𝐂𝐚𝐩𝐢𝐭𝐮𝐥𝐨 𝟐

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Meus olhos pesavam, mesmo com todas aquelas nuvens cobrindo o pouco de sol que ali havia. Minha cabeça doía. Meus pés latejavam. Minha barriga roncava à medida que eu caminhava de volta a toda aquela movimentação na parte principal daquela aldeia. A folhagem verde que rodeava aquela parte montanhosa por onde eu havia passado, me fizeram recordar o que havia acontecido horas atrás. Eu poderia estar delirando pelo simples fato de estar em busca de algo que parecia que nunca chegaria até mim. Minha liberdade. Sentir o vento em meus cabelos. A terra em meus pés. E a sensação de estar livre para buscar meu lugar no mundo, era a melhor sensação que eu poderia sentir.

Não precisou caminhar muito para descobrir que aquele lugar era muito movimentado, e que havia muitos comércios presentes. Tentei ser o mais discreta possível. Passar despercebida era um dos meus melhores defeitos. Ao me aproximar mais daquele alvoroço, pude sentir o forte odor de peixe em cima de uma das carroças — onde havia alguns comerciantes em volta, e só aí que pude perceber que não muito distante dali havia um grande oceano. Ele parecia bravo. Eu conseguia ouvir suas ondas batendo na costa.

Mais alguns passos e eu estava em frente a um lugar que parecia ser um dos lugares mais frequentados ali, pois havia vários homens em sua entrada, escorados na parede lateral, e alguns ao lado de seus cavalos. Seus olhares intimidadores me encaravam, e de certa forma, aquilo me constrangia. Eu me sentia mal por parecer não fazer parte dali. Por não parecer um deles. Eu queria ser um deles. Queria sentir o gosto de ser alguém importante. Como será que é se sentir ser alguém importante?

As paredes que ligavam o lado de fora com a parte interna, eram revestidas de pedras, que pareciam ser bem antigas pelo estado físico que se encontravam. Era um espaço curto até o fim daquele corredor, mas para mim, parecia uma eternidade, pois eu fazia questão de andar lentamente, apenas para observar cada detalhe daquele ambiente. Os castiçais presos nas paredes, com velas em suas extremidades, davam um ar de mistério. As poucas teias de aranhas presas em alguns cantos no teto eram visíveis, e algumas rachaduras pelo caminho também, o que me fez apressar os passos, para enfim, chegar ao final do curto — e longo corredor.

Era notável o cheiro de cevada, que ao me aproximar mais, pareceu mais forte do que antes. O ambiente era cercado de mesas e cadeiras de madeira, que pelo cheiro, pareciam ter sido polidas recentemente. Em algumas delas estavam presentes penugens de animais, uma espécie de tapete que apenas pessoas de alta classe usariam junto de velas que davam um charme a mais no local. Havia enormes lustres de ferro pendurados por cordas no teto, também iluminados por velas em suas extremidades, com pedaços de retalhos rasgados em algumas partes. Os castiçais presentes no corredor também faziam parte da decoração do salão. Era um ambiente com pouca luz, mas ainda sim era iluminado.

De longe se podia ouvir o barulho das conversas paralelas. Algumas em sussurros. Outras em precipitações. E algumas daquelas pessoas pareciam estar ali só para ver o tempo passar depressa, ou devagar demais. É algo que você não pode controlar. Quando você quer que passe rápido, ele deixa tudo ao seu redor lento e faz com que aquilo dure uma eternidade. E quando você quer que passe devagar, parece uma flecha indo em direção ao seu tão famigerado alvo. É como uma caçada, esperada por anos e anos. Não é qualquer caçada. É a caçada. 

Observando mais atentamente pude perceber que só havia homens ali. Era um tipo de adega. Não era novidade para mim, ver que a maioria deles estavam bêbados, e não tinham o mínimo de noção do que estavam fazendo. Havia outros exibindo suas espadas de prata, que brilhavam mais do que a própria luz que encobria aquele salão. Eram reluzentes, mas tinham lá seus arranhões, de guerra suponho, pois pareciam ter acabado de sair de uma. Mas o que mais me chamou atenção foi uma meia dúzia de homens espalhados, em diferentes cantos dali, em diferentes mesas. Sozinhos. Quietos. Pareciam beber para esquecer da realidade, ou, sair dela. Todas as opções são válidas quando você acha que estar numa mesa de adega é o suficiente para fazer você se livrar de algo que só depende de você para acontecer.

𝐂𝐥𝐚𝐢𝐫𝐞 | 𝐁𝐞𝐧 𝐇𝐚𝐫𝐝𝐲Onde as histórias ganham vida. Descobre agora