— Não coma tão rápido, ou vai se engasgar. — O desconhecido disse com suavidade, mas a criança parou o garfo a caminho da boca, corando até a raiz dos cabelos. — Por que não me diz o seu nome? O meu é Erastus Underhill. — Ele estendeu a mão na sua direção, recebendo uma encarada em resposta, hesitante. — Não precisa dizer se não quiser.

— Isolde — sussurrou, voltando a se concentrar no pedaço de torta.

Erastus sorriu e se reservou ao silêncio, deixando a xícara de chá esfriar no canto da mesa, até a menina terminar de comer.

— De onde veio, Isolde?

— Bourach Park. — Ela largou o garfo no prato, ignorando o semblante repreensivo da garçonete graças ao ruído. — Não vai me levar de volta, vai?! Não posso voltar. Não quero. Não vou aguentar.

— O que fez com aquele carro foi extraordinário — comentou ele, mudando de assunto ao ver o copo de leite tremer sozinho perto da mãozinha machucada. — Coisas formidáveis acontecem com frequência ao seu redor?

— A abadessa diz que é uma maldição e que serei condenada por não me arrepender do que faço — disse com um quê de frieza, muito inusitado para alguém de sua idade.

— Isso não é uma maldição, Isolde. — Erastus suspirou, contendo a irritação. — Não pode confiar no que dizem, afinal, olhe só o que fizeram com você. Quem tem coragem de ferir um anjinho inocente por ele ser especial? Porque sim, você é especial. — A garota negou com a cabeça, encarando as próprias mãos rachadas pelo frio. — Em breve, não terá que lidar com esse tipo de gente. Suas habilidades serão reconhecidas, admiradas, e nunca mais se sentirá sozinha.

Isis viu a esperança florescer na criança à medida que Underhill a envolvia com sua grandiloquência, e quis gritar para ela não o ouvir; que saísse correndo de volta ao orfanato ou qualquer outro lugar bem distante, onde a maldade não a agarrasse pelos calcanhares.

— Como? O senhor vai me ajudar? Por favor, eu não quero voltar para as freiras — insistiu, apesar de o desespero de antes ter perdido a intensidade.

— Eu posso ajudá-la a enxergar a magnitude dos seus dons. — Havia tanta compaixão artificial em Erastus que Isis quis vomitar. — O medo será uma lembrança distante, pois ninguém mais terá a capacidade de machucá-la. Se tentarem, pagarão por isso. Quer que eu a ajude, Isolde? — Ela assentiu, animada com o prospecto de uma vida livre de dor. — Isolde, Isolde... — repetiu com sua voz aveludada, absorto em pensamentos. — Esse nome é muito trágico para uma mocinha prodigiosa como você. Talvez se faça necessário que escolhamos outro, o que acha?

— Mesmo? Podemos fazer isso?

— Com o meu auxílio, você poderá tudo, minha garota.

— Já chega — murmurou a Isis do presente, e a lembrança se desfez em uma fumaça preta.

A escuridão os engolfou até se verem de volta na sala do professor. Isis puxou o fio de memória branco-prateado da penseira e o colocou no frasco de vidro, devolvendo-o à caixa de madeira reservada a ela. As ações foram mecânicas, realizadas sob as ordens de um cérebro alheio a tudo que não envolvesse a morte de Rhys, o acidente de carro e até mesmo o cheiro rançoso da maldita lanchonete, que parecia entranhado na sua pele.

— O retorno ao orfanato aconteceu? — Isis apoiou-se contra a mesa, dando as costas ao mestre de Poções.

— Sim. Eu implorei a Erastus que me levasse com ele, mas... — A bruxa deu de ombros. — Na mesma semana, após levar outra surra de açoite, é claro, um casal visitou Bourach Park. Os dois me viram sozinha, colocando flores no local onde Rhys fora enterrado. Devem ter sentido pena, ou sabe-se lá o que, para terem me escolhido. — Isis coçou os braços para tentar aliviar o formigamento irritante. — O Sr. Blakeley não podia ter filhos, mas gostava de colocar a culpa na esposa. Outro interesse dele era posar de filantropo, então por que não adotar uma órfã sem futuro, certo?

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