1x05 - O Esconderijo

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- A senhora me desculpa por não ter falado antes, mas é que...

- Não precisa se desculpar, Pedrinho. - atalhou Dona Benta. - Já tive sua idade, sei que nem tudo o que criança faz, “gente grande” pode saber. Mas é que a Lúcia é muito peralta, e vive aprontando. Sua mãe confiou sua segurança a mim, então você entende como é importante que eu não deixe que se machuque?

Pedrinho pôs as mãos para trás e abaixou a cabeça, envergonhado.

- Sendo assim, eu pergunto mais uma vez. Tem algum outro lugar pro qual vocês tenham ido hoje? Além das amoreiras e do milharal?

Dona Benta sabia, pensou Pedrinho. Sua insistência só podia significar isso.

Ainda havia tempo para ele contar a verdade. Afinal, até ali não havia mentido para Dona Benta, apenas omitido a passagem pelos dois pela vila a caminho de casa. O mesmo, contudo, não podia ser dito de Narizinho... Não, ele não faria isso. Estava decidido manter sua palavra.

- Não. A gente estava no milharal até agora. A Narizinho chorava tanto que eu não conseguia tirar ela de lá.

Dona Benta franziu os lábios e soltou um suspiro, no qual foi fácil para Pedrinho observar certo desapontamento. A senhora reclinou-se na cadeira de balanço e dirigiu-lhe um olhar afetuoso.

- Pedrinho, o sítio... - disse ela, com a mesma mistura de doçura e apreensão em sua voz. - O sítio é grande demais, e cheio de lugares esquecidos. Me promete que, não importa aonde Lúcia te leve, você vai tomar cuidado?

Ele assentiu com a cabeça, assumindo assim sua segunda promessa só naquele dia.

- Ficamos conversados, então. Agora é melhor que entre e tome um banho também. - sugeriu Dona Benta. - Daqui a pouco é hora de almoçar.

Pedrinho obedeceu, entrando na casa ao que Dona Benta retomava sua leitura. Não tomou as escadas para seu quarto ou para o banheiro, contudo. Ao invés disso, foi direto até o quarto de Narizinho nos fundos do primeiro andar. Precisava alertá-la para o fato de que suas visitas a Tia'Nastácia não eram mais segredo.

A porta do quarto estava entreaberta, e ele podia ouvir a voz de Narizinho lá dentro.

- …agora ele tá achando que fui eu.

Pedrinho olhou para os lados, certificando-se de que mais ninguém passava por ali. Então, encostou-se silenciosamente à abertura da porta e continuou a ouvir.

- Você não pode ficar zanzando por aí, menina. - continuava ela. - Vai acabar assustando ele. E ele já é tão medroso... viu como os olhos dele ficaram arregalados quando a gente chegou e a Dona Benta tava esperando?

A vontade de Pedrinho invadir o quarto para responder àquilo era grande. Mas como berrar no ouvido de Narizinho que ele não era medroso, quando naquele exato momento as palavras dela faziam seu coração bater mais acelerado?

- Tá bom, eu sei que ele me ajudou a escapar do Visconde. - Narizinho respondia ao silêncio. - É, eu também gosto dele. Quero que a gente seja amig... eu sei, EU SEI! Nós temos que ser amigos. Não precisa ficar repetindo toda hora. Ai, às vezes você fica muito chata, sabia?

Pedrinho ouviu os barulhos dos pés de Narizinho saltando da cama para o piso de madeira. Tratou logo de se afastar da porta, se escondendo onde o corredor do quarto da menina fazia uma curva em direção aos varais da Casa Grande.

Narizinho saiu do quarto e seguiu para o outro lado do corredor, onde ficava seu banheiro. Levava Emília em um braço e uma toalha encardida no outro. Quando ela sumiu de vista, Pedrinho abandonou seu esconderijo e foi até a porta do quarto, apenas para confirmar a certeza que seu coração receoso já trazia.

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