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Os eventos que estamos para relatar tiveram lugar no ano 259 da era cristã. Os imperadores Valeriano e Galieno haviam usurpado o trono, e sob o seu governo tirânico, uma terrível perseguição abateu-se sobre a Igreja. Dificilmente houve, em qualquer outro reinado dos duzentos e cinquenta anos que se passaram sobre a Igreja, intervenções tão visíveis da providência divina para a exaltação de seus mártires e para a humilhação de seus inimigos, como as desse período. Os trovões do céu rolaram sobre a cabeça dos perseguidores, a terra tremeu-lhe sob os pés, e os seus ídolos derreteram-se como chumbo na fornalha da oração dos mártires. Contudo, rios de sangue jorraram, e os anjos, diariamente, transportaram para a residência de paz e alegria as almas preciosas dos triunfantes de Cristo.
Nunca houve na história do Império um tempo em que as pessoas foram tão visitadas pelas calamidades como nos reinados de Gallus e Valeriano. Inundações, incêndios e terremotos dizimaram províncias inteiras, e destruíram campos cultivados e belas cidades. A fome e a pestilência uniram-se na guerra do extermínio, e os lamentos do luto eram ouvidos em toda parte. Como era de se esperar, os cristãos foram responsabilizados por todas as calamidades do Império. O Diabo falou através dos oráculos do Capitólio, e atiçou os ânimos contra a "detestada religião", que nessa época espalhara-se a toda parte. A perseguição chegou trazida por circunstâncias peculiares.
Durante os três primeiros anos de seu reinado, Valeriano foi indulgente e pacífico. Ele era de certo modo, afeiçoado aos cristãos. Em público, ou em particular, mostrava-lhes respeito e favor, e a Igreja florescia por todos os lados. "Antes da perseguição", relata Eusébio, o grande historiador da Igreja Primitiva, "Valeriano foi gentil e bondoso para com os servos de Deus. Nenhum dos regentes anteriores nem mesmo aquele que era publicamente reconhecido como cristão (Filipe, ano 244) mostrou tal favor para conosco como este príncipe no começo de seu reinado. A sua casa vivia cheia de cristãos, e mais parecia uma igreja de Cristo que um palácio do imperador romano" (Livro VII, cap. X).
Entre os cortesãos havia um homem chamado Macriano, de origem insignificante, mas que tinha alguma pretensão de aprender. Sendo bastante hábil com a feitiçaria e as mágicas, insinuou-se no favor do soberano. A avareza, a ambição e a crueldade tomaram posse de sua alma. Ele visava o poder supremo, e desejava satisfazer as vis inclinações de seu espírito derramando o sangue dos cristãos, a quem odiava sem causa. É de pensar que os demônios, a quem é permitido influenciar os homens através das artes negras, houvessem convencido Macriano de que nunca realizaria suas esperanças ambiciosas, enquanto Valeriano fosse amigo dos cristãos.
Macriano determinara perverter a nobre e generosa disposição do imperador. A história apresenta a terrível narrativa de seus sucessos. Ele começou por contar ao imperador as maravilhas da magia; como ele poderia desvendar o futuro, guiar o presente no caminho da prosperidade, e ser o talismã da riqueza, do poder e da glória. O irrefletido Valeriano caiu como mosca no mel envenenado. Sob os conselhos de seu preceptor impiedoso, passou a crer que as lições de sabedoria estavam escritas nas entranhas de bebês recém-nascidos, e que os terríveis segredos do futuro desconhecido podiam ser decifrados no sangue fluído do coração. A sua primeira vítima foi um recém-nascido. Em seu fanatismo cego, curvou-se sobre as vísceras mal-cheirosas para rastrear nas fibras escarlates a linguagem da profecia e do conhecimento. Os olhos preconceituosos enxergam tudo de uma só cor; de igual modo, quando a paixão predomina na alma, todos os pensamentos são moldados à sua forma, e as nobres faculdades do intelecto e da vontade emprestam seu serviço à sua gratificação. Assim, Valeriano achou ter visto na horrenda prática da magia as fontes desvendadas do conhecimento e do poder. Não é de admirar que, sob a orientação do impiedoso Macriano, ele descobrisse que os deuses (os demônios) estavam descontentes com o cristianismo; e como um abismo chama outro, ele caiu nas profundezas da crueldade, da intolerância e do fanatismo. No final de 251 d.C. Valeriano era um dos mais cruéis e desapiedados perseguidores da Igreja.
Durante os dias de paz que precederam a perseguição, Deus revelara a Cipriano, bispo de Cartago, que tempos difíceis estavam chegando. O erudito bispo escreveu a várias igrejas, preparando-as para a tormenta. Em sua sublime exortação ao martírio, em sua carta aos tibaritanos, ele declarou: "Instruído pela luz que o Senhor nos concedeu, devemos prevenir vossas almas pela solicitude de nossa admoestação. Vós deveis saber, e ter como certo, que dias de terríveis provações estão para chegar o tempo do anticristo se aproxima. Devemos estar preparados para a batalha, e não pensar em nada, a não ser na coroa de glória e na inefável recompensa que seguirá à brava confissão de fé. As provações que se avizinham não são como as do passado; combates mais severos e mais sanguinolentos nos aguardam. Portanto os soldados de Cristo devem prepara-se com fé inabalável e virtude imaculada, lembrando que são participantes do sangue de Cristo, e que podem derramar seu sangue por Ele" (Cipriano, Epis. 56, ad Thibaritano, de Exhortat. Mart.).
Quando, no ano seguinte, as nuvens da tempestade profetizada por Cipriano romperam sobre o mundo em todos os horrores de uma perseguição sangrenta, o próprio Eusébio foi uma de suas vítimas mais notáveis. Ele nos conta, noutra parte de sua obra, que quando a perseguição irrompeu, a turba enfurecida gritava no anfiteatro de Cartago, pedindo que ele fosse jogado aos leões. Como os edifícios mais altos são os mais expostos aos raios, os bispos e pais da Igreja foram as primeiras vítimas da perseguição. Em Roma, Estevão foi martirizado enquanto celebrava um culto nas catacumbas. É dos Atos de Estêvão que citaremos alguns dos episódios relacionados ao Coliseu durante a perseguição.
Conquanto Deus houvesse permitido a perseguição para provar a sua Igreja, preparou também terrível retribuição para a injustiça dos seus inimigos. Todos os perseguidores tiveram um fim precoce e miserável. Talvez nenhum desses tiranos que derramaram o sangue dos cristãos tenha sido tão humilhado e amaldiçoado como Valeriano. "Estes escolhem os seus próprios caminhos", diz o Senhor, através do profeta Isaias, "e a sua alma toma prazer nas suas abominações. Também eu quererei as suas ilusões" (Is 66.3,4). O Império inteiro tomou parte na maldição que se abateu sobre o impiedoso Valeriano; os males acumulados das pragas, das fomes, dos terremotos e das guerras civis desabaram como uma tempestade sobre o mundo, dizimando a raça humana e espalhando a toda parte o terror e a confusão.
Os bárbaros que viviam nas fronteiras das províncias investiram de todos os lados sobre diferentes partes do país, como que seguindo um plano preconcebido, pilhando e saqueando tudo à sua frente. Valeriano foi forçado a voltar a atenção a um inimigo mais formidável que os inofensivos cristãos. Ele organizou as tropas para a guerra, enviou seu filho Galieno contra os alemães, e o seu melhor e mais corajoso capitão a outra parte do Império, enquanto ele próprio liderou o exército contra os persas, que eram nesse tempo, como em muitos anos passados, os mais formidáveis inimigos do Império. Sapor, o rei dos persas, derrotou e destruiu o exército romano, e levou preso o imperador. A hora da retaliação chegara para o cruel Valeriano. Ele foi arrastado diante do persa arrogante, em cadeias, e ainda vestido com o seu magnífico manto de púrpura e ouro.
Depois de ser insultado da maneira mais bárbara e miserável, foi forçado a caminhar diante da carruagem do rei persa, e assim percorrer todas as cidades do reino, para ser insultado e maltratado pelo povo. O mais vil escravo não poderia ter sido tratado com mais desprezo. Toda vez que Sapor desejasse entrar na carruagem, ou montar seu cavalo, Valeriano era obrigado a dobrar-se com a face para o chão, e servir de escabelo. Após vários anos passados em humilhante servilismo, fome, insulto e dores incessantes, um destino ainda pior o aguardava. Quando se lhe desvaneceu a força natural, determinaram a antecipação de sua morte pelo último e mais cruel ato de desforra. Ele foi esfolado vivo, e a sua pele, enchida com palha, foi pendurada num dos templos como um monumento ao triunfo e à vingança dos persas. Assim devem perecer os que se levantam contra Deus!
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Os Mártires do Coliseu - A. J. O'Reilly
RandomA história da famosa arena de Roma, onde milhares de cristãos primitivos encontraram um fim cruel e sangrento. porém muito mais que isto, é a história de famosos e santos heróis de Cristo, que aceitaram de bom grado a morte, testemunhando a verdade...