Adriano fora declarado deus. Não obstante as paixões que o fizeram desprezível, e a crueldade que o tornou odiado, ele foi deificado. Os soldados, o povo, e as províncias, que haviam sido beneficiados por suas visitas e generosidade, clamaram por sua elevação às honras divinas. O senado, que ainda era a corporação mais inteligente do Império, estremecia sob a tirania de Adriano. Em seu leito de morte, ele condenou quatro deles à execução. Contudo, o fraco e degradado senado consentiu, e em sua honra, um templo foi erigido, e sacrifícios oferecidos. O absurdo desses gestos nos faria rir, se não envolvessem uma blasfêmia contra Deus, e faz-nos corar de constrangimento pela degradação da raça humana.
Era moda, naqueles dias, fazer dos imperadores deuses. Enquanto a carcaça era consumida na pira funerária, a família do morto pagava algum pobre coitado para jurar que vira o espírito divino subindo ao céu. "Por que motivo", indaga Justino em sua Apologia em defesa dos cristãos, "vós condescendeis em consagrar à imortalidade os imperadores que morrem entre vós, fazendo alguém asseverar que viu o César queimado subindo da pira funerária ao céu?"
Alguns anos após a morte de Adriano, uma das concubinas de Antônio foi declarada deusa; e o próprio Antônio, depois de morrer, foi adorado na forma de uma estátua de bronze erguida num magnífico templo no Fórum. Uma das ruínas mais imponentes do antigo Fórum é o esplêndido pórtico de mármore desse templo, que ainda ostenta em seu entablamento danificado a marca de grandes letras: "Divo Antinino et Divae Faustinae". Não é de admirar, pois, que o imperador Cômodo, poucos anos mais tarde, impaciente pelas honras reservadas a ele para depois de sua morte, declarou-se deus enquanto vivia, e fez com que lhe oferecessem sacrifícios, dizendo-se filho de Júpiter na assembléia do senado. Como a nuvem tempestuosa envolve a montanha, o pecado da idolatria pairou por séculos sobre a Roma pagã, e pareceu envolver a infortunada cidade num manto de trevas impenetráveis: ela é a mulher vestida de escarlate, assentada sobre os sete montes; a Babilônia do Apocalipse.
Historiadores pagãos, e mesmo alguns cristãos, contam que um dos melhores feitos de Adriano foi eleger Antônio como seu sucessor. Suas virtudes, para um pagão, eram notáveis e o seu fanatismo cego em adorar os deuses angariou-lhe o título de Pio. Marco Aurélio, seu filho adotivo, que o sucedeu no comando do império, deu-lhe o mais elevado caráter possível de se expressar em palavras.
Mas apesar dos excessivos louvores prodigalizados a Antônio, ele permanece para nós um perseguidor da Igreja de Cristo. Há manchas de crueldade e injustiça em seu caráter, que não podem ser apagadas por suas virtudes naturais. Quando lemos a respeito do sofrimento dos cristãos torturados com crueza inumana, do seu sangue derramado no Coliseu, e em Petra Scelerata, não podemos reconciliar os horrores de uma perseguição violenta com o caráter de brandura e justiça outorgado a ele por seu sucessor pagão. Registros encontrados nas lajes de mármore das catacumbas formam um triste contraste com os encômios a ele conferidos. Leia a tocante inscrição gravada rudemente na tumba de uma criança martirizada: 'Alexander não está morto; vive além das estrelas! Pois quando estava se ajoelhando para oferecer o sacrifício (de oração) ao Deus verdadeiro, foi levado à morte. Oh, dias infelizes, quando mesmo em nossas orações e cultos, não estamos seguros. Mais miserável que a vida, e ainda mais miserável que a morte, é que não podemos ser sepultados por nossos parentes e amigos. Mas Alexander agora brilha no céu. Pouco tempo viveu, quem viveu quatro anos e dez meses.
Se Antônio relaxou o rigor da perseguição nos últimos anos de seu reinado, foi por causa da eloqüência de Justino. Com coragem e zelo apostólico, ele reprovava o imperador, senado e o povo por sua injustiça e derramamento do sangue de cristãos indefesos, contrastava a inocência, a virtude e a santidade da vida cristã com os excessos do paganismo, o absurdo e a insensatez da idolatria e da pluralidade de deuses. Proclamava as evidências divinas da fé cristã, mais brilhante que o sol que resplandecia sobre ele, e os advertia da temível prestação de contas que um dia lhes seria exigida pelo grande e necessariamente supremo Ser, a quem eles fingiam ignorar, ou desprezavam, abertamente, na perseguição aos seus servos. Antônio não era livre de ser influenciado por sentimentos nobres, e a eloqüência e o hábil raciocínio de Justino produziam-lhe na mente um efeito favorável. A espada da perseguição foi posta de volta na bainha, para aguardar o próximo tirano que manejaria o cetro dos césares.
Muitos cristãos caíram vítimas da perseguição de Antônio. Os Atos de Felícia relatam um emocionante episódio, que mostra a virulência da perseguição. Duas outras cenas são acuradamente descritas nos Atos dos mártires. Uma é sobre Potito, um jovem da Sardenha; a outra é sobre um bispo chamado Alexander, cuja igreja não é conhecida. A história de Potito é repleta de milagres; contém todo o romantismo das vidas que já relatamos, e baseia-se, como as demais, na certeza da verdade histórica, a partir do caráter inquestionável de seus registros. O belo, o simples e o natural, entrelaçados aqui e ali com o maravilhoso, fazem desta história uma das mais interessantes tradições que circulam pelas veneráveis paredes do Coliseu.
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Os Mártires do Coliseu - A. J. O'Reilly
RandomA história da famosa arena de Roma, onde milhares de cristãos primitivos encontraram um fim cruel e sangrento. porém muito mais que isto, é a história de famosos e santos heróis de Cristo, que aceitaram de bom grado a morte, testemunhando a verdade...