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Sou despertada com o som de vários passos apressados pelos corredores do castelo, ouço quando o portão da frente range com suas engrenagens pesadas, indicando que está sendo aberto. Uso minha velocidade para chegar na janela e olhar o que se passa do lado de fora, algo extremamente importante, eu diria. Do lado de fora, observo as grandes carroças de metal sendo conduzidas por cavalos, seguindo umas atrás das outras, ao todo são quatro, em volta estão vários soldados de meu pai, são o que eu particularmente chamo de subordinados. Vampiros que procuram uma maneira de estarem próximos de seu rei cumprindo sua vontade sem sequer questionar as ordens, sejam elas boas ou ruins. Não que Ronan seja um rei ou um pai cruel, ele faz o que pode para governar sabiamente o seu povo. Mas ainda sim, eu sempre questiono alguns de seus atos. Como o que está diante de meus olhos agora, um homem. Não. Um vampiro, sendo arrastado como um animal selvagem que acabara de ser abatido, correntes de prata o prendem pelos pulsos, tornozelos e pescoço. Imediatamente em poucos segundos, estou abrindo as portas da sala do trono, meu pai está ali, com sua postura inabalável, queixo erguido e olhos vermelhos faiscando de ódio, quando seus olhos encontram os meus, sua postura relaxa e vejo sua expressão dura ser tomada pela doçura. Logo estou me curvando em cumprimento, mas o gesto de suas mãos dispensam tal ato.

— Por mais que eu seja seu rei, também sou seu pai. Não quero que se curve diante de mim, olhos nos olhos. Isso já basta! — sua voz é forte e eu me endireito para olhar em sua direção.

— Você sempre diz isso, mas é força do hábito. — sorrio, mas logo coloco meus dois braços cruzados atrás de minhas costas. Meu pai arqueia a sobrancelha e logo suspira. — Eu vi o que está acontecendo pela janela de meus aposentos. E não gostei da paisagem.

Antes que meu pai diga algo, as portas são abertas e sua guarda real caminha para o centro do grande salão. Me coloco em meu lugar, ao lado de meu pai e observo quando eles abrem espaço para revelar o homem acorrentado e jogado de joelhos. Sua pele que deveria ser pálida, está imunda pela sujeira, suas roupas que antes deveriam ser algo simples, estão destruídas, seus cabelos negros estão cobertos pela terra, e seu rosto; bem, o seu rosto está fora de minha visão, sua cabeça está baixa, uma postura derrotada. Meus instintos me pedem para levantar a cabeça dele, não se deve abaixa-la assim. Jamais. Meus pés se movem sozinhos até o homem em meio aos guardas, o comodante está conversando com meu pai, mas eu não consigo prestar atenção. Quando estou prestes a tocar nele, uma mão segura meu pulso. Viro a cabeça vendo meu pai ao meu lado e todos os presentes estão me encarando chocados, como se eu tivesse acabado de cometer um crime.

— O que pensa que está fazendo, criança? Esse homem é um criminoso. — meu pai dita as palavras calmamente como se tivesse medo que eu não as entendesse.

Olho novamente para o homem criminoso e percebo sua postura rígida e punhos fechados sobre seu colo. Pisco algumas vezes e encaro novamente meu pai. Seus olhos estão me suplicando para que eu não me envolva, mas ignoro e me volto para o homem aos nossos pés.

— Qual seu crime? — pergunto e ele estremece. Ele não responde, só se encolhe ainda mais diante da minha voz, um dos guardas puxa abruptamente a corrente presa em seu pescoço e isso faz com ele levante a cabeça. Por um momento dou um passo para trás ao encarar seus olhos dourados, ele desvia os olhos de mim, mas continua com a cabeça erguida. — Por favor, diga-me o seu crime?

— Criança… — sussurra meu pai em tom de alerta, mas ignoro.

— Não cometi nenhum crime… princesa. — a sua voz está rouca e percebo o quão torturante está sendo para ele falar, provavelmente não se alimenta a semanas.

— Não seja mentiroso. — o comodante dá um passo em nossa direção. — Essa aberração dizimou vilarejos inteiros, é uma fera sem controle algum sobre seus instintos.

— Aberração? — questiono olhando para meu pai, ele não diz nada e volto a encarar o homem, então me dou conta. Olhos dourados. — Mestiço. — sussurro admirada por nunca ter presenciado tal espécie, o mestiço abaixa novamente a cabeça diante de minhas palavras.

— Tirem ele de minha presença, já sabem para onde devem levá-lo. — meu pai, o Rei Ronan, ordena. O jovem mestiço levanta a cabeça rapidamente e seus olhos me fazem um pedido de misericórdia silencioso antes de ser arrastado para fora.

— Quais são as provas contra este homem? — pergunto me virando para meu pai, ele já está sentado novamente em seu trono.

— Ouça-me criança… — o interrompo antes de terminar sua frase.

— Quais? Diga-me, quais são as provas contra este homem? — meu pai massageia suas têmporas e então se levanta, em um piscar de olhos ele está parado em minha frente, seus dedos gelados tocam meu rosto, mas logo ele se afasta, seus passos são feitos em círculos pelo enorme salão de pedras negras, poucos são os detalhes em dourado, como as molduras de várias pinturas antigas e os tronos.

— Temos testemunhas que alegam terem visto este homem atacando vilarejos, e sabemos como são os mestiços, são criaturas descontroladas, completamente selvagens. — enquanto meu pai fala eu me lembro dos olhos dourados e assustados.

— Na verdade, meu pai. Nós não sabemos nada sobre eles. São raros, quase como uma lenda escondida por entre a floresta. — começo a caminhar em direção a saída. Mas antes paro e me viro para meu pai que está encarando seus pés de forma pensativa. — Deixe-me cuidar de seus ferimentos?

Seus olhos vermelhos são direcionados para mim, ele me estuda com cautela antes de suspirar e virar as costas até seu trono. — Mesmo que eu diga: não, você fará de qualquer maneira. — sorrio vitoriosa.

Blood (Sangue)Where stories live. Discover now