5. O Mal Observa Enquanto Você Dorme

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Desde que se mudara - para um apartamento pequeno em uma cidade chata -, Julia não sabia ao certo quando as coisas estranhas haviam começado. Nos primeiros dias, acordava-se com a sensação de que alguém a chamava.

Julia... Julia... JULIA!
Despertava, olhava para todo o seu quarto. Levantava-se, espiava pela janela (como se do nono andar fosse capaz de ouvir alguém a chamando da rua!), depois ia até o quarto da mãe (que "dormia feito uma pedra" devido aos efeitos dos remédios que ela tomava sabe-se lá para o quê) e, sem ter nenhuma explicação para o que acabara de acontecer, contentava-se com "foi mais um pesadelo"; uma versão sonora de pesadelo que continuava mesmo quando os olhos de Julia já estavam abertos.

Aliás, o pesadelo (de verdade) iniciou quando soube, através de sua mãe, sobre a mudança.
(Por que você não me consultou antes?)
(Não tenho que consultá-la, estamos sem dinheiro!).
Trocar para aquela cidade já seria terrível por si só, mas Julia fora obrigada a abandonar muitas coisas importantes no processo.
(Não, mãe! Não vamos doar o Tobby!)
(Ele terá um grande espaço para correr na casa do Seu Rodolfo. Nós não podemos continuar tendo um cão!)
Ana, a mãe de Julia, acreditava que a maior parte do comportamento da filha era rebeldia adolescente, o ônus dos 14 anos.
(Mãe, tive um pressentimento ruim no momento em que entrei neste apartamento.)
(Ah, claro que você teve!)
Mas tudo aquilo estava sendo verdadeiramente muito duro para a garota.

Em seguida, veio o frio. Julia não entendia porque acordava com lençol e cobertores no chão durante algumas noites. Já vira algo assim em um filme, mas preferiu não pensar muito a respeito quando aquilo começou; era melhor simplesmente prendê-los debaixo do colchão.

Julia... Julia... JULIA!
Os pesadelos continuavam.
"Mãe, estão acontecendo coisas estranhas..."
"Sim, você não me ajuda! Deixou as revistas espalhadas pela sala..."
"Do que você está falando?"
"Eu estou cansada do seu comportamento, Julia! Não poderá sair até o final da semana!"
"Ótimo, muito que eu saio nesta cidade de me***!"
"Você não valoriza tudo o que faço por você! Agora, só sairá do quarto quando eu permitir!"

O relacionamento entre Julia e sua mãe já vinha piorando nos últimos 3 anos, desde que papai saiu para procurar emprego e nunca mais voltou.
(Julia, ele não quer mais viver conosco. Agora somos apenas nós duas...)
Mas, enquanto viviam na antiga casa, os desentendimentos tinham um fim, pois terminavam com uma reconciliação até que a próxima discussão surgisse. No apartamento, no entanto, eles apenas acumulavam, juntavam-se com toda a mágoa e rancor gerado a cada novo atrito entre mãe e filha.

Julia... Julia... JULIA!
"Malditos pesadelos!"
Naquela noite, Julia levantou-se de sua cama e caminhou até a cozinha, pois estava com sede. Abriu o armário, pegou um copo e começou a enchê-lo com água da torneira; ouviu passos no corredor. Preparava-se para fazer algum comentário com a sua mãe sobre também não estar conseguindo dormir, mas ninguém apareceu. Ainda dando alguns goles na água que acabara de servir, caminhou até o local onde achava que o som viera: ele estava vazio.
(Apartamento de bo***!)
Voltou para a cozinha e surpreendeu-se ao encontrar a porta do armário aberta. Fechando-a, logo em seguida.
(Eu podia jurar que já tinha fechado!)
Lavou superficialmente o copo que acabara de usar e o deixou em cima da pia. Sentia como se estivesse sendo observada e, na sala - que era separada da cozinha por um balcão -, olhou ao seu redor; mesmo estando sozinha, era como se soubesse que alguém estava em algum canto daquela sala, parado, escondido nas trevas e vendo cada movimento que Julia fazia.
(Apartamento de bo***!)

No outro dia, ao preparar as suas torradas para o café da manhã, Julia foi interpelada pela mãe.
"Você encontrou o que tanto procurava na cozinha?"
"Do que você está falando?"
"Ótimo! O que você vai inventar agora? Sonambulismo?"
"Acho que aqueles remédios estão te deixando maluca!"
Ana agarrou Julia com força pelo braço.
"Eu sei que não está fácil para você, mas também não está para mim! Então, se você quer chamar a minha atenção, começa me ajudando! Deixar todas as portas dos armários abertas durante a noite não melhora a situação entre a gente!"
"Eu não fiz isso! Me solta, está me machucando!"
Não demorou muito para os hematomas dos dedos da poderosa mão de Ana aparecerem no braço de Julia.
(Deixar as portas dos armários da cozinha abertas? O que eu ganharia com isso?)

Medo: Contos de TerrorWhere stories live. Discover now