3. Dia de Sorte

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Pela rua, onde o cinza do asfalto desaparecia em meio ao verde da vegetação, Carlos fugia de um grupo de criaturas famintas. Ele buscava por alimentos, mas sempre existia o risco dele mesmo virar a refeição; as incursões pelos bairros sempre eram perigosas e a daquela tarde não estava sendo diferente. Nunca estivera tão difícil de encontrar o que comer! Visto que os enlatados em mercados ou em casas abandonadas, em sua maioria, já haviam sido consumidos por outros sobreviventes. E se submeter aos regimes totalitários, dos poucos grupos que conhecia, estava fora de questão; Carlos preferia arriscar que sua carne virasse banquete para os monstros, que caçavam lá fora, do que abdicar-se do restante de sua dignidade. Corria a plenos pulmões, mas em algum momento seu corpo precisaria de descanso, enquanto que as criaturas não se cansavam; elas jamais cansavam, jamais sentiam dor, jamais sentiam medo e jamais estavam saciadas.

Carlos encostou a mão na pistola que carregava em sua cintura, mas só sobraram três balas. E, embora não parasse para ficar analisando com exatidão quantas criaturas o perseguiam, calculou que umas cinco deveriam estar na sua cola; pois o odor de carne podre aumentava gradativamente. Iria faltar munição. Precisava encontrar um abrigo e rápido! Mas era complicado... ele olhava para os lados: a maioria das casas estavam com os vidros das janelas quebrados; por onde os monstros atravessariam facilmente. O tempo estava se esgotando, pois começara a ouvir mais próximos os passos de seus perseguidores e, naquele instante, já pareciam ser bem mais do que cinco. Estava ficando difícil de puxar o ar e as pernas, embora fortes, já amoleciam e não tinham o mesmo desempenho de minutos atrás. Sua vida estava prestes a ter um final horrível.

"À direita...", visualizou uma casa de dois pisos que continha tábuas de madeira protegendo as janelas do térreo; e a porta da frente estava entreaberta. Talvez houvessem outros lá dentro, mas era necessário arriscar. Desviou da vegetação do pátio — que há dois anos atrás, provavelmente, tinha sido um belo gramado — e atravessou pela estreita trilha, parcialmente preservada, que levava até a varanda da casa. A fachada da residência já estava tomada por trepadeiras que escondiam o azul (desbotado) e as avarias causadas pela ação do tempo e da natureza. Com a agilidade de um atleta, subiu as escorregadias escadas tomadas por musgos e fungos e sentiu-se nauseado pelo miasma do corpo em decomposição à sua esquerda, na varanda; não havia tempo para maiores análises, mas percebeu que só restaram poucos pedaços daquele corpo que um dia foi de um homem ou de uma mulher. Saltou para dentro da casa e fechou a porta; estava com sorte, a chave estava na fechadura no lado de dentro, girou e a trancou rapidamente.

Bac!! Bac!! Unnngh!
Os monstros famintos forçavam a entrada principal!

Os impactos dos corpos das criaturas fizeram a porta de madeira balançar por diversas vezes; havia o risco que conseguissem arrombá-la, Carlos presumiu. Observou à sua direita, pelos feixes de luz do sol que entravam entre as tábuas da janela, um balcão; o empurrou com pressa, bloqueando a entrada. Em algum momento as criaturas deveriam se acalmar e buscar por carne em outro lugar, mas isso demoraria; e certamente ele precisaria passar a noite dentro daquela residência. Tirou a sua pistola da cintura e, apontando-a para frente, preparava-se para investigar os demais cômodos no térreo; procurando, inicialmente, por outras portas que davam para o lado de fora da casa e que pudessem estar abertas.

A luz do sol entrava pelas frestas das janelas e iluminava o suficiente aquele lugar empoeirado. Carlos não precisaria pegar a lanterna (que estava em sua mochila) e gastar as pilhas ainda. Seguiu cautelosamente pelo cômodo que estendia-se até a ponta oposta da casa; que contemplava o hall de entrada, sala de estar e sala de jantar no mesmo ambiente. Desviou e inspecionou com cuidado alguns móveis — pois ele sabia que, às vezes, um daqueles seres famintos poderia estar embaixo de uma mesa — e sem contratempos chegou ao fundo do local. Em seguida, visualizou a entrada de uma porta fechada (à sua esquerda), dois lances de escadas que levavam para o segundo piso (à sua frente) e uma grande janela tapada por diversas tábuas de madeira do lado de dentro, abaixo do segundo lance de escadas; esse cômodo e o segundo piso fica para depois, ele pensou. Afinal, à sua direita, havia uma entrada aberta para o que parecia ser a cozinha da residência.

Medo: Contos de TerrorWhere stories live. Discover now