeça latejava ao ponto de causar náuseas, sentia calafrios por todo o corpo, um cansaço absurdo e uma irritação maior do que de costume.

Era a abstinência!

— Porra! — Deferi um soco na parede, ao lado do espelho e senti as juntas dos dedos doerem absurdamente.

Ao menos ainda podia sentir dor.

Na verdade, estava me afundando num abismo cheio dela.

— Sai desse banheiro Caleb! — A voz do meu pai me assustou, me fazendo pular.

— Vai querer vim me dar banho também? — Gritei para ele.

— Continua mimando esse moleque, Scarlett! — David quase gritava com minha mãe.

Mesmo tudo aquilo me irritando, estava cansado demais para fazer qualquer coisa.

Retirei a camisola do hospital, jogando no chão e abri o chuveiro, tomando cuidado para não molhar o acesso em meu braço. Só queria que aquele turbilhão de sentimentos descesse ralo abaixo. Apoiei as mãos na parede, abaixando a cabeça e deixando a água escorrer pelos meus ombros. A temperatura dela estava tão quente que em questão de poucos minutos todo o banheiro foi tomado pelo vapor, deixando todo o local embaçado.

As lagrimas escorriam pelo meu rosto, se misturando com a água que quase me queimava a pele. Raiva, medo, dor, culpa, arrependimento, todos esses sentimentos se misturavam dentro de mim, numa eterna briga para ver qual deles ganharia a batalha, me empurrando novamente para o grande abismo do vício e da culpa, que sempre me rodeou e agora riam da minha decadência.

Desliguei o chuveiro, mas fiquei mais alguns minutos na mesma posição, na esperança de tudo aquilo passar e mesmo com o corpo ainda quente, os calafrios voltaram a sacudir cada centímetro da minha pele, a cabeça latejava de tal maneira que era quase impossível manter os olhos abertos.

Meu corpo havia chego no ápice de tudo aquilo.

Cambaleei para fora do pequeno espaço que deveria ser o box do chuveiro e puxei a toalha que estava pendurada próximo ao espelho, enrolando-a na cintura.

Minha mãe me havia trago algumas coisas, inclusive as toalhas, na tentativa de me deixar um pouco mais confortável. Mas mal sabia ela que nada daquilo me ajudaria a manter os demônios dentro de mim, pelo contrário...

Eles já estavam a muito mais tempo do lado de fora, mais tempo do que imaginei.

Abri a porta, dando de cara com o segurança encostado na parede, meu pai ainda estava na janela e minha mãe sentada na beira da minha cama. Ela estava com um sorriso reconfortante no rosto, bateu algumas vezes no colchão, me convidando a me sentar ali.

— Oi meu amor. — Por algum motivo que eu desconhecia, sua voz baixa e cheia de amor, fez meus olhos lacrimejarem, embaçando minha vista e formando um nó em minha garganta que mesmo com muito esforço, não descia.

Caminhei até ela, me sentando na cama e encarando meus pés, numa tentativa de esconder o choro embargado que tentava escapar a todo custo.

Senti o calor das mãos dela sob as minhas foi o ápice para mim e não consegui deixar os sentimentos preso dentro de mim por mais tempo, eles se soltaram fazendo novamente as lagrimas escorrerem pelo meu rosto, traçando um longo caminho até o queixo e queimando a minha pele novamente com toda a culpa que apertava meu peito.

— Sério que... — David começou a falar, mas foi interrompido pela minha mãe de alguma forma.

— Cala a boca David! — Seu tom de voz era firme.

Só conseguia ver os sapatos do meu pai e logo depois não os vi mais, ele saiu do quarto, pisando forte e soltando alguns palavrões pelo caminho.

— Vai ficar tudo bem. — Scarlett puxou meu rosto para perto dela, o deitando em seu peito.

Aquilo foi o estopim para mim. Não sabia se meu corpo sacudia por conta do choro incessante, ou dos calafrios, mas não me importava mais com aquilo.

Só queria que tudo acabasse.

— Desculpe... — Murmurei, com o rosto contra seu peito.

Conseguia sentir o tecido do sobretudo dela se molhando, devido as lagrimas e quanto mais suas mãos acariciavam meus cabelos, descendo até minhas costas, mais avassalador era o choro.

Chorava de desespero, de medo e novamente me senti como aquela criança de 3 anos, sozinha numa casa grande, vazia e escura. Mais uma vez me senti abandonado.

— Deixe tudo sair meu filho... — Senti seus braços em volta de mim, me abraçando forte.

Pressionei o rosto mais fundo contra o casaco fofo e gritei, tão alto que se não fosse o tecido abafando boa parte do grito, poderia ter ecoado por todo o enorme hospital. Apertei meus braços ao redor dela, me agarrando a única esperança que me restava.

Minha mãe.

Sentia minha garganta queimando e um alivio momentâneo me tomou, como se por poucos minutos todo o peso e os demônios tivessem sumido, se escondido no fundo do poço. Estava os prendendo a mais tempo do que imaginei e poder gritar, de alguma forma me ajudou.

Mesmo que não fosse para sempre.

Ficamos mais alguns minutos na mesma posição, o silêncio era até reconfortante e agradecia mentalmente por ela não questionar absolutamente nada.

Ela se levantou, indo até a enorme bolsa de viagem de couro, pegou algumas coisas e retornou até mim. Tinha uma muda de roupas nas mãos e em silêncio começou a me vestir, não me importei com isso, permaneci imóvel deixando as lagrimas ainda rolarem pelo meu rosto. Estava com uma blusa de lã, calça de moletom e meias nos pés, devidamente vestido, senti as mãos dela me empurrando delicadamente sob o colchão, me deitando e me cobrindo com a manta.

— Você será internado amanhã... — Dava para sentir a dor em sua voz, que ela tentava disfarçar com um sorriso carinhoso.

Mas os olhos continuavam tristes e eles nunca mentiam.

— Eu não quero... — Murmurei. — Já estou melhor. Prometo.

Meus olhos ardiam por conta do choro demasiado, sentia meu corpo dolorido em cada centímetro, as pálpebras pesavam e a dor de cabeça já havia se transformado em uma enxaqueca absurda, a luz do sol entrando pelas janelas aumentava ainda mais a dor excruciante.

— Não está, não... — Lágrimas escorriam de seu rosto, mesmo o sorriso permanecendo com ela. — Você dorme o dia todo... — Ela acariciava delicadamente meus cabelos, afastando os fios da minha testa. — Vive cansado, mesmo com um banho quente está suando frio e tendo calafrios. — Tentei controlar os tremores, mas era impossível. — Acorda gritando a noite, não come... — Minha mãe passou delicadamente o dorso da mão no próprio rosto, limpando as lagrimas e respirando fundo. — Por favor Caleb, não dificulte ainda mais tudo isso.

Apenas concordei com a cabeça, fechando os olhos e deixando a dor me levar novamente para o abismo, sucumbindo nele. 



Já era noite quando acordei, a luz da lua iluminava uma parte do amplo quarto, olhei em volta e avistei minha mãe na poltrona, com a cabeça recostada no encosto e dormindo.

Ela não saia do meu lado por nada e isso me doía. Ela não merecia passar por isso.

Fiquei observando a lua pela janela, me perguntando se algum dia tudo isso acabaria e poucos minutos depois acabei adormecendo novamente.

Despertei com alguns ruídos no quarto e ao abrir os olhos percebi que eram meus pais discutindo próximos a porta, eles pararam antes que eu pudesse ouvir algo.

— Bom dia meu amor. — Minha mãe se aproximou de mim, passando a mão em meu rosto. — Está melhor hoje? — O sorriso carinhoso continuava em seu rosto.

— Que horas vou ser internado? — Murmurei com dificuldade, em razão da alta dosagem de medicamentos que diariamente era colocado em meu soro.

Olhei para o acesso em meu braço e percebi que o soro já estava plugado nele, provavelmente alguma enfermeira colocou enquanto eu dormia.

Scarlett olhou para o relógio por alguns segundos.

— Daqui alguns minutos... — Ela sussurrou, a culpa pesava em cada palavra que saia de seus lábios.

— Não é culpa sua... — Murmurei para ela, tentando sorrir. Ela apenas assentiu. — Vocês vão me levar? — Perguntei, torcendo para que a resposta fosse sim.

— Eu vou. — Ela respondeu. — Seu pai vai voltar para o Brasil hoje, precisa cuidar da Jones e já ficou tempo demais longe da empresa.

Concordei, já imaginando que ele não se daria ao trabalho de levar o filho bastardo para uma clínica de reabilitação.

Cerca de quase uma hora depois, estávamos indo para a clínica, fui o caminho todo dormindo, os remédios me dopavam de uma forma descontrolada. Antes isso, do que sentir os calafrios. Acordei assim que minha mãe estacionou o carro.

— Chegamos! — Minha mãe desligou o carro, ficando alguns segundos em silêncio. — Não vou poder entrar com você. — Sua voz estava embargada. — E só posso te visitar após os 3 primeiros meses. — Ela ergueu os ombros, como se pedisse desculpas. — O médico disse que antes disso você pode correr o risco de regredir no tratamento. — Ela me olhou, seu semblante era tristonho e dava para sentir a angustia em sua voz. — Se tudo der certo, você sai em 6 meses, ou, no máximo em 1 ano. — O calor de sua mão sob a minha fez meu peito se apertar. — Vai ficar tudo bem, eu prometo.

Apenas concordei com a cabeça.

Scarlett voltou a olhar para frente, acompanhei seu olhar e foi aí que vi um senhor parado próximo ao enorme portão de ferro.

— O Dr. Thomas já está te esperando. — Sua voz saiu tão baixa que quase não consegui ouvir.

Ela se virou novamente para mim, me puxando para um abraço forte, se despedindo em silêncio.

— Não vou conseguir te acompanhar até o portão. — Ela sussurrava com o rosto entre a curva do meu pescoço.

Sabia que ela chorava, conseguia sentir as lagrimas me molhando a pele e pela primeira vez em dias, tentei me manter forte, por ela.

Abracei-a forte, tentando a reconfortar e acalmar seu coração em pedaços.

— Vou ficar bem mãe. — Falei, beijando sua bochecha. — Me busque daqui 6 meses. — Me esforcei para ser otimista.

Ela merecia isso e eu também.

— Ta bom, meu menino. — Ela riu baixo, passando a mão em seu rosto, limpando as lagrimas.

Desci do carro e abri a porta do banco de trás, pegando minha mala e antes de fechar a porta acariciei rapidamente o rosto dela, engolindo em seco o nó que se formava em minha garganta. Fechei a porta e respirei fundo, tentando conter as lagrimas que se esforçavam para transbordar pelo meu rosto. Passei a mão livre rapidamente pelo rosto, limpando o início de um possível choro incessante e novamente, respirei fundo, sentindo a garganta arder e os olhos doerem pelo esforço que fazia para não chorar.

Caminhei lentamente até o enorme portão, que agora estava aberto para mim e antes de entrar no lugar que seria minha morada pelos próximos 6 meses, olhei para trás e vi uma cena que eu daria tudo para apagar da minha mente. Minha mãe, a mulher mais forte que conheci em toda a minha vida, debruçada no volante, se debulhando em lagrimas, seus ombros sacudiam com força e era perceptível o sofrimento dela.

As lagrimas logo voltaram a escorrer pelo meu rosto, sufocando meu peito e institivamente dei dois passos para trás, relutando em entrar.

Doutor Thomas me observava, impassível e sem esboçar nenhuma reação, afinal, ele deve passar por isso todos os dias. Calmamente ele veio até mim, colocando uma mão em meu ombro e esticando a outra mão para mim, pedindo a mala, sem precisar verbalizar nada.

— Eu sei que tudo isso é difícil... — Sua voz era calma e ele falava tranquilamente, com um pequeno sorriso. — Ver sua mãe sofrendo por isso deve ser avassalador para você. — Aquiesci, olhando em seus olhos, devido a sua estatura ser menor do que a minha, tive que olhar para baixo. — Mas pense que é para o bem de todos! Você infelizmente, nesse momento apresenta o risco para si mesmo caso permaneça em sociedade sem o devido tratamento para o seu vício e consequentemente um risco para todos que lhe amam.

Só então notei que ele me levava para dentro da clínica enquanto conversava comigo, me tranquilizando e informando como seria o tratamento. Teria que passar por consultas com psicólogo, psiquiatra, dentre outros médicos, conforme o tratamento avançasse.

O lugar era gigante, devia ter uns 4 andares, um belo jardim na parte dianteira do local, haviam alguns pacientes andando por ele, alguns acompanhados de médicos e outros sozinhos, todos vestindo roupas claras. No portão tinham 2 seguranças, no jardim mais 2, na porta de entrada 1 e vários outros entre os corredores e espalhados pela clínica.

— Chegamos Caleb. — Paramos em frente a um quarto amplo e com sacada, claramente protegida por grades. Uma cama de casal e algumas prateleiras, todas vazias. Entrei, ainda receoso e observei mais de perto o que seria meu quarto por alguns meses, percebi que havia um banheiro pequeno, com apenas uma privada e nada mais.

Onde vou tomar banho?

— Seu banho é monitorado por um enfermeiro. — Me virei para ele e sua expressão era tranquila, acredito que na intenção de acalmar a minha que era de pavor. — Pelo menos no começo, até criarmos confiança em você. — Thomas colocou as mãos no bolso do jaleco branco e sorriu, mostrando duas covinhas que haviam em suas bochechas.

Pelas rugas e linhas de expressões que tinha no rosto, deduzi que já passava dos 50 anos. A barba cheia, quase toda branca e bem aparada dava um ar de vovô, ou alguém que se podia confiar, os cabelos arrumados, penteados para trás e praticamente da mesma cor da barba, seus olhos amendoados, quase mel harmonizavam com o sorriso sereno que permanecia em seu rosto.

— Quantos anos o senhor tem? — Perguntei, depois de longos minutos em silêncio.

— Tenho 58. — Aquiesci, sem dizer mais nada. — Bom, vou te deixar descansar um pouco. Suponho que a viagem foi cansativa.

— Na verdade não. — Dei de ombros, colocando a mala em cima da cama. — Os remédios me deixam cansado. — Me virei para ele. — Vou tomar muitos por aqui também?

Dessa vez ele deu de ombros, sem saber o que responder.

— Vai depender do seu diagnóstico com os médicos. — Abri a boca, surpreso por saber que ele não seria o meu médico. — Sou o diretor daqui e psicólogo aposentado, mas quando exercia a função cuidava da área pediátrica. — Continuei confuso. — Temos várias alas por aqui, de dependentes químicos, doenças mentais, distúrbios infantis entre outras coisas. As alas são separadas, cada prédio é referente a um tipo de "tratamento." — Ele ergueu os dedos, fazendo aspas. — Somente médicos autorizados podem acessar e são monitoradas 24 horas por dia, um corredor separa um prédio do outro e tem um segurança em cada porta. Avisando, caso você fique curioso para perambular por aí.

— Entendi. — Olhei para baixo, para as minhas mãos. — Então não tenho autorização para sair do quarto?

— Claro que tem! — Ele deixou uma risada baixa escapar. — Desculpe se dei a entender outra coisa, só estou passando as normas da clínica, procedimento padrão. — Ele se sentou ao meu lado. —Para todos, sem exceção! — Levantei o olhar, o observando novamente. Ele possuía um sorriso descontraído no rosto, deixando novamente as covinhas aparecerem. — Você tem autorização de ir para o jardim, sala de jogos, de descanso e a sala de tv. — Assenti, sorrindo em seguida. — Será acompanhado por um enfermeiro, pelo menos no começo. Depois pode ser que o seu segurança particular seja retirado. — Ele brincou, rindo novamente. — Com fome?

— Um pouco, mas a dor de cabeça incessante quase não me deixa comer. — Respirei fundo, sentindo a cabeça latejar.

Ele deu alguns tapinhas na minha perna e se levantou.

— Então, vamos fazer o seguinte... — Uma senhora de cabelos loiros entrou no quarto. — Essa será sua enfermeira, ela se chama Carmem e te acompanhará para todos os lugares. — Ele olhou para a enfermeira que sorria tranquilamente. — Carmem esse é o Caleb Jones, foi internado agora pouco e vai fazer parte da ala para dependentes químicos. — Thomas caminhou até a porta. — O leve para comer alguma coisa e depois até a sala do Dr. Robert. — A senhora apenas confirmou, vindo em minha direção.

— Vamos comer meu jovem? — Aquiesci e me levantei.

O resto do dia caminhou cheio de consultas, consultas e mais consultas. Passei com uma infinidade de médicos, me receitaram vários remédios, para dores de cabeça, para os sintomas de abstinência, dores pelo corpo e para tratar o vício com as drogas. Disseram que conforme meu tratamento avançasse os medicamentos poderiam diminuir, ou aumentar, tudo dependeria de como meu corpo reagiria com cada procedimento e de como me comportaria até o final do tratamento.

Passei o resto do dia no quarto, os remédios me davam muito sono, fadiga, indisposição, então preferi ficar dormindo. Carmem entrava no quarto sempre que precisava me medicar novamente, trazer minha refeição, ou me ajudar no banho.

Não sei ao certo quanto tempo dormi, vi muitos dias e noites começarem. Ficava a maior parte do tempo dormindo, — nas noites boas, — dopado de tantos medicamentos. Mas, nas noites ruins, os calafrios, o suor excessivo e as dores de cabeça não me deixavam dormir e Carmem tinha que optar para algum calmante mais forte, me derrubando por quase 2 dias. Ficava nesse looping eterno, já não sabia a quantos dias estava naquele lugar.

Em algumas noites, em que a solidão me jogava no abismo, minha mente alucinava, me fazendo acreditar que minha mãe estava ali, ou pior, meu irmão. Essas eram as piores noites. Numa delas a dor foi tanta, que já não sabia o que era real, o que era alucinação e acabei sofrendo um surto. Não me lembro de muita coisa, mas minha enfermeira contou que tentei fugir dali, quebrei o quarto inteiro e dizia que queria me matar. Foram preciso 3 enfermeiros para me segurar e tranquilizar com duas doses de calmante.

Odiava aquele remédio, me deixava sem controle próprio, sentia minha língua dormente e não conseguia engolir nem a saliva, mordia a língua diversas vezes por conta do sedativo, era obrigado a usar fralda geriátrica e meu banho era feito praticamente na cama. Não conseguia comer sozinho, tendo que ser alimentado no soro e fiquei tanto tempo amarrado a cama que já não conseguia sentir meus braços. Carmem dizia que depois de ser medicado com as doses exorbitantes de calmantes, eles soltavam as amarras quando eu finalmente dormia, para fazer meu sangue circular e não causar nenhum problema severo para as articulações.

Em uma dessas noites de alucinações, escutei a voz do meu pai e entre aquele estado do sono em que não estamos nem dormindo e nem acordados, jurava que havia visto David parado na porta do meu quarto, me olhando com a mesma expressão de fúria e desgosto. Ele se aproximou de um enfermeiro e cochichou algo para ele, escutei algumas partes, mas o sedativo era forte demais para me manter acordado e adormeci em seguida, fazendo meu subconsciente esconder a informação.

Meses se passaram, o tratamento finalmente estava dando certo, as doses de calmantes foram diminuindo, já não precisava de supervisão 24 horas do dia. Já passeava sozinho pelos jardins e pelas alas liberadas para pacientes, minha mãe havia trago alguns livros para me distrair e dentro de cada um deles, ela havia deixado uma pequena carta, dizendo o quanto estava orgulhosa de mim e que estava sentindo muitas saudades, que logo nos veríamos.

Já faziam quase 5 meses que não nos víamos, os médicos acharam melhor esperar, por conta dos surtos eles tinham um certo receio de que meu tratamento regredisse quando eu a visse, me fazendo lembrar de tudo que me levará até ali. Tinham medo deu ter uma recaída por conta das lembranças que viriam junto com a presença dela. Tive que aceitar, afinal, não tinha voz ativa ali para nada.

Nunca imaginei que chegaria a esse ponto da minha vida, enfiado em um completo abismo cheio de dor, vícios, surtos e culpa. Logo eu, que sempre fui tão controlador com a minha vida e minhas escolhas, me afundei nelas sem ao menos perceber. Meu psicólogo, o Robert, dizia que era muito comum isso acontecer, devido aos inúmeros traumas que passei desde a infância, ter o controle nas mãos era o que me deixava são e longes de todos os surtos, só que eu mal percebia que quanto mais controle tinha, mas descontrolado eu ficava, sem ao menos notar os sintomas que meu próprio corpo estava me dando.

Falta de sono, de apetite, alto consumo de álcool, humor instável e pesadelos quando dormia. Meu corpo estava me pedindo socorro e ao invés de escuta-lo, o que eu fiz?

Me afundei ainda mais nos vícios, tentando dopar toda a dor.

— Sem vícios Caleb. — Robert falava calmamente, enquanto fazia anotações no costumeiro bloco dele, como em todas as nossas consultas. — Não tem como você se afastar de um e continuar com os outros. — Ele batia a caneta no bloco, olhando para mim enquanto falava. — Precisa se afastar de tudo que possa causar sua ruina novamente. Bares, bebidas, drogas... — Robert levantou o olhar, dirigindo-o a mim. Ele não transparecia qualquer tipo de emoção, estava impassível, a não ser pelo pequeno sorriso nos lábios, tão tímido que se não o conhecesse a alguns meses diria que não estava ali. Seus olhos castanhos esverdeado me avaliavam, como faziam em todas as sessões. Tinha que admitir ele era excepcionalmente bom e um ótimo profissional.

Robert continuou me olhando, me observava como se fosse capaz de olhar dentro de mim e aquilo me dava um pouco de medo. Não dele, mas sim do que ele poderia encontrar no caos que era a minha cabeça e no abismo que minha alma se encontrava. Ele voltou a escrever em seu bloco de anotações.

— Queria muito saber o que você tanto escrever nesse caderno... — Recostei sob o sofá de couro e passei as mãos nervosamente na calça, só havia percebido naquele momento o quão apreensivo eu estava.

Robert deu de ombros, me olhando rapidamente e esboçando um pequeno sorriso enquanto apoiava a caneta no meio do caderno.

— Não se preocupe com isso. — Ele fechou o caderno e o colocou em cima da mesa de centro que estava a poucos centímetros dele. — Não escrevo nada que possa te prejudicar, até porque de nada valeria a lei de sigilo entre paciente e psicólogo.

— Há não ser que eu confessasse algo que colocasse em risco minha vida ou a de outra pessoa.

— E você vai fazer isso? — O olhar calmo de segundos atrás deu lugar a um olhar interrogatório, como se o homem diante de mim fosse um policial prestes a ouvir a confissão de um criminoso.

E o criminoso fosse eu.

Esse pensamento não era de todo errado, afinal, a alguns meses atras havia tentado tirar minha própria vida e não vou ser hipócrita o bastante para falar que foi sem intenção, porque bem lá no fundo eu sabia para onde o alto consumo de drogas me levaria.

Para o mesmo lugar onde o meu irmão se encontrava naquele momento. E cá entre nós, era exatamente para lá que eu queria ir. Mas, não era justo fazer minha mãe perder dois filhos dessa forma. A corrosão da culpa a levaria para o mesmo fim em que me encontrava naquele momento.

Robert ainda me observava, sem se importar com o meu silêncio, mas pela sua feição, eu sabia que ele aguardava uma resposta para a pergunta que me fez.

— Não... — Recostei a cabeça no sofá e encarei o teto, me sentindo culpado demais para encarar meu psicólogo. Fixei meu olhar em uma pequena sujeira que havia no teto e deixei a culpa escorrer pelos poros do meu corpo, ou ao menos uma parte dela. — Não seria justo com a minha mãe. — Sem perceber acabei deixando o pensamento escapar pelos lábios.

— Meu paciente é você e minha preocupação é com o que seria justo para você. — Sua voz era pesarosa e me fez abaixar o olhar até ele que havia cruzado as pernas e apoiado as mãos sob os joelhos, me observando com cautela, como se eu fosse um vulcão prestes a entrar em erupção.

E eu era...

Estava à beira de um abismo, sem enxergar saída para todos aqueles conflitos que dançavam aturdidos dentro de mim.

Cruzei os braços sob a barriga e voltei a olhar para o teto, para o mesmo ponto em que observava a segundos atrás.

Pela cor da mancha, deduzi que estava ali a muitos anos, será que era uma sujeira? Ou a cor marfim do teto descascou dando lugar a cor que havia ali anteriormente?

Deixei essas pequenas perguntas sem importância preencher minha cabeça, afastando a força os pensamentos enrolados que martelavam ali dentro. Me dei um descanso, mesmo que fosse de poucos segundos.

— Como eu dizia anteriormente... — Pelo o canto dos olhos o vi se levantar, dando a volta em sua mesa e se sentando em sua grande cadeira de couro, da mesma cor que o sofá em que eu estava sentado. — Você precisa deixar tudo que te levou a esse ápice de instabilidade para trás, ao menos por algum tempo. Deixe as bebidas, os lugares, as mulheres que te acompanharam a esse abismo, as drogas e os amigos, pelo menos enquanto você se trata.

— Poxa, até as mulheres Robert? — Havia uma pitada de humor em minha voz que o fez sorrir.

Me agarrei a isso, mesmo que não durasse por muito tempo.

Para mim era o bastante para não cair no abismo novamente.

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