Capítulo 10 - Mulheres

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A cozinha derramava mulheres pelas janelas. O espaço de locomoção reduzido, os ânimos sobressaltados e a ansiedade da pré-festa tornavam o cômodo estreito e comprido pequeno para tanta gente. Ainda assim, dadas as limitações estruturais, cada mulher procurou se ajeitar onde coube e cumprir sua obrigação. Divididas em pequenos grupos de trabalho — o que picava, o que afogava, o que limpava e o que morcegava —, davam intensidade aos preparativos com risos, gritos e falas gritadas. O zum zum forte retumbava pela casa toda, estremecendo o chão numa vibração de festa.

Sabina empertigada, embora cansada em seus oitenta e poucos anos de sobrevivência, saltava de um lado para outro, acudindo e orientando as visitas, como requeria a comensalidade de uma boa anfitriã. Transitava entre as moças e as velhas, supervisionava os rapazes na feitura das barracas e no preparo dos demais implementos para o pagode com bom humor. Pediram que sentasse e se resguardasse para a noite, mas ela não quis. Ao contrário, objetou e manteve-se ativa. Recobrado o sentido da utilidade não o abandonaria tão cedo.

Quelemente, a essas horas, já tinha desgraçado meio mundo de gente, beliscado um meninão gordo que beirou a cama — para ver o "vovô espantalho" — e mandado uma comadre enxerida ir às favas, montada no diabo, depois de ela ter julgado que além de paralítico ele estava surdo! Uma humilhação! Outrora ele, Quelemente, havia sido um homem forte e carnudo, ativo. Andava com suas próprias pernas. Tinha juízo de si. Ninguém lhe torcia o bico ou desfeiteava. Agora? Reduzido a um amontado de peles e ossos, tornara-se objeto de olhares complacentes e ouvinte de palavras comedidas, cuja inteligência descreditada sequer era levada em consideração.

Consequentemente, as imposições da deficiência e as limitações dos estatutos de sobrevivência de sá Sabina, "que era uma velha chata e abelhuda", tornaram-no, por fim, o homem rabugento e temido que definhava num catre miserável do quarto mais escuro da casa e desassossegava qualquer vivente com seu mau humor.

Às vezes, depois de um dos rompantes de histeria, Quelemente irrompia em lágrimas de solidão. Recolhia-se na escuridão de seus pensamentos e não dizia palavra por muitos dias. Onde estavam os compadres? As filhas? O povo que vivia amassando barro na sua porta? Concluía: a inutilidade do corpo não vinha sozinha, trazia sempre a inutilidade social. A doença lhe serviu para provar uma única coisa: ele valia pouco ou quase nada.

Celestina, a caçula de Idalina, foi incumbida da difícil tarefa de servi-lo naquele dia festivo. Tímida e medrosa, a coitadinha demorou bastante tempo para se atrever a empurrar a velha porta e mais ainda para entrar no quarto fedido a escarro e urina. Primeiro, andou no corredor de um lado para outro, batendo os pezinhos para cá e para lá nas tábuas do assoalho; depois pregou o ouvido na porta. Ouviu. Firmou o sentido. Escutou tosses e xingamentos. Esperou. Então criou coragem para empurrar vagarosamente a porta e espreitar pela fresta, mas quando colocou metade do corpo para dentro, recuou assustada. Quelemente, que a viu, pois não era cego, gritou da cama "que entrasse". Não teve jeito. A bichinha entrou.

Pé ante pé, Celestina se aproximou da cama e estacou lívida. Nunca tinha estado sozinha com o avô. Adultos sempre a acompanhavam e contentavam-se em despedi-la depois de uma bênção tomada às pressas. Quelemente, muito lúcido, viu em seu medo o gancho para questões maiores. Solicitou um pito. Não exigia muito, bastava que lhe trouxesse um cigarrinho de palha, com cautela, e lhe arrumasse um tiçãozinho de brasa para acendê-lo. Não pediria mais nada. Celestina, que sabia de cor as proibições da avó, retrucou valentemente. Não arrumaria pito nenhum. Ah! Quelemente a desgraçou de todos os modos, ameaçando beliscões e praguejando uma velhice mais solitária e sofrida que a sua. Só se deu por satisfeito quando, retorcendo o corpo, puxou o penico de debaixo da cama e jogou toda a urina em Celestina, que vencida e humilhada saiu aos prantos.

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⏰ Terakhir diperbarui: Jun 17, 2020 ⏰

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