O Adam é diabólico

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     Sabe aqueles filmes de romance adolescente água com açúcar que lançam na Netflix que muda só o nome dos personagens e tem um pequeno detalhe na narrativa que dá nome à estória e a diferencia minimamente das demais?

     Pessoas que estão lendo, sinto lhes informar que eu tive um episódio da minha vida que recria um dos mais famosos clichês desse tipo de filme: "pessoas que se odeiam precisam fazer trabalho de escola juntos". ¡Ay!, só de pensar nisso já me dá cáries.

     Para poupa-los minimamente de tamanho sofrimento, usarei minha arma secreta: o drama humorista.

     Lá estava eu, todo pleno, sentado em minha mesa. Conversava com Hunk e Pidge (este que estava no masculino naquele belo dia de quarta-feira) animadamente. Já havia zoado o mullet de Kogane umas quatro vezes.

De repente, o professor Adam empunhou sua caneta rosa e escreveu à lousa com uma risada diabólica reverberando pela sala inteira!

(Não teve risada nenhuma. Mas ia ficar mais emocionante se tivesse.)

— Vou dividir vocês em duplas para fazer um trabalho que vale meio ponto na média.

Virei-me em câmera lenta para meus dois nobres e bravos companheiros com uma faceta chorosa. Teríamos de nos separar. Não nos aventuraríamos às altas horas da madrugada para terminarmos o trabalho de última hora.

(Da última vez, tentamos fazer pipoca na panela de pressão. Parecia que estava tendo um tiroteio. Os vizinhos chamaram a polícia. Vai ser uma boa história para contar para os meus filhos.)

     Adivinhem só?

— Alexandre e Keith.

Eu usei toda a minha calma e elegância para tentar compreender a situação:

— COMO É QUE É!?

Eu juro perante Jesus que o Adam tinha um sorriso diabólico quando olhou para mim.

— Isso mesmo. Vocês formam dupla.

Virei-me em câmera lenta para o coreano. Nunca vi alguém demonstrar uma expressão facial tão incrédula e indignada em toda a minha vida.

— O mundo acabará em um trabalho de física. — previu Pidge, engrossando a voz para ficar mais dramático (e talvez mais masculino).

Meu estômago embrulhou conforme possibilidades catastróficas de como a produção do trabalho acabaria.

Eu podia acabar me expondo sem querer. A minha paixonite poderia ficar bem explícita. Ele poderia (não sei como) acabar pegando meu celular e olhando as conversas com Hunk e Pidge sobre meu crush nele ou (pior ainda) entrar no Instagram e ver minhas conversas com Sakura.

Não prestei atenção no resto daquela aula. Mal ouvi o sinal do recreio bater. Disse algo genérico para Hunk e Pidge sobre encontrá-los depois. Tentei não correr até um banheiro afastado e que ninguém usava – a não ser para se pegar, mas também eram raras as vezes.

Me tranquei numa cabine. Sentei no vaso com a tampa abaixada e me abracei, segurando o choro.

"LÁ VEM O CHOCOLATE!"

"Deixa ele. Ele é cubano. Não tem escola em Cuba p'ra ele aprender isso."

"Você nem devia 'ta aqui, imigrante ilegal!"

"Vocês têm casas lá em Cuba ou são só ocas?"

"Você NÃO É americano! Você é CUBANO! Vai estudar geografia, imigrante ilegal!"

Uma lágrima solitária escorreu sem eu permitir.

Eu queria falar com alguém. Mas ... talvez Hunk e Pidge estivessem no meio da muvuca, onde é fácil ler por cima do ombro e descobrir tudo.

... Mas o Sakura não tinha falado que lanchava sozinho num lugar escondido?

Saquei o celular do bolso e vomitei as palavras que estavam presas na garganta.

[Primeiro de tudo, desculpa mandar mensagem no recreio. Segundo, escuta isso com fone. Bom ... eu caí com o Kogane num trabalho de física. O. KOGANEEE! Tipo ... eu to MUITO fodido! Ele pode acabar descobrindo como eu me sinto e acabar espalhando p'ra todo mundo sem querer ou por querer e ... — minha voz falhou — ... eu já sofri bullying por ser eu mesmo antes. Não quero passar por isso de novo. NÃO QUERO que todos riam de mim ou me achem de uma espécie alienígena ou inferior!]

Engoli em seco e mandei o áudio.

Sabe, eu sei que abrir meu coração com alguém que eu não sei quem é desse jeito é perigoso e estranho. Porém ... o Sakura me passa confiança. Como seu pudesse contar tudo sobre mim, desde as partes mais lindas até as mais obscuras e vergonhosas da minha personalidade, e ... ele ainda estaria orgulhoso de mim por algum motivo?

Sim, eu sei que é bobo. E infantil. E completamente utópico. Mas ... sabe aquela sensação boa que dá na boca do estômago quando você acerta em cheio em alguma coisa? Era essa a sensação de me abrir com o Sakura.

Se passaram cinco minutos de devaneios quando ele mandou mensagem.

Primeiro de tudo: RESPIRA
Respira fundo
Se acalma um pouco

Obedeci seu comando. Inspirei e expirei fundo umas quatro vezes.

Pronto

Certo
Segundo
Tenta descobrir DO QUE você tá com medo nessa história toda
Qual a fonte

Fechei os olhos, tentando resumir em poucas palavras.

Medo de sofrer bullying dnv

Pode tentar desenvolver?

Tipo
Eu já sofri bullying por ser cubano
Por ser latino
Eu ñ quero sofrer bullying dnv
Principalmente se eu ñ posso mudar o q eles tão zoando

Entendi
Tu já pensou em fazer um tratado de paz temporário com ele?

???

Tipo
Combina com ele que tu não vai zoar ele durante aquela noite e pede pra ele não invadir a sua privacidade

Mas ele ainda pode contar algo comprometedor q aconteceu DURANTE aquela noite
Tipo eu tá encarando ele td boiola

Putz verdade
Sei lá
O máximo que pode acontecer é ele contar pro Pidge
Não é?

...
Talvez

Se não
Dá um jeito de enfiar isso no acordo
Até porque ele é lerdo pra esse tipo de coisa

Vc eh um gênio

Eu sei 😎

Convencido

Fala a humildade em pessoa né?

Ri pela primeira vez desde a divisão das duplas.

É. Eu podia confiar no Sakura.

Correio delator [Klance]Where stories live. Discover now