Capítulo 6

1.4K 113 28
                                    




"E nós que nem sabemos quanto nos queremos. Que nem sabemos tudo que queremos. Como é difícil o desejo de amar. Você que nunca soube quanto eu quis [...]" - Nós Dois – Layla (Part. Gabriel Sater)



MAYSA

    Arthur não podia ter feito isso comigo. Aliás, precisamos mesmo de três pessoas para irem atrás de um maldito galão de gasolina? Ok, está escuro, pode ser perigoso... Mas eu bem que estaria disposta a ir sozinha só para não ter que ficar aqui nesse momento. Nem ousei sair do banco de trás do carro enquanto Max permanece também em sua posição, no lugar do motorista, sem abrir a boca. Após a terceira vez que nossos olhares disfarçados se encontram pelo espelho retrovisor, tenho que apelar para o celular e aquela velha tática de mexer nele para evitar qualquer tipo de comunicação ou contato visual. Seria mais fácil manter a concentração no aparelho se nesse princípio de fim de mundo houvesse algum sinal.

Essa é a primeira vez que ficamos sozinhos em cinco anos e é tão irônico a maneira como as coisas são capazes de mudar tanto... Se teve uma coisa que nunca me incomodou, muito pelo contrário, era estar na presença apenas desse cara. Agora estamos aqui, um com medo da companhia do outro e visivelmente desconfortáveis com a situação.

E desconforto misturado com uma pessoa com tendências hiperativas trancada dentro de um carro é capaz de ser enlouquecedor, isso eu posso afirmar com propriedade.

— Arthur achou mesmo que essa seria uma boa oportunidade de ir atrás da guia e dar em cima dela? Nós herdamos partes bem diferentes da inteligência da família. Ou melhor, acho que eu a herdei e ele não. — não consigo sufocar um longo suspiro de saco cheio e ele sai antes da minha frase que quebra a imensidão de gelo desse carro assim que levanto meus olhos do celular.

Cansei de levantar e abaixar inutilmente a tela de mensagens e essa situação não tem propósito nenhum. Ninguém aqui é mais um jovenzinho recém-separado e com birra pós-término, então se estou em uma viagem maluca por um país estrangeiro que me deixou isolada com meu ex-namorado canalha, porque não aproveitar e lidar com ela como se fosse uma experiência de desenvolvimento espiritual e todas aquelas baboseiras de evoluir como ser humano, não guardar rancores e blá blá blá?

Vamos tentar isso agora. Parece que não tenho coisa melhor pra fazer no momento.

— Se a intenção dele era ser discreto sobre o assunto e não deixar ninguém perceber, tô vendo que não adiantou muito. — responde e acho que também está aliviado por conseguirmos lidar bem com a situação.

— Discreto como um rinoceronte esse meu irmão. Posso apostar que o menor dos seus interesses no momento é fazer esse carro andar. — Aquele oportunista de uma figa...

— Vocês continuam conhecendo um ao outro como ninguém.

— Certas coisas nunca mudam... O jeito como a cabeça de Arthur funciona é uma delas. Ou como não funciona.

Rio por um momento com os comentários e com o nada sutil interesse do meu irmão por nossa companheira de viagem e Max faz o mesmo, pelo menos até o momento em que nossos olhos, e agora sorrisos, voltam a se encontrar pelo retrovisor e nos faz ficar sem graça. A reação de constrangimento, no entanto, não nos faz desviar nossa atenção de imediato. Talvez seja besteira — e certamente é — mas é como se cada vez que nos olhássemos estivéssemos procurando enxergar algo além, algo que ficou pra trás, como numa busca por resquícios.

Um clarão vindo do céu é a deixa perfeita para que meus pensamentos sejam rapidamente desviados e voltem a focar em onde estamos. Os dele parecem terem feito o mesmo.

O Outro Lado do Mundo [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora