Durante todo o funeral nenhum servo da família Duan ousou se aproximar para importuná-los. O juízo poderia ter sido devorado por cães, porém o instinto de autopreservação permanecia intacto.
À noite, a propriedade da família Luo parecia coberta por uma nuvem sombria, os servos andavam pelos corredores encolhidos e com passos ligeiros como se tivessem fugindo de alguma coisa. Eles fizeram tudo apressadamente, arrumaram os quartos, prepararam as refeições para os hóspedes e sumiram da vista de todos assim que terminaram de servir a comida.
— Parece que você realmente os assustou. — disse Ling Li a Shen Yu do outro lado da mesa depois da refeição.
— Não acho que eu os tenha assustado. As pessoas da família Duan parecem gostar de intimidar os outros ainda mais do que eu. — Shen Yu parou a xícara de chá perto da boca, a pequena nuvem de vapor subindo.
— Mas ainda continuam menos proficientes nisso que você. — apontou Cheng Liu.
Eles permaneciam reunidos para conversar depois do jantar, as tigelas vazias ainda estavam sobre a mesa, ninguém apareceu para vir buscá-la. O lugar na cabeceira da mesa estava desocupado, ninguém quis sentar-se no lugar do Sr. Luo.
Jiang ZhengHe falou poucas palavras ao lado de Shen Yu, que parecia extremamente a vontade por estar rodeado por outras pessoas.
Cheng Liu parecia particularmente interessado nos horrores da guerra, ouvindo atentamente mas evitando tecer muitos comentários.
— Você não está perdendo nada, há muito sangue e a glória só fica nas histórias. — disse Ling Li. Ela praticamente não tinha tocado em sua comida, sentia-se sem apetite. Aqui, os únicos que sabiam como Luo Kang tinhan morrido eram ela e Jiang ZhengHe. — Quando tudo começa, tudo o que quer é estar em outro lugar, acordando daquele pesadelo.
— Para alguns, a glória é o sangue derramado, e não há outro lugar em que queriam estar senão aquele. — Shen Yu teve que discordar. — Os demônios por exemplo, tudo o que querem é possuir o controle do mundo, tê-lo em suas mãos. Eles farão de tudo para ter o que querem e não se importam com mais nada. Mas isso não é exclusivo da natureza da espécie deles, humanos e as feras mágicas também podem ser assim.
— Meus tios passaram décadas lutando contra os demônios, meu mestre demorou a se acostumar quando não precisava mais lutar, então ficava ansioso e impaciente o tempo todo. Por tanto tempo ele tinha desejado que aquilo acabasse e ao mesmo tempo parecia que não sabia fazer outra coisa.
Shen Yu sentia-se exatamente assim o tempo todo, não conseguia relaxar e aproveitar a vida, mesmo que pudesse. Ele tinha uma família, boas perspectivas para o futuro e o apoio de uma fera mágica lendária. Se ele só quisesse viver uma vida em paz, poderia fazê-lo, mas aquela parte dele que vivia no passado estava sempre ali, dizendo que as coisas deveriam ser resolvidas. Ele estaria mentindo se dissesse que não se sentia confortável com isso, a ideia de acerto de contas era atraente demais para resistir.
Sua decisão de ser o último Imperador Selvagem era algo como unir o último ao agradável no fim das contas. Ele olhou para Jiang ZhengHe e quase deixou escapar um suspiro. Ele ficou distraído por um instante e nem percebeu quando a conversa mudou de curso.
— ... a senhora Duan parece ser desse tipo. — Luo Kuan balbuciou. — Dá para ter uma noção de como é o mestre pela forma como as pessoas que servem a ele se comportam.
— Ainda nem a conheço mas já acho que é uma mulher arrogante além da medida. — disse Shen AnLi. — Como o Sr. Luo poderia se casar com alguém assim? Sem querer ofender, mas ele só pode ser cego.
— Não estou ofendido. Acho que é mais um caso de duas famílias usando uma a outra para se promover, do que duas pessoas que se amam e querem estar juntas.
No mundo do cultivo, alguém só com habilidade não crescia, da mesma forma que alguém com talento medíocre poderia ir longe se tivesse os equipamentos necessários. Era por isso que tantas pessoas entravam em Cheng Fu todos os anos. Havia uma taxa exorbitante para entrar, mas todos tinham aquilo de que precisavam em abundância. Aos discípulos de Cheng Fu tinham as melhores armas, as melhores técnicas, uma biblioteca com milhares de receitas de pílulas mágicas e técnicas de cultivo, tudo isso custava muito dinheiro lá fora.
A família Luo tinha recursos e a família Duan podia cultivar, era uma relação boa para as duas, mas até certo ponto.
— Se eles tiverem filhos, espero que nasçam com raízes espirituais cultivaveis. — disse Luo Kuan. — Seria uma pena se... bem, espero que tenham sorte.
Filhos de cultivadores nasciam com raízes espirituais, filhos de pessoas comuns dependiam da sorte, filhos de pessoas mundanas e cultivadores às vezes nasciam sem poder algum e só poderiam se contentar com uma vida comum. O último caso era absolutamente triste, era como nascer e já receber um tapa na cara.
— A-Luo não deve se preocupar com isso ainda. — Ling Li disse suavemente.
— Quando meu pai descobriu que meu irmão tem... quero dizer, tinha raízes espiritutais cultivaveis, ele o mandou imediatamente para Cheng Fu. Quando descobriu que eu tinha, ficou relutante, talvez por causa da minha personalidade. Meu irmão nunca me contou, mas sei que foi ele quem insistiu para eu fosse. Espero não decepcioná-lo.
— É claro que não vai. — garantiu Shen Yu. — Você avançou mais rápido que a maioria dos outros discípulos que começaram ao mesmo tempo, ou há mais tempo que você.
— Por falar nisso, você parece estar muito bem. — acrescentou Cheng Liu para Shen Yu. — O que você fez para avançar tão rápido?
Shen AnLi que bebericava seu chá, engasgou ali mesmo.
— Usei um cristal de vida de alto nível de uma fera mágica.
— Já que não morreu, você deve ter algumas problemas no cultivo agora.
— Por que todos dizem isso? — Shen Yu fez uma careta.
— Faz quanto tempo que Yu-er não pega uma espada ou refina alguma coisa? — Jiang ZhengHe que tinha estado a margem, falou de repente. — Já faz mais de um mês.
— Estou mais preocupado em manter minha energia espritual sob controle.
— Yu-er não vai saber a extensão do dano se não tentar. Porque não prática comigo?
— Isso seria interessante de ver. — Cheng Liu ficou animado.
— Tem certeza de que quer ver isso? — Shen AnLi perguntou de forma abafada.
— Eu gostaria ver uma demostração. — falou Luo Kuan, um pouco de cor voltando ao seu rosto.
— Já está noite e estamos todos cansados, podemos deixar isso para outro dia. — Shen Yu desconversou.
— Está com medo? — Cheng Liu provocou. — Se não quer praticar com o irmão sênior Jiang, porque não prática comigo?
— Não gosto de intimidar criancinhas. — Shen Yu estreitou os olhos. — Além disso, não estamos exatamente no nosso território.
— Irmão mais velho, podemos voltar amanhã bem cedo. Não há necessidade de ficarmos por muito mais tempo aqui. — disse Luo Kuan.
— Então descanse, amanhã será um novo dia. — Shen Yu deixou a xícara vazia mesa e se levantou, Jiang ZhengHe fez o mesmo logo em seguida.
— Eu acompanho Yu-er.
Esse é meu presente de Natal para vocês. O presente de ano novo está vindo aí.