Capítulo 11

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"Você me avisar, me ensinar, falar do que foi pra você não vai me livrar de viver". - Sentimental – Los Hermanos



AURORA

Uma nuvem passou pela praia e não estou falando no aspecto meteorológico. Foi a primeira vez que tive conhecimento daquele jogo com bebidas lembrado por Arthur, mas não acho que normalmente ele termine com cada integrante da brincadeira em um canto diferente por conta de revelações que levam à reflexão.

     A última vez que vi Max foi quando saiu furioso da roda de conversa, o que me leva a crer que, ou se enfiou em algum canto mais afastado da praia ou está andando por aí junto com a raiva que sentiu ao ouvir as confissões de Maysa.

     Maysa que tomou o rumo contrário do ex-namorado, em direção às pedras que compõem o cenário ao leste do local, na companhia de um Arthur arrependido por ter dado início às recordações de um capítulo à parte da história da irmã.

     Até Colin está ainda mais pensativo que o normal, ainda sentado com os braços apoiados nos joelhos, onde anteriormente todos nós estávamos. E de onde consegue perfeitamente me ver desde que decidi me aproximar do mar e burlar a regra que eu mesma criei de só ler trechos do diário de vó Aurora nos locais onde ela os escreveu. Uma tentativa de não deixar que o interesse pessoal ultrapasse limites e prejudique o aproveitamento no serviço. Mas, levando em conta a vontade de ficarem sozinhos demonstrada por todos, não sou muito necessária por hora e posso me dar ao luxo de conhecer os pensamentos que minha xará teve a caminho de Braemar, nosso próximo destino. 

     Respirando fundo como todas as vezes em que decido destrinchar mais um pouco do assunto Oliver/Aurora, desvio a atenção direta no oceano, ficando por conta apenas do barulho das ondas e dos respingos de água que me atingem quando quebram na areia, e me concentro no caderno que já vem tornando-se um velho conhecido.

    A dualidade nunca esteve tão presente em minha vida. E nesse momento, com o vento em nossos rostos e cabelos enquanto Oliver dirige até Braemar, ela pode ser representada pelas personalidades contrastantes do homem ao meu lado e daquele que insiste em habitar meus pensamentos com mais força do que eu gostaria.

    Sorrisos iluminados, abertos, sinceros versus sorrisos contidos, misteriosos, que sempre querem dizer mais do que milhares de palavras; espírito desprendido, edificante, utopista versus espírito selvagem confinado a amarras, como um lobo em uma gaiola. Entusiasmo versus o realismo duro e puro de quem acredita precisar viver por outro e inventar sombras que escondam sua humanidade.

    E ainda assim, contra toda a lógica, é tão fácil se apaixonar por Desmond e sentir sua falta.

    Mas é chagada a hora de pensar em mim e em quem realmente importa agora que tudo mudou de figura. Quem eu era e quem venho tornando-me duelam arduamente pelo prêmio no fim do caminho: minha alma.

    Duas Auroras tão completamente diferentes. De um lado, a dama pacata e responsável que entregou-se à paixão por um homem e foi duramente derrotada por seus próprios sentimentos. De outro, a mulher com cada vez mais sede de mundo, enfeitiçada pelos ideais de Oliver a ponto de questionar se o dono de seu coração conseguiria hoje atender suas expectativas de libertação e independência como esse rapaz adorável demonstra conseguir fazer.

    Paralelamente a elas existe a realidade fria e seu panorama pouco poético: Essas duas garotas conflitantes nada mais são do que o retrato daquela que, por um amor ardente, perdeu o cuidado dos pais, foi expulsa de casa, provocou uma guerra familiar e, rejeitada pelo amado, encontrou um pouco de seu conforto na gentileza de alguém bom o suficiente para resgatá-la e levá-la embora por alguns dias do pesadelo que sua vida se tornou durante o maior sofrimento que já viveu.

O Outro Lado do Mundo [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora