CAPÍTULO DEZOITO - SEFIRA

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— Não... Ele está... preso. No Tártaro. Com os outros — a voz era baixa, assustada, ela olhava pra mim com medo.

— Está tudo bem, ele não vai te machucar — falei, mas o espirito negou várias vezes, de repente muito agitada — Sefir-.

— Ele parece com você — murmurou tão baixo que ouvidos humanos não seriam capazes de escutar, a frase me deixou em silencio — Parece você, Kim Taehyung. Ele usa seu nome... Kim Taehyung. Kim Taehyung... É o que temos de dizer, todos nós temos de dizer que você é o nosso mestre. E porque ele tem o seu rosto... Não é mentira. Não é mentira — ela estava nervosa, agitada demais, se machucando nas correntes.

— Calma, ok. Calma... Desfaçam a magia — pedi, as lágrimas acumulavam em seus olhos, mas era impossível fazer escorrer, as projeções não eram boas o bastante para tal. Os círculos mágicos foram desfeitos, mas Diana não soltou as correntes, talvez temendo que o medo de Sefira a fizesse fugir — Não vamos te machucar e nem ele vai. Pode confiar em mim?

— Você se parece com ele... — murmurou de volta.

— Eu sei. Mas ele roubou meu rosto — ela olhou de mim para Irene, ver a íris dos olhos da deusa dos caminhos era uma coisa boa, Irene e Jongdae eram os mais próximos que conseguíamos ter do destino, já que o próprio não gostava de se mostrar — Você sabe quem ele é? Quem realmente é?

— Somos sua melhor chance, Sefira — Diana insistiu, quando o espirito passou tempo demais em silencio — Não proteja quem não protegeria você.

— Orin... — ela disse, por fim — Orin roubou seu rosto, Kim Taehyung.

Orin e Sarga. Dois dos primordiais estavam soltos, eram como os equivalentes espirituais para Atlas e Cronos, talvez até piores. Muito piores. Diana foi a primeira que olhei, talvez porque ela conhecia bem os problemas que aqueles dois representaram. Na Titanomaquia, não tivemos qualquer contato, mas durante a Skianomaquia - a guerra dos espíritos - precisamos de todos os deuses para pará-los. Não era o mesmo cenário, óbvio, eles estavam muito mais fracos, porém nós também não éramos mais fortes como antes. Eu não sabia o que esperar.

— Obrigada, Sefira. Não nos decepcione — Irene se aproximou, estendendo uma mão para o espirito, as correntes se desfizeram em linhas cortadas, se amontoando a volta dela, prendendo-se no uniforme escolar.

A réplica era bem feita, apesar de seu corpo não ser firme como foi o espirito do pai de Jeongguk, que usou tanta energia do corpo original que não percebi o truque, era uma copia convincente, mas não muito boa. Foi por essa razão que demos a ela uma chance, se a copia não era tão bem feita, Sefira não tinha se atado a portadora original do corpo, escolheu não machucar a humana. E escolher não ferir, sempre era um bom sinal.

O espirito tocou a mão de Irene, o corpo começou a ficar menos translúcido, descamando como uma serpente trocando de pele, criando uma forma nova e real. Sefira seria uma serva de Hecáte no submundo então Irene saberia se ela tentasse nos trair. Sefira teria um corpo, poderia visitar o mundo humano por curtos períodos de tempo e conviveria com os outros espíritos que também escolheram permanecer do nosso lado. Não teria poderes, mas era uma existência melhor que padecer no Tártaro.

— Existem outros como você? — perguntei, Sefira ainda tinha a aparência de uma garota, apesar de não o ser realmente uma. Questões biológicas eram muito mais humanas do que nossas, porém as seguíamos como uma referencia corpórea, além de que foi essa a forma que Sefira decidiu se apresentar ao mundo.

—Eu não sei... Sinto muito — ela disse e pareceu um pouco triste ao fazer, mas não conseguiu conter a empolgação em tocar seu novo corpo, que tinha os traços jovens e olhos brilhantes, mesmo parecendo menos com Jeongyeon. Ainda era um corpo pequeno e que não iria mais crescer, a pele tinha a mesma palidez morta das criaturas do submundo, mas combinava com as roupas, que pareciam as de Irene — Vou ficar a salvo, não é?

— Claro que sim — menti. Eu não podia garantir isso a ninguém, porém era melhor manter as esperanças. Esperança foi tudo que sobrou pra nós.

(...)

— Muito ocupado? — Irene se sentou ao meu lado quando neguei com um aceno, nós tínhamos fechado Acrópole inteira para capturar Sefira e por isso não havia uma única pessoa por perto no leito do rio. O resto do "time" tinha ido embora também, então éramos só nós — Nenhum espirito sabe sobre Jeongguk, acho que é meio obvio que ele está com Moros.

— Isso não me deixa mais tranquilo — murmurei, apesar de não ser totalmente verdade, era muito melhor o garoto com outro dos nossos do que com o inimigo, mas o destino não era confiável.

— Eu tô' arrependida de ter te falado sobre ele. Talvez esteja interpretando as coisas errado.

Irene conseguia ver sobre caminhos, assim como Jongdae. A ligação de uma alma com outra que as fazia seguir pela mesma jornada. Era algo abstrato, impreciso para nomear de maneira justa, mas era o melhor que tínhamos disponível. Ela tinha visto que o caminho de Jeongguk encontrava o meu até o fim de sua existência, era o único humano que tinha o caminho ligado ao meu daquela forma e por isso... Por isso imaginei que ele era o humano que esperei a vida toda, a única pessoa por quem me apaixonaria.

— O destino não é tão obvio assim — concluiu.

— Quem mais seria o meu destino se não ele?

— Eu não sei. Mas, sei lá... Você meio que pediu o garoto em casamento.

— Não pedi-

— Tytias são promessas de casamento se bem me lembro — rebateu, apoiando os cotovelos no encosto do banco atrás dela — Quando a fez?

Tytias eram feitas com lagrimas, magia e sentimentos. Era uma magia estranha se fosse ser sincero sobre o processo, as lágrimas acumuladas cristalizavam para formar a concha e a magia dava a propriedade magica, mas o poder delas era medido pelo sentimento. Tytias comuns, sem grandes ligações emocionais, alcançavam somente aquele quem produziu a concha. Amores mais fortes, entre almas gêmeas, convocavam um exercito, o oceano inteiro se necessário.

— Não tem muito tempo... Não sei o poder dela, não dá pra saber até o garoto usar. Na pior das hipóteses se ele precisar de ajuda no mar vou poder encontrá-lo. A concha ainda esta ligada ao meu próprio poder — era basicamente meu único consolo. Ela empurrou os óculos de sol pra cima, usando-o pra prender a franja — Mas eu acho que não errei sobre Jeongguk. Sinto isso, igual sei quando a maré vai mudar. Ou quando o mar quer seguir o próprio curso, eu simplesmente sei.

— Isso foi a coisa mais "deus da agua" que conseguiu pensar, não é?! — ri baixo, olhando o rio correr mais rápido, estava chovendo muito nos últimos dias — Ah, o amor... Se tudo isso acabar bem, vou chamar a passarinha pra tomar um café.

— Passarinha? — ri baixo, Diana com certeza não ia gostar do apelido — Se der certo, você vai pra América ou ela vem pra cá?

— Jongdae me arruma uma porta direto pro quarto dela. Tá ótimo — ela riu comigo dessa vez — Posso procurar o garoto pra você. É difícil entrar na Casa azul sem ajuda, mas eu e Jongdae podemos tentar.

— Jongdae nunca trabalhou tanto na vida — murmurei.

Havia Mark também que fazia hora extra mais do que nunca. Ele e Sun foram os únicos que a família de Jeongguk aceitou conversar sobre o desaparecimento do garoto e Mark informava diretamente aos Jeon os poucos progressos na busca por ele no plano material. Eles tinham se recusado ver a mim ou qualquer outro deus, nem mesmo Jimin – que era o deus mais amado de Busan, a cidade natal deles –, conseguiu um minuto de atenção do casal.

— Traga o garoto de volta pra mim — pedi.

Ela colocou os óculos de volta no rosto e levantou, batendo a poeira inexistente do terninho.

— Considere feito.

HAG: Human Among Gods - LIVRO 1Where stories live. Discover now