Capítulo 3: Lembranças de Cristal

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Eliandre segurava a minha mão enquanto a enfermeira desplugava todos os tipos de coisas bizarras que prenderam em mim durante minha estadia no hospital.

Era bom sentir que eu finalmente poderia sair de lá e começar a investigar sobre a minha vida. Por algum motivo, eu me sentia bem, era como uma segunda chance de viver.

Eu me lembrava do quanto eu odiava a minha vida nas lembranças que eu tinha, mas de repente estava tudo tão diferente, aquelas lembranças pareciam ser só isso, lembranças. Eu me sentia tão mais viva...

Me levantava da cama com certa dificuldade. Não havia nada de errado com as minhas pernas, apenas o fato de não usá-las a mais tempo do que deveria. Não levaria muito tempo para me acostumar a andar de novo, dizia a doutora, mas estava incomodada com a dificuldade ainda assim.

Lili me apoiava enquanto íamos para o quinto andar. Os corredores em branco faziam tudo parecer tão frio, mas a cada passo que eu conseguia dar, cada avanço, fazia meu coração pulsar com uma sensação que eu não conseguia me lembrar de já ter sentido. Estava cada vez mais próxima de Alice.

Eu não sabia o que esperar. Havia visto fotos da menina, sem reconhecê-la. O nome não me era completamente estranho, mas também não me fazia imediatamente saber que se tratava de uma amiga, apenas me passava um sentimento que eu não entendia.

Também pensava sobre o acidente, ela poderia estar muito machucada, talvez. Então me preparava para isso, me preparava para chegar no quarto e ver um misto de ossos quebrados e cicatrizes não-curadas. Preferia esperar pelo pior, estava acostumada a isso, saber o que poderia vir e não me machucar tanto com o impacto.

Mas quanto mais eu pensava a respeito, mais estranha me sentia. Me sentia mal por imaginar a garota assim, e queria tirar aquela imagem da minha mente, e ao mesmo tempo queria mantê-la como defesa.

E então Eliandre abria a porta e eu a via deitada na cama, não muito longe. Me aproximava, e chegando mais perto a minha mente parava de lutar comigo e aceitava o que via, de certa forma aliviada.

Olhava as estantes cobertas por flores, alguns objetos pessoais, e na minha frente estava Alice, ligada a várias máquinas que pareciam estar sugando o tempo dela. Ela era linda, mais linda do que as fotos deixavam parecer, e a palidez de sua pele não parecia muito diferente das fotos.

Parecia viva, seu cabelo estava brilhante, longo e um pouco ondulado. A única coisa que demonstrava que ela não estava acordada eram os equipamentos que a monitoravam.

"Quem é você?", eu me perguntava, mas ao mesmo tempo sabia a resposta. Ela era a pessoa que poderia me contar tudo sobre mim, talvez naquele momento ela soubesse mais sobre a minha vida do que eu mesma.

- Essa é a sua irmã, Rê. - Dizia Eliandre quebrando o silêncio, com lágrimas nos olhos. - Talvez você consiga convencer ela a acordar como ela faz com você...

- Eu... Você pode me deixar um pouco a sós?

- Claro, eu vou ficar lá fora.

Eliandre saía do quarto enquanto eu me sentava em uma cadeira próxima a Alice. Eu sabia que a conhecia, não sobrava mais nenhuma dúvida quanto a isso, mas ainda não me lembrava de nada. Passava a mão no cabelo da menina, era macio. Esperava que ela abrisse os olhos a qualquer momento.

- Alice... Eu sei que eu conheço você... - Eu me sentia idiota falando com alguém que não me escutaria, mas ao mesmo tempo tinha esperança de que ouviria uma resposta. - Você não vai me ouvir, não é? Bem, então você é uma ótima pessoa com quem conversar. Sabe, desde que acordei eu tenho me sentido meio perdida... Parece que todo o meu mundo mudou e eu não sei mais quem sou eu. É engraçado, me sinto no país das maravilhas. Não sei dizer se gosto dessa sensação, mas pelo menos me dá um motivo pra... Bem, estar viva. Eu tenho algo pra explorar, e estranhamente, você faz parte disso. Estou tão perto de você, e ao mesmo tempo tão longe de te conhecer que devia me perguntar por que eu estou aqui. É que me disseram que você tem a resposta, então espero que você acorde logo, ok?

Saudades. Eu finalmente entendia que sentimento era aquele, estava com saudades. Era estranho sentir saudades de alguém que eu não conhecia, alguém que eu não conhecia que estava literalmente na minha frente, alguém que eu conseguia tocar, tão perto, tão perto... Mas estava mais distante que qualquer amizade minha.

Ouvia uma breve discussão no corredor enquanto meus olhos começavam a se encher, e logo a porta abria revelando Rosa e Eliandre. Minha mãe estava claramente irritada, se movendo rapidamente na minha direção, enquanto Lili parava na porta, segurando o choro.

- Que história é essa de sair do quarto sem me avisar?! - Reclamava Rosa quase me puxando pelo braço antes de perceber que eu ainda não estava em condições de me sustentar de pé sozinha. - Você tá maluca?!

- Eu só... - Eu puxava meu braço de volta, um misto de assustada e irritada. - ...Vim ver Alice. Eu estou bem.

- E quem deixou você sair do quarto?

- Eu não tenho o direito de sair? - Rosa estava furiosa, e eu não conseguia entender o motivo que ela tinha para estar. - Fora que eu estou sem celular, como você queria que eu te avisasse?

- Eu não queria que você me avisasse, eu queria que você não tivesse saído!

- Eu... - Eu pensava em responder, mas olhava para Alice e percebia que aquele era um péssimo momento para brigar com Rosa. - Me desculpe. Eu devia ter esperado você... Mas a gente pode não discutir aqui?

Rosa me olhava ainda mais irritada ao perceber que estava quase gritando comigo.

- Tá bom Renata. Eu só... Fiquei preocupada. Você acabou de acordar e já está sumindo de novo. Vamos para casa, ok? A doutora já liberou você.

- Eu já posso sair desse hospital? - Eu respondia quase animada, enquanto crescia em mim a sensação de que teria uma vida nova para explorar.

- Pode, mas para casa. DESCANSAR.

- Você vai levar ela para a sua casa? - Interrompia Eliandre, comovida.

- Mas é claro que eu vou. Ela precisa ir para a casa dela.

- Eu... - Eliandre parecia desistir de argumentar. Tudo bem, eu posso dar uma carona para vocês?

- Não. - Cortava Rosa, com um desgosto pela moça que qualquer um podia notar. - Nós podemos ir sozinhas.

Eu queria protestar, mas ao mesmo tempo queria evitar qualquer discussão. Abraçava Eliandre mais uma vez antes de ir embora, e ela me dizia para avisar quando chegasse em casa.

Não demorou muito mais que isso para juntarmos as poucas coisas que tinham no quarto do hospital e irmos embora daquele lugar.

E então, a vida recomeçava.

Chegava em casa me sentindo mais deslocada do que deveria. Sabia que estava a dois meses fora, mas não achava certo me sentir assim. De certa forma não parecia mais a minha casa.

Rosa se esforçava para que eu ficasse confortável, me oferecia ajuda mesmo que eu evitasse precisar dela, me deixava escolher o que assistir na tv mesmo que eu não quisesse, perguntava o que eu queria comer.

Eu sabia que ela poderia estar com saudades, ou tentando me fazer sentir bem depois de tanto tempo no hospital, mas eu também sabia que aquela não era ela de verdade, e já esperava o momento em que ela me mandaria lavar a louça.

Apenas pedia para que me deixasse finalmente usar o meu celular, e ela finalmente atendia, me entregando o aparelho que eu não reconhecia.

Não que eu tivesse algum celular em mente, qualquer aparelho que ela me entregasse seria uma surpresa, mas eu me perguntava se aquilo era realmente meu, e ela dizia que sim. Colocava o telefone para carregar e logo o ligava. Sabia que agora sim eu estava fora daquela prisão.

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