Camila
Junho de 2001
Eu tinha trinta anos quando o hidroavião no qual Lauren Jauregui e eu estávamos viajando caiu no Oceano Índico. Lauren tinha dezoito anos e estava três meses em remissão de um linfoma de Hodgkin. O nome do piloto era John, mas ele morreu antes de atingirmos a água.
Meu namorado, Austin, me levou até o aeroporto, embora ele fosse o terceiro na lista das pessoas que eu gostaria que me levassem, atrás da minha mãe e da minha irmã, Sofia. Atravessamos a multidão, puxando malas pesadas com rodinhas, e fiquei pensando se todos em Chicago tinham decidido voar para algum lugar naquele dia. Quando finalmente chegamos ao guichê da US Airways, o atendente do check-in sorriu, etiquetou minha bagagem e me entregou o cartão de embarque.
— Obrigado, Srta. Cabello. Já fiz seu check-in para Malé. Tenha uma boa viagem.
Enfiei meu cartão de embarque na bolsa e virei para me despedir de Austin.
— Obrigada por me trazer.
— Eu acompanho você, Camila.
— Não precisa — falei, balançando a cabeça.
Ele hesitou.
— Mas eu quero.
Arrastamos os pés em silêncio, seguindo a turba dos passageiros que avançava lentamente. No portão, Austin perguntou:
— Como ela é?
— Magra e jovem.
Esquadrinhei a multidão e sorri quando avistei Lauren, porque agora sua cabeça estava coberta por cabelos castanho curtos. Acenei, e ela me respondeu com um movimento de cabeça enquanto a garota sentada ao lado dela a cutucava nas costelas com o cotovelo.
— Quem é a outra? — perguntou John.
— Acho que é uma amiga dela, Normani.
Esparramada na cadeira, Lauren vestia-se diferente da maioria das garotas de dezoito anos:
Camisetas, bermudas esportivas largas e compridas e tênis com cadarços desamarrados. Uma mochila azul-marinho estava no chão aos pés de Lauren.
— Tem certeza de que quer fazer isso? — perguntou Austin.
Ele enfiou as mãos nos bolsos de trás e fitou o carpete surrado do aeroporto bem, um de nós tem que fazer alguma coisa.
— Tenho.
— Por favor, não tome nenhuma decisão antes de voltar.
Vindo da parte dele, era um pedido no mínimo irônico, mas achei melhor não tocar no assunto.
— Eu disse que não iria tomar.
Mas, na verdade, só havia mesmo uma opção. Eu só decidira adiá-la até o fim do verão.
Austin colocou os braços em volta da minha cintura e me beijou, por muitos segundos a mais do que deveria fazê-lo em público. Constrangida, me afastei. Pelo canto do olho, percebi que Lauren e Normani observavam tudo.
— Amo você — disse ele.
Fiz que sim com a cabeça.
— Eu sei.
Resignado, ele pegou minha mala de mão e pendurou a alça no meu ombro.
— Boa viagem, meu amor. Ligue quando chegar.
— Tudo bem.
Austin foi embora, e fiquei observando até que a multidão o engolisse; então, alisei a frente da minha saia e andei até as garotas. Elas foram baixando o olhar enquanto eu me aproximava.
— Oi, Lauren. Você está ótima. Pronta para ir?
Seus olhos verdes encontraram os meus brevemente.
— Claro.
Ela tinha ganhado peso, e seu rosto pálido contínua o mesmo. Usava aparelho odontológico, fato que eu não notara antes, e tinha uma pequena cicatriz no queixo.
— Oi, sou Camila — apresentei-me para a garota sentada ao lado de Lauren. — Você deve ser Normani. Como foi sua festa?
Ela deu uma olhadela para Lauren, confusa.
— Hum, foi legal.
Puxei meu celular e verifiquei a hora.
— Já volto, Lauren. Vou checar nosso voo.
Enquanto eu me afastava, ouvi Normani dizer:
— Sua babá é uma gata.
— Ela é minha tutora, idiota.
Não dei importância àquelas palavras. Eu era professora de ensino médio e considerava os ocasionais comentários de garotos e garotas com hormônios em ebulição um risco profissional razoavelmente benigno.
Depois de confirmar que ainda estávamos na hora, voltei e me sentei na cadeira vazia ao lado de Lauren.
— Normani foi embora?
— Foi. A mãe dela se cansou de ficar dando voltas no aeroporto. Ela não queria que ela entrasse com a gente.
— Quer comer alguma coisa?
Ela negou com um aceno de cabeça.
— Não estou com fome.
Ficamos sentadas em um silêncio constrangedor até a hora do embarque. Lauren me seguiu pelo corredor estreito até nossos assentos na primeira classe.
— Quer ficar na janela? — perguntei.
Lauren deu de ombros.
— Claro. Obrigada.
Eu me afastei e esperei até que ela estivesse sentada, e então afivelei meu cinto de segurança ao lado dela. Ela tirou um CD player portátil da mochila e colocou os fones de ouvido. Era sua maneira sutil de me dizer que não estava interessada em conversar. Tirei um livro da minha mala de mão, o piloto decolou, e deixamos Chicago para trás.
✈️
As coisas começaram a dar errado na Alemanha. Deveria ter levado pouco mais de dezoito horas para voarmos de Chicago até Malé — capital das Maldivas —, porém, depois de problemas mecânicos e atrasos por conta do clima, acabamos passando o restante do dia e metade da noite no aeroporto Internacional de Frankfurt, esperando que a companhia aérea nos realocasse. Finalmente, depois de termos sido confirmados no voo seguinte, Lauren e eu nos vimos sentadas em cadeiras duras de plástico às três horas da madrugada. Ela esfregou os olhos.
Apontei para uma fileira de cadeiras vazias.
— Pode deitar se quiser.
— Estou bem — disse ela, controlando um bocejo.
— Só vamos partir daqui a muitas horas. Você devia tentar dormir.
— E você? Não está cansada?
Eu estava exausta, mas Lauren provavelmente precisava descansar mais do que eu.
— Estou bem. Vá em frente.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Tudo bem. — Ela sorriu timidamente. — Obrigada. — Esticou-se nas cadeiras e caiu no sono imediatamente.
Olhei pela janela e observei os aviões que pousavam e decolavam, as luzes vermelhas piscando no céu noturno. O ar-condicionado gelado me causava arrepios nos braços, e, como eu vestia saia e blusa sem mangas, tremia de frio. Em um banheiro próximo, troquei a roupa por jeans e uma camiseta de mangas compridas que trouxera na mala de mão. Depois, comprei um café. Quando voltei a me sentar ao lado de Lauren, abri meu livro e fiquei lendo até o momento de acordá-la, três horas depois, quando chamaram nosso voo.
Houve mais atrasos depois de chegarmos ao Sri Lanka — dessa vez devido à escassez de tripulação —, e, quando aterrissamos no Aeroporto Internacional de Malé, a casa alugada pelos Jauregui para o verão ainda ficava a duas horas via hidroavião, e eu estava acordada havia trinta horas. Minhas têmporas latejavam e meus olhos, secos e ardendo, queimavam. Quando disseram que não havia reservas para nós, pisquei para afastar as lágrimas.
— Mas tenho o código de confirmação — expliquei para o atendente do check-in, deslizando o pedaço de papel pelo balcão. — Atualizei nossa reserva antes de sairmos do Sri Lanka. Dois assentos. Lauren Jauregui e Camila Cabello. Pode olhar novamente, por favor?
O atendente verificou no computador.
— Desculpe-me — disse ele. — Seus nomes não estão na lista. O hidroavião está cheio.
— E o próximo voo?
— Vai escurecer logo. Hidroaviões não voam depois do pôr do sol. — Percebendo minha expressão desolada, ele me lançou um olhar solidário, digitou algo no computador e pegou o telefone.
— Vou ver o que posso fazer.
— Obrigada.
Lauren e eu entramos em uma pequena loja de presentes, e comprei duas garrafas de água.
— Você quer uma?
— Não, obrigado.
— Por que não coloca na sua mochila? — sugeri, entregando uma garrafa para ela. — Você pode querer mais tarde.
Tirei um frasco de analgésico da bolsa, joguei dois comprimidos na mão e engoli com a água.
Nós nos sentamos em um banco, e liguei para a mãe de Lauren, Clara, para avisar que não nos esperasse antes da manhã seguinte.
— Pode ser que eles consigam outro voo, mas acho que não vamos viajar hoje à noite. Os hidroaviões não voam depois de escurecer, então talvez tenhamos que passar a noite no aeroporto.
— Sinto muito, Camila. Você deve estar exausta — disse ela.
— Está tudo bem. Vamos chegar aí amanhã, com certeza. — Cobri o telefone com a mão. — Quer falar com sua mãe? — Lauren fez careta e negou com a cabeça.
Reparei no atendente do check-in acenando para mim. Ele sorria.
— Clara, ouça, acho que talvez... — E então a ligação caiu.
Coloquei o telefone de volta na bolsa e me aproximei do balcão, apreensiva.
— Um piloto de um voo fretado pode levar vocês até a ilha — disse o atendente. — Os passageiros que ele deveria levar tiveram um atraso no Sri Lanka e só vão chegar amanhã.
Sorri, aliviada.
— Que maravilha! Obrigada por encontrar um voo para nós. Agradeço de verdade. — Tentei ligar para os pais da Lauren de novo, mas meu celular estava sem sinal. Minha esperança era conseguir ligar quando chegássemos à ilha.
— Está pronto, Lauren?
— Estou — respondeu ela, pegando a mochila.
Um micro-ônibus nos levou para o terminal de táxi aéreo. O atendente fez nosso check-in no balcão e saímos.
O clima das Maldivas me lembrava o da sauna a vapor da academia de ginástica que eu frequentava. Imediatamente, gotas de suor brotaram na minha testa e na minha nuca. O jeans e a camiseta de mangas compridas mantinham o ar quente e úmido na minha pele, e desejei ter trocado a roupa novamente por outra mais fresca.
O calor é tão sufocante assim o tempo todo?
Um funcionário do aeroporto estava no cais perto de um hidroavião que oscilava suavemente na superfície da água. Ele fez um sinal para nós. Quando Lauren e eu o alcançamos, ele abriu a porta, e então baixamos a cabeça e subimos a bordo do avião. O piloto estava sentado e sorriu com a boca cheia de cheeseburger.
— Oi, eu sou o John. — Ele acabou de mastigar e engoliu. — Espero que não se importem se eu terminar meu jantar.
Ele parecia ter cinquenta e tantos anos e estava tão acima do peso que mal cabia no assento do piloto. Usava bermuda cargo e a camiseta tie-dye mais larga que eu já vira. Estava descalço. Gotas de suor salpicavam seu lábio superior e sua testa. Comeu o último pedaço do cheeseburger e enxugou o rosto com o guardanapo.
— Sou Camila, e essa é Lauren. — apresentei-nos, sorrindo e estendendo a mão para cumprimentá-lo. — E é claro que não nos importamos.
O DHC-6 Twin Otter tinha lugar para dez pessoas e cheirava a mofo e combustível de avião.
Lauren afivelou o cinto de segurança e ficou olhando pela janela. Eu me sentei do outro lado do corredor na mesma fileira que ela, coloquei a bolsa e a mala de mão embaixo do banco e esfreguei os olhos. John ligou os motores. O barulho sufocava a voz dele, mas, quando ele virou a cabeça, percebi que seus lábios se moviam enquanto ele se comunicava com alguém pelo rádio. Ele nos levou para longe do píer, ganhou velocidade e levantamos voo. Amaldiçoei minha incapacidade de dormir em aviões. Sempre invejei aqueles que desmaiavam no minuto em que o avião decolava e não acordavam até que o trem de pouso tocasse a pista.
Tentei cochilar, mas a luz do sol entrando pela janela e meu relógio biológico confuso não permitiram que eu relaxasse. Quando desisti e abri os olhos, deparei com Lauren me encarando. Se a expressão em seu rosto e o calor no meu significavam alguma coisa, nós duas ficamos constrangidas. Ela se virou, ajeitou a mochila sob a cabeça e adormeceu alguns minutos depois. Sem conseguir descansar, desafivelei meu cinto de segurança e fui perguntar a John quanto tempo demoraria até que pousássemos.
OBRA ORIGINAL DE Tracey Garvis Graves.
Linfoma ou Doença de Hodgkin é um tipo de câncer que se origina no sistema linfático, conjunto composto por órgãos (linfonodos ou gânglios) e tecidos que produzem as células responsáveis pela imunidade e vasos que conduzem essas células através do corpo.