Tratado sobre Tempestades e o...

By Noveletter_

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Autora: Isabelle Morais Morena e Aleksey não pensaram duas vezes antes de aceitarem participar antecipadament... More

Conheça os Personagens!
Guia de Leitura
Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11 - Fim da Temporada
Disponível em e-book!

Capítulo 2

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By Noveletter_

Aviso: Essa obra de ficção contém situações de abuso e tortura psicológica, menção a violência física, sintomas relacionados a depressão e ansiedade.

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Morena inspirou e expirou devagar, alimentando o fogo que corria em suas veias, concentrando-se em se esquentar. A tranquilidade que sentira enquanto esperava que os chamassem para a arena fora uma grande farsa, e se dissipara no momento em que ela parara de pé, ao lado de Aleksey, na beirada da arena. Ela se concentrou em controlar sua taquicardia, tentando domar seus pensamentos. Focou no calor que Aleksey irradiava e no cheiro suave de tempestade que sempre acompanhava a magia dele, fechando os olhos. Conseguia sentir o aroma suave das águas termais que a magia de Narantuyaa Zayaevna emanava misturado com o gosto metálico no fundo da boca que era resíduo de Hadassa Mirienovna.

Estavam posicionados de acordo com suas afinidades principais, no ciclo de criação: metal virava água, que dava vida à madeira, que alimentava o fogo. Para as Entropias, aquele era o início e o fim de sua arte, a base primordial para manipular os elementos. Estavam tão acostumados a pararem nessa ordem que se posicionaram assim na arena sem orientação alguma. Normalmente, à sua direita, ficaria Mihail Nataliev, o único que se recusara a fazer a prova, e que completava o ciclo com sua especialidade, fogo cria a terra, que gera metal.

Morena se inclinou um pouco para a frente para ver seus colegas na fila e deu um pequeno sorriso. Gostava de como eles eram únicos e se completavam de forma harmoniosa, bem diferente da uniformidade que algumas das outras especializações tentavam impor. Eram os mais próximos da natureza e tão exuberantes quanto ela – e cultivar e respeitar as próprias particularidades eram a chave para sua arte. Ela preferia mil vezes a sensação indescritível que sentia ao se conectar com os fluxos de energia que corriam no mundo elemental aos cálculos cuidadosos que seu marido fazia para transformar a magia e domá-la em objetos.

Eles eram tão diferentes entre si quanto os elementos em que se especializavam. Hadassa, a primeira da fila, era uma mulher alta de ombros largos, com o cabelo cacheado bem curto, num marrom acobreado parecido com o tom da sua pele, os olhos cinzentos e afiados como as lâminas de que tanto gostava. A especialista em metal era um dos raros casos de alquimistas com duas especializações – havia se graduado como Cinemática e buscava o grau de Extraordinária como uma Entropia. Morena a conhecera quando ainda eram meninas e se esbarraram numa das mesas de comida, as duas desesperadas atrás de algo que pudessem comer sem passar mal. Quando descobriu que a garota era de uma cidade muito próxima de onde Morena havia crescido, em Mièdz, as duas perceberam que tinham muito mais em comum do que uma série de restrições alimentares que eram sumariamente ignoradas pela academia onde estudavam. A especialista em água, Nara, era tão alta quanto Hadassa. Uma figura chamativa aonde quer que fosse, seu cabelo escuro e pesado caía numa trança ao longo das suas costas; seus olhos eram grandes e angulosos e sua pele era da mesma cor das pedras arenosas das montanhas que seu povo habitava, na fronteira com Xenon. Nara e Aleksey eram como ela e Hadassa – os dois haviam ficado amigos com uma facilidade ridícula por terem crescido em regiões relativamente próximas, e mantinham uma competição que ficava cada vez mais elaborada e ninguém sabia mais como tinha começado, nem que regras envolviam. Morena já conseguia imaginar a série de critérios aleatórios que eles inventariam para decidir qual dos dois havia se saído melhor depois que todos eles se titulassem.

Ao seu lado, Aleksey era uma presença sólida e reconfortante, o mais alto das quatro, seu cabelo castanho jogado para trás e sua pele branca brilhando com um tom alaranjado sob a luz das tochas. Ele era o único que estava com ela desde o início, desde que entraram na academia. Morena conhecia a magia dele tão bem quanto conhecia ela própria, e embora Aleksey não gostasse tanto de se vangloriar, ela já o vira chamar uma tempestade num dia de sol, segurando os trovões entre as mãos como se fossem brinquedos de criança. Sabia que a maior parte das pessoas na Corte achavam que ele não passava de um rostinho bonito sem cérebro, fosse pelos boatos que o tio espalhava sobre ele, fosse pela reputação duvidosa que ele estava tentando construir cuidadosamente para si. Morena sempre se irritara com a forma como o desprezavam abertamente, sem sequer disfarçar, mas Aleksey não via problema nenhum em nada disso. Ele era excelente em transformar o que jogavam contra ele em suas armas, apesar de não precisar de nada daquilo. Se quem acreditava na incompetência de Aleksey pudesse vê-lo ali na Azote, com a cabeça erguida, orgulhoso, a tensão da antecipação em seu rosto, teriam tanto medo dele quanto tinham dela, e finalmente o respeitariam.

Poder demanda respeito, era a primeira lição que a mãe dela lhe ensinara, que ficara grudada em sua mente. Ela queria que Aleksey entendesse que merecia respeito, mas já que ainda não obtivera sucesso, ela teria poder o suficiente para exigir respeito para os dois.

Aleksey sentiu a atenção de Morena sobre si e olhou de soslaio para ela, com um ensaio de sorriso. Ela o imitou, desviando o olhar para os próprios pés, antes de levantar os olhos para a arquibancada à sua frente. Às vezes suspeitava que Aleksey havia se especializado em madeira só porque sabia que o verde do uniforme iria ressaltar os tons esverdeados nos seus olhos cor de mel e deixá-lo ainda mais bonito.

E então havia ela: a mais baixa dos quatro, embora fosse a mais alta da família do seu pai, em Tantalum. Seu cabelo cacheado pendia de um rabo de cavalo alto, sua pele marrom brilhando como bronze. Nunca tivera escolha quanto à sua especialização – embora a crendice de que a magia bashari era alimentada por demônios de fogo fosse infundada, a magia que corria em suas veias era a base do seu elemento. Levou uma mão à sua lateral direita, onde a tatuagem que ligava sua magia à de Ivan, feita quando se casaram, quase cinco anos antes, se espalhava, abraçando suas costelas. Seu marido havia ficado duas semanas inteiras ardendo em febre, murmurando coisas desconexas, com medo de seu sangue esquentar ao ponto de evaporar.

Eles sabiam que a tatuagem poderia ter efeitos colaterais, mas esperavam que fosse como os que ela tinha sofrido: um desconforto, como se seu corpo estivesse tentando conter algo maior do que ele. Com Morena, tudo havia passado em dois dias. Como iriam explicar a qualquer um se fosse mais tempo do que isso? Ah, Ivan e eu encontramos um ritual de casamento num livro antigo escrito em um idioma morto, deciframos o que dizia e adaptamos para algo que não sabemos bem o que é, mas que certamente é ilegal? Eles não podiam se dar ao luxo de serem descobertos. Nem Aleksey sabia o que haviam feito, e não parecia suspeitar, apesar de Morena ter quase certeza de que ele não comprara a desculpa que ela dera de que Ivan tinha ficado com um forte resfriado.

Entretanto, não era todo mundo em Tantalum que tinha magia como a dela – esse era só o presente que lhe fora dado pelo seu pai, um segredo sussurrado em seu ouvido nas primeiras horas do seu nascimento, antes mesmo de lhe darem seu nome.

— AZOTE! — A voz do professor Ilya Svetlanich, a Entropia escolhida para supervisionar a prova, soou pela arena, tirando-a de seu devaneio. — Estamos reunidos aqui nesta noite sem estrelas para a Tricentésima Primeira prova de Graduação Extraordinária das Entropias.

A plateia pareceu ir à loucura, e Morena procurou Ivan com o olhar, sem conseguir enxergar a arquibancada por causa da névoa que começava a se dissipar da arena. O professor fez um gesto e esperou que todos ficassem quietos antes de continuar.

— Precisamos seguir os ritos corretos antes de começar a prova, então começo agradecendo a presença da vice-reitora, a Alquimista Extraordinária Veronika Tarasova, chefe das Entropias, décima primeira cadeira do Sovet. Também temos entre nós o Alquimista Extraordinário...

Morena revirou os olhos. Aquela ladainha iria prosseguir pelos próximos minutos, recitando absolutamente todos os professores relevantes que estavam ali para assistir e servir como testemunha para a prova. Ela não tinha paciência para nada daquilo. Seu coração prestes a explodir de ansiedade, e ela se perguntou, pela milésima vez, qual seria o desafio que os esperaria quando a prova começasse. Era um tipo específico de tortura o que faziam com eles, forçando-os a esperar enquanto faziam burocracias inúteis.

Sentiu a mão de Aleksey encostar na sua suavemente e esticou o dedo mindinho, entrelaçando-o no dele. Aleksey se inclinou mais para perto dela, parecendo descontraído, mas Morena conseguia sentir o quanto sua mão tremia embaixo da dela. Ela se aproximou mais, entrelaçando todos os dedos nos dele, apertando com força, e ele engoliu em seco, desviando o olhar para a arquibancada.

— Onde você acha que Ivan está? — Aleksey perguntou, com a expertise de quem estava acostumado a inventar conversas para evitar perguntas que não queria responder.

— Numa das primeiras fileiras. Ele estava mexendo num negócio para usar com os óculos para poder ouvir a arena e queria testar, mas precisava ficar a sei lá quantos metros para conseguir ouvir? — Ela tentou explicar, mas só conseguia se lembrar dos dedos longos de Ivan acariciando várias vezes um objeto metálico esquisito e desejando que ele desse atenção a ela em vez disso, e sentiu as bochechas esquentarem. — Mais uma daquelas coisas que ele inventa, fica obcecado e só para quando termina.

Aleksey balançou a cabeça com um meio sorriso, mas quando Nara deu uma cotovelada em Aleksey e fez um sinal com a cabeça para onde Ilya apresentava a prova, os dois voltaram a ficar tensos. Morena sentiu um gosto amargo na boca, a ansiedade se aninhando como um animal em seu peito. Sabia que, dependendo da prova, nem todos eles conseguiriam passar. Não tinha muita certeza de como Aleksey se sairia em uma prova que exigisse muito, tanto da parte física quanto de magia, e Morena não conseguia sequer imaginar um mundo em que ela se graduava e ele não. Faria o que fosse para fazê-los terminarem aquela prova juntos. Olhou para Aleksey novamente, segurando a mão dele com força.

— Te vejo quando a gente for Extraordinário — sussurrou ela para reconfortar Aleksey, que só retribuiu com um aperto de mão ainda mais forte, sentido até os dedos dos pés de Morena.

— As regras da prova deste ano são bem claras. Estamos numa prova excepcional, feita em reconhecimento ao alto nível da turma atual — Ilya explicou —, então nossa prova será um pouco diferente do comum: apenas um dos candidatos conseguirá se graduar.

— É o quê? — Hadassa exclamou, e Morena ouviu mesmo com todo o ruído da plateia, que havia basicamente ido a loucura.

Talvez Ivan tivesse razão em achar tudo aquilo ridículo. Como assim, uma pessoa?

— Os demais terão sua próxima chance na prova que ocorre normalmente, no ano que vem — Ilya adicionou, como se tivesse ouvido Hadassa. — Candidatos, podem se virar para a arena.

Os quatro obedeceram, a névoa por fim dissipando-se na área. Morena franziu a testa ao ver o lago que ficava bem em frente à arquibancada, com uma floresta densa à esquerda e vários pilares de metais aninhados à direita. Parecia simples demais. Elementos primários numa prova de Alquimista Extraordinário? Devia ter alguma pegadinha.

— A arena foi dividida em cinco áreas, uma para cada elemento. Fogo, madeira, água e metal estão no círculo exterior, e terra, no central. É semelhante à prova de graduação de Alquimistas que fizeram anteriormente: há um segredo escondido em cada uma das partes, e, só ativando a combinação, vocês passarão para a próxima etapa — Ilya continuou, alheio ao drama que se desenrolava com seus alunos.

— Não — Aleksey falou, largando a mão de Morena e levando uma mão às têmporas, trocando o peso do corpo de perna. — Não é possível. Igual à prova de Alquimista? Não pode ser.

— Não há problema algum em dois alunos estarem na mesma seção — o professor acrescentou, dessa vez sem esconder sua animação com a prova diferente de tudo o que já fizeram. — Menos quando chegarem no coração da prova: se mais de um aluno conseguir chegar lá ao mesmo tempo, só um deles poderá obter o título. Como eles vão decidir quem ganha, fica a critério deles. Desde que não haja nenhuma morte, tudo está valendo.

— Não pode ser — Hadassa bufou, olhando para os colegas ao redor. — Vai ser no mesmo esquema? Aquele que vocês demoraram cinco horas para decifrar os enigmas e passar? Aquela prova foi surreal.

— Com o grande adicional de que só um de nós pode terminar a prova! — Nara exclamou, sua voz pingando sarcasmo. — Melhor dia da minha vida.

— Lyosha. — Morena segurou Aleksey pelo pulso e quando ele se virou, ela conseguia ver o medo em seus olhos. Ela se aproximou e sussurrou: — Você consegue. Nem que eu precise te arrastar comigo. Eu sei que é uma prova longa e cansativa, mas juntos, a gente já conseguiu uma vez. A gente vai conseguir de novo.

— Do que adianta se só um de nós pode ganhar? — ele sussurrou de volta e ela largou o pulso dele, se sentindo incomodada.

— Você não sabe disso. Se a gente chegar juntos, eles não têm escolha a não ser dar o título para nós dois.

— Se nós dois chegarmos juntos, vai ser porque eu consegui chegar lá sozinho, sem a sua ajuda — respondeu ele rispidamente, olhando na direção dos desafios que os aguardavam.

— Mas a sua per...

— Morena, isso é uma competição — Aleksey a interrompeu, sem sequer olhar nos olhos dela. — Não tem diferença nenhuma entre vencer com a sua ajuda e não vencer.

Morena engoliu em seco, desviando o olhar para a arquibancada.

— Tudo bem, então. Faça como quiser.

Eles ficaram em um silêncio tenso pelos minutos que restavam antes dos professores virem para conduzi-los até as suas posições. Ela sabia que Aleksey era completamente capaz de concluir qualquer prova que viesse pela frente se estivesse bem, mas ele não estava bem há meses. Não desde que o seu tio estúpido havia errado a mira e acertado a perna dele com um tiro acidentalmente, como era a versão dos boatos que circulava por aí. Não desde os meses em que passou de cama, no quarto ao lado do que ela e Ivan dividiam na Azote, precisando de ajuda para ir às aulas, trocar curativos, tomar banho. Mesmo quase um ano depois, a perna ainda doía, e, embora ele e Ivan não tivessem contado para ela o que estavam fazendo nas horas que passavam juntos na biblioteca, tinha certeza de que era algum plano mirabolante para Aleksey conseguir passar nessa prova sem muitos problemas.

Ela também queria ajudar. Queria muito. Ficava sentada ao lado deles, esperando que a convidassem para alguma pesquisa ou que contassem para ela o que estavam planejando, ou que pelo menos perguntassem o que ela achava, mas não. Aparentemente, Aleksey preferia morrer a ter a ajuda dela.

Então se era isso que Aleksey queria, era o que ele teria.

— Boa sorte — falou ele nos momentos antes de se separarem, e ela deu uma risada que soou quase cruel.

— É uma competição, Aleksey — retrucou irritada. — Não preciso de sorte para vencer.

Continua...

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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais
Edição: Marina Orli e Val Alves
Preparação: Laura Pohl
Revisão: Lavínia Rocha
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Vitor Castrillo
Ilustração: Júpiter Figueiredo
Agradecimentos especiais aos Betas: Gih Alves, Franklin Teixeira, Thiago Lee, Ana Elisa, Fernanda Nia, Dayse Dantas e Diego Matioli

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