Meu primeiro dia na escola

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O que aconteceu até aqui não importa muito. Em suma, eu sou uma garota de sorte, vejam:

▪︎ Meninas da minha comunidade não frequentavam a escola, suas bibliotecas vivas eram suas escolas, elas aprendiam a cozinhar, cuidar da casa, etc, já eu... eu tive a chance de estudar, mesmo com dificuldades. Frequentei a melhor escola da comunidade onde por puro azar do nosso povo não ia nem negro, nem mulato filho de negro.

▪︎ Enquanto as meninas só aprendiam como cuidar dos maridos, eu aprendia como resolver os problemas da sociedade Branca pois na escola não tendiam abrir o olho do negro, mas por estar na turma de brancos acabei por conhecer os brancos.

▪︎ Eu fui afilhada de uma das senhoras mais importantes da comunidade, as outras meninas foram empregadas dela. Eu não deveria fazer trabalhos, fazia apenas porque minha mãe fazia questão.

▪︎ Até aos dezasseis anos, as outras meninas já estavam grávidas e eu não tinha tido nem minha primeira menstruação.

▪︎ Eu comi do melhor e brinquei com meninas da minha comunidade enquanto as meninas brancas só brincavam entre elas e não sabiam o que era o suor daquilo que comiam.

Posso dizer, nasci e fui amada por uma senhora que poderia me dar educação e, outra que me podia criar para vida.
Então até aí, eu só respirava. Minha vida iniciou aos 7 anos.

Efraime era um senhor bem, mas nem por isso ele queria que o filho fosse excluído da sociedade por andar com uma criança negra, por isso ela educou o Nico para saber me colocar no meu lugar, no lugar de uma criança Negra. Efraime nunca quis que eu fosse a escola embora quissesse que eu tivesse uma vida boa. Porem, minha madrinha educou Nico para encarar todas pessoas como iguais e me ensinou a não me deixar abalar pelo que diziam pois eu era igual aos de mais. Mal percebia que só por esconder meu verdadeiro apelido, ela oprimiu minha identidade. Já agora eu sou Mboane!

Aos 6 anos, minha madrinha conseguiu convencer minha mãe de me matricular numa escola, que seria melhor para mim. Não sei como, mas Dona Esmeralda sempre conseguia convencer minha mãe - Ndira.
*Sempre achei o nome da mãe muito lindo*

Então aos 7 anos eu fui matriculada e comecei a frequentar a escola.

As crianças brancas já me conheciam, e sabia quem eu era e provavelmente porquê eu estava ali.

Quando eu me aproximava dava para ver elas se afastando, e quando finalmente me cheguei até eles ouvi:

- Nico, não é a sua irmã negra?

De imediato ele respondeu:

- Não é minha irmã, é afilhada da minha mãe.

Nico não levava nenhuma ligação entre nós. Para ele nós éramos totalmente diferentes, ele de um mundo e eu de outro. Mas não há diferença entre Branco e preto além da cor.

Mesmo ouvindo isso eu permaneci ali. Lembrando das seguintes palavras: Amanhã vais a escola filha, não vão te receber bem, meu amor, vão te insultar, te oprimir, te afastar, mas, você deve fazer com que percebam que podes o que eles podem. Promete? - que minha madrinha me disse.

Mas Nico virou-se para mim e me disse:

- Saia daqui, escrava. Volta para moageira, lá é seu lugar. Imediatamente chorei e me afastei, mas não procurei lugar para me esconder. Deixei que eles vissem minhas lágrimas. Daí que lembrei das palavras que meu avô, Pelembe - pai da minha mãe Ndira, dissera quando eu era muito pequena. Ele disse: mi nlhoti ya wena yi tsakisa lava va hi rilisaka, u nga kombisse ti maka taku, ni ku vaviseka kwaku, u nga txavi, yana malhuene. Traduzindo: as lágrimas são satisfação dos que nos fazem chorar, não mostre suas fraquezas e nem suas dores a ninguém, seja forte e não te acovardas. Eu era bem pequena, mas lembrei daquelas palavras e limpei minhas lágrimas. E notei que realmente eles estavam se divertindo com aquela cena.

O dia passou e nós nos recolhemos par casa. Eu para casa da madrinha para fazer a lição.

Quando lá cheguei a madrinha me perguntou:

- Luana Aguiar, cadê Nicholas?
Minha madrinha é muito formal

- Boa tarde madrinha, Nico vem com os outros meninos.
E enquanto eu dizia isso Nico entrou.

O olhar de ódio que ele tinha para comigo me acabava as forças. Ele era meu único irmão. Eu perspectivava uma vida na escola onde eu ia com meu irmão, ele me defendia de quem me agredia, mas foi ele quem me agrediu😕.

- Boa tarde, mãe!

- Nicholas meu filho, como você está?

Nicholas recebeu um beijinho e eu não, nem me importava. Ela era minha madrinha, eu não tinha que competir atenção. Mas meus pais assim como outros pais, nunca podiam beijar nem abraçar os filhos pois deveriam trabalhar para alimentar o bucho daqueles miúdos folgados.
Com o Nico sob seu braço, no calor do seu abraço se dirigiram à mesa.
Olhando para mim Esmeralda disse:

- Vem almoçar Luana. Diante daquela cena, eu estava carente e sem vontade que preferi almoçar com as outras crianças. Filhas das empregadas da casa (Negras).

- Obrigada madrinha, mas, prefiro almoçar na cozinha hoje.

Nico: Isso, exactamente o seu lugar

Luana: Ixictiminti i siu liguir🙄! Não sei até hoje porquê eu fiz aquilo, mas eu judiei das palavras dele.

Coisas de tradição: Um amor amaldiçoadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora