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Isis afastou a agulha do gramofone quando a música se tornou um ruído inarmônico. Qualquer disco tocado ali ganhava nuances nostálgicas, repletas de uma banalidade que não se encontrava em outro canto exceto aquele, na casa senhorial de Underhill. Não obstante, mesclava-se muito bem à decoração aristocrática da biblioteca. Um visitante consideraria o objeto tão parte daquele mundo quanto todo o resto. Contudo, assim como uma parcela considerável dos livros exibidos nas estantes de ébano, que forravam as paredes altas, a peça do século XIX ocultava as origens trouxas com elegância.

Em sua adolescência, brincava com o apreço que o bruxo nutria por seus pequenos tesouros, dizendo que tutor não pensaria duas vezes em salvar o gramofone de um incêndio em vez dela. Erastus então lhe dava um beijo na testa — a barba bem-cuidada fazendo cócegas na pele —, sem concordar ou negar, aumentando o ciúme. O valor emocional do toca-discos e dos livros era incomensurável, representando um pedaço precioso de sua infância ao qual ele se agarrava com teimosia. Nem mesmo Isis arriscava se interpor, com medo de perder.

— Deixe o silêncio — falou Underhill ao vê-la pegar um novo disco.

Sentado atrás da escrivaninha, a luz amarelada do abajur endurecia as feições, apesar da calmaria no olhar, e dava um tom vivo ao verde-escuro do sobretudo. O livro no colo servia de apoio para a mão esquerda, onde a serpente enroscava a dioptase no anel de prata. Com a outra, em um gesto lânguido, pediu que Isis se aproximasse. Reter a atenção de Erastus açulava cada fibra do seu ser, demandando o esforço de todas as partículas de autocontrole para aplacar a admiração sem reservas e a paixão insensata.

Ela nunca expressara em palavras a emoção licenciosa que a consumia desde o momento em que admitira para si mesma que não o enxergava mais como um tutor. Não quando Erastus mostrava afeição apenas pela pupila e não pela mulher. Isis não se interessava pelo platônico. Esforçara-se, sim, em se livrar de qualquer sentimento conflituoso envolvendo o bruxo, nos anos vividos em Uganda, porém bastara um reencontro para o encantamento a cegar de novo.

Isis parou à sua frente, com as mãos atrás das costas, e aguardou enquanto ele a fitava. O orgulho pronunciava-se no olhar preso ao dela, tal qual um artista admirando seu magnum opus após anos de afinco desenfreado em nome da beleza daquele existir. Sem uma palavra, Erastus lhe entregou o livro, roçando de leve o polegar na mão morna da bruxa em um gesto, aparentemente, irrefletido.

— Meus olhos estão cansados. — Ela passou a mão pela capa surrada da edição de O Morro dos Ventos Uivantes e verificou a folha de rosto, onde a caligrafia cuidadosa exibia o nome "Dorothy Underhill" e o ano "1948" no topo. — Leia para mim, sim?

A bruxa se sentou no chão, aninhando-se junto às pernas de Erastus, e abriu o livro na página marcada, sem se importar com as coxas parcialmente expostas pelo vestido de seda.

Nessa altura, eu era muito supersticiosa quanto a sonhos e ainda sou, e Catherine tinha um brilho especial no olhar — os dedos dele passearam pelos seus cabelos e Isis engoliu em seco antes de continuar: —, algo que me fazia recear que eu pudesse extrair das suas palavras alguma profecia e prever alguma terrível catástrofe.

Solace ϟ PotterversoWhere stories live. Discover now