Apresentação - Aurora

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 "Todos os músculos apertam em seu rosto. Enterra sua alma em um abraço. Eles são a mesma coisa, exatamente como a água." – Other Side of The World – KT Tunstall


Rio de Janeiro – Brasil


Imagine a situação: uma garota está vivendo sua vidinha mais ou menos que, apesar de recheada de conforto por vir do que chamam de "boa família", ainda assim é vazia. De uma hora pra outra, um louco aventureiro sem endereço surge, mostra a ela tudo o que o mundo tem de melhor, a rouba da família (sim, rouba!) e os dois vivem felizes até que a morte os separe — ou para além dela, quem sabe? Tenho absoluta convicção de que eu diria se tratar de uma tentativa de conto de fadas piegas e com tendências shakespearianas (tirando a parte do roubo sem tragédias, claro!) se não tivesse a certeza de que foi uma história bem real e verdadeira. A história de Oliver e Aurora. Não, não eu, e sim a Aurora de quem herdei o nome.

Costumo dizer que meu querido avô não roubou só minha avó e sim toda a cota de romantismo das gerações futuras da família, já que depois dos dois tudo o que veio foram relacionamentos que rolaram ladeira abaixo. Exemplos que provem a afirmação? Talvez o da minha mãe, organizadora de eventos que prepara casamentos para casais felizes e sonhadores e meu pai, advogado workaholic especialista em divórcios. Preciso mesmo dizer o quão pouco o casamento durou e que, durante o mesmo pouquíssimo tempo, a cada cinco palavras que ambos pronunciavam, quatro eram de ofensas um ao outro?

Se não for o suficiente, pode ser que meu namoro mais longo, que terminou comigo flagrando o desgraçado na cama com outra e um profundo ódio pela classe de homens idiotas que vêm crescendo a cada dia mais no universo, ajude no convencimento. Na verdade, ainda não sei se meu total repúdio por relacionamentos sérios vem disso ou dos números exorbitantes de divórcios com os quais meu pai já lidou e lida diariamente. Inclusive o seu próprio.

Infelizmente, a humanidade me leva a crer que meu casal favorito foi uma grande exceção. Uma espécie de buraco de cobra no meio da vastidão sem fim do universo de decepções amorosas, principalmente do clã Calter.

Uma grande discussão sempre acompanha essa conversa quando a tenho com meu avô. Sei que chega a ser um pouco cruel tentar convencê-lo de que o mundo é feio, mas ele é tão convicto do contrário que quem acaba sendo torturada sou eu. Torturada por altas doses de fofura e esperança.

Ele costuma falar sobre o outro lado do mundo. E não, não está se referindo ao Japão quando diz isso e nem a qualquer outro país em específico. Essa é apenas a maneira que um eterno aventureiro apaixonado por viagens encontrou de nomear o lado bom do mundo. Bom não, realmente incrível, segundo ele. O lado que é capaz de tirar todo o seu fôlego e fazer tudo valer a pena. Não deixa de ser um discurso bonito. Pena que tão utópico.

Sinto-me como em Arquivo X a cada conversa com o patriarca da nossa família. É como se eu dissesse e pensasse a todo momento na famosa frase: "Eu quero acreditar". Quero acreditar que sua vida maravilhosa não seja uma exceção e fruto da sorte. Aliás, patriarca esse que também é meu chefe. Sendo seus dois maiores amores sua Aurora e suas viagens, ele não deixaria passar a oportunidade de construir algo que o fizesse ser capaz de viver disso. Foi assim que surgiu a "Oliver Turismo" e, junto com ela, minha vontade de me formar em turismo e trabalhar nessa agência. As coisas não saíram exatamente como eu pensava quando me formei e comecei a trabalhar na parte interna da empresa. Digamos que é nesse mesmo cargo que continuo até hoje, dois anos e meio depois.

Acontece que pessoas descobrem que uma determinada coisa não é para si mesmo que adore ela, não é? Amo o turismo, mas o que fazer se a vida me levou para a parte de trabalhar dentro de uma sala o dia inteiro planejando o roteiro detalhado que outras pessoas farão? Fazer o que se a única viagem de que participei efetivamente como guia, além das necessárias para me formar, consistia em acompanhar um casal em bodas para Paris, mas não um casal qualquer e sim um casal que não estava nada interessado em sair do quarto durante toda a viagem. Eles estavam em Paris!!! Pode ser que eles também sejam a tal exceção em matéria de romance. Ou que já tenham se separado por acabarem enjoando de ver um a cara do outro o tempo inteiro.

O Outro Lado do Mundo [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora