1. Home Office Macabro

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Ellen, enquanto falava com seu pai ao telefone, não suspeitava do mal que a espreitava pelas sombras da casa. Um mal aprisionado em um receptáculo no porão há centenas de anos e aberto, dias atrás, pelos desavisados que trabalhavam na reforma de seu novo imóvel.

— Sim, recém cheguei na chácara. Hoje ainda tenho um monte de pendências do trabalho para resolver, mas amanhã você vem pela manhã. — dizia.

— Hoje é sábado! Não acha que já enriqueceu o bastante, Elli? — brincou Cláudio Campos. Estava ansioso para rever a mais velha entre seus três filhos. — Desde que se separou do Evandro, você só pensa em trabalhar! Um tempo de descanso também é importante para a cabeça. — O assunto da separação ainda era delicado.

— Pai, eu preciso focar no trabalho hoje. Amanhã você vem e, além disso, comprei este local para ficarmos mais próximos. Todos os finais de semana estarei aqui. Então, estamos combinados Sr. Cláudio? — A chácara localiza-se na cidade interiorana em que Ellen e os irmãos cresceram.

— Não vou prometer! Talvez eu faça uma visita rápida para levar um pedaço do bolo de limão que estou fazendo. Além do mais, estou curioso para ver como transformaram a velha casa dos Souza Costa no novo palácio de Ellen Campos. — Usava seus conhecimentos privilegiados a respeito da filha: limão é o sabor que sua falecida esposa fazia, o preferido de Ellen; e também sabia o quanto ela gostava de exibir as suas conquistas materiais.

— E eu, não vou prometer que o receberei, teimoso! Sabe o quanto é difícil manter a forma quando se tem 38 anos? — disse, dando uma risada logo em seguida. — A casa ficou ótima! Ainda preciso terminar o porão. Fora isso, apenas restou um cheiro estranho, parecido com ovo podre. Ainda não descobri de onde vem...

— Para com essa besteira de que vai engordar! Quanto ao cheiro ruim, pode ser de algum animal morto, talvez um rato. — Apesar de ter sido criada naquele tipo de ambiente, sua filha nunca acostumou-se com o ônus de morar em meio à natureza.

— Nossa! Espero que não! Pai, preciso trabalhar. Amanhã nos vemos. Beijo! — despediu-se.

— Boa tentativa! Logo mais te levo bolo e amanhã passo o dia com você. Até mais...

Ellen deixou o celular sobre a mesa, desabotoou a primeira casa de sua camisa e acomodou-se na cadeira do escritório. Contemplou por alguns instantes, observando através dos enormes vidros da janela, a belíssima vista para o pomar que ficava em frente ao cômodo. Quando sair esse fedor, será muito prazeroso trabalhar por aqui, pensou; redirecionando, logo em seguida, o seu olhar para o notebook que acabara ligar. Concentrada, a diretora de marketing respondeu 1, 2, 3... 5 e-mails.

De repente, teve sua atenção desviada. Ouviu o som de vidro se espatifando pelo chão, aparentemente, vindo da cozinha. O vento ou algum bicho derrubou os potes de temperos da prateleira, presumiu. Levantou-se da cadeira, desejando que não desse de cara com um rato ou com algum animal peçonhento. Saiu do cômodo, atravessando a área de circulação principal da casa, no térreo, passando em frente à sala de TV e porão — que naquele momento servia para guardar sobras de materiais de construção e itens da antiga residência que ainda não tinham sido colocados no lixo —, para, finalmente, chegar na sua cozinha. Ao adentrar no ambiente, percebeu que não havia nada quebrado, nenhum sinal de que um animal houvesse passado por ali e as grandes portas de correr estavam fechadas; ao olhar para rua, notou que uma tempestade estava se aproximando, com nuvens escuras que começaram a transformar aquela tarde de primavera, até então ensolarada, em noite. Ellen ainda estava se acostumando com a acústica da casa, então o ruído poderia ter vindo de outro local, presumiu.

Enquanto preparava-se para averiguar outros cômodos, foi surpreendida por novos barulhos, agora de objetos maciços caindo, aparentemente, na sala de TV. Instintivamente, ela dirigiu-se até o local que ficava ao lado da cozinha. Mais uma vez, ao observar o cômodo, nada estava fora do lugar: janelas fechadas e objetos nos locais previamente escolhidos.

Medo: Contos de TerrorWhere stories live. Discover now