Capítulo 26

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Eu confesso que aquela noite não foi fácil pra mim, era muita coisa na minha cabeça.

Assim que levantei fui para o quarto do Ricardo e vi que ele tinha levado tudo, fui ver minha mãe e ela tava apagada, acho que a Tia Gabi exagerou nos remédios pra minha mãe. 

Mexi nas coisas do Ricardinho e ele tinha deixado um bilhete pra mim:

"Ceci,

Eu tive que ir embora, talvez pra encontrar quem eu sou, talvez pra ir em busca da minha vida, não sei, só sei que esse morro não é meu lugar por enquanto. Cuida da mamãe e do papai, eu sempre vou amar vocês, eu só quero que eu saiba que eu tô indo pra um lugar seguro, não se preocupa, se eu precisar, eu sei que posso ir atrás de você. Por enquanto, vive a sua vida, eu vou viver a minha e na hora certa, a gente vai se encontrar. 
Eu te amo daqui até o céu.
Se cuida.
Beijos do amor da sua vida"


Li aquele bilhete com lagrimas nos olhos, mas eu entendo ele, ele precisava de respostas que talvez ninguém nunca desse pra ele, mas eu também não confio nele ter ido atrás da família dele, já vimos que não são pessoas boas e tentaram nos matar. Mas eu confiava nele, embora meu coração estivesse partido, eu sabia que ele precisava disso, e era triste pensar que talvez a gente não se encontrasse, não ficasse mais junto, mas essa tinha sido uma escolha que eu tinha feito há um tempo e eu pedi tanto pra ele respeitar e agora, ele ta indo viver a vida dele. 

Eu guardei aquele bilhete nas minhas coisas e fui pra sala

- Tia Gabi, ele deixou um bilhete pra mim, ele foi atrás da vida dele, eu acho que ele não quer que a gente vá atrás dele.

- E você vai simplesmente deixar ele ir embora Cecilia? Sem nem saber se ele ta bem?

- Eu vou fazer o que tia? Eu to cansada de ser a unica adulta da familia, a unica que faz tudo. Eu preciso começar a assumir as coisas que competem a minha idade, quem tem que se preocupar com isso é meu pai e minha mãe.

Ela ficou em silêncio e eu abracei ela

- Tia, me perdoa, eu não queria ser grossa com você, eu te amo muito, mas eu não tô dando conta mais dessa familia - eu comecei a chorar - se eu continuar cuidado de tudo, eu vou ficar doente psicologicamente, me perdoa tia, eu não to aguentando mais.

Minha tia me abraçou e ficou fazendo carinho na minha cabeça. Perdi a ideia do tempo em que fiquei ali, mas só percebi que minha tia tinha dormido, eu arrumei ela no sofá e peguei uma coberta no quarto que meu pai estava e fui colocar nela.

Assim que voltei pro quarto do meu pai, ele estava acordado e eu sentei na cama dele.

- Pai, o Ricardinho foi embora...

- Eu sei Ceci, ele veio falar comigo...

- Você não tava dormindo?

- Não, eu só fingi, porque eu não sabia como lidar com a sua mãe.

- Eu também não sei como lidar com isso pai... O que vocês falaram?

- Eu dei um dinheiro pra ele, bastante até pra ele se manter por um bom tempo fora do país, ele foi viver a vida dele e eu não quero que ninguém vá atrás dele, ele sabe que pode voltar pra família dele quando ele bem quiser, mas agora, deixa ele.

- Você ta triste com isso?

- Logico Ceci, tu é burra? Ele é meu filho porra, eu amo o muleque mas eu não posso tomar decisão por mais ninguém nessa casa, e nem quero que você tome mais.

- Eu tô cansada pai, eu não aguento mais ser a responsável, a que vai atrás, a que briga, eu só quero ficar em paz, só isso. Sem tiro, sem guerra, sem ninguém gritando na minha cabeça.

- Eu vou gritar ainda na sua cabeça, pirralha.

Eu sorri, beijei a testa dele e subi pro meu quarto. 

Eu não consegui dormir aquela noite, porque eu tava pensando em tudo o que tinha acontecido. O Ricardo que não era meu irmão, um povo que eu nunca vi na minha vida querendo matar a gente por vingança, minha mãe surtada, eu tendo que atirar em todo mundo que eu via na frente, meu irmão indo embora, minha mãe assumindo o morro do meu pai, eu podendo viver a minha vida na minha casa e com a minha família, mas mesmo assim, eu não tinha mais meu irmão. 

Me virei mais um pouco na cama e logo deu 5h, resolvi levantar, tomar um banho e começar o dia. Eu não conseguia ir mais pra faculdade, eu nem tinha cabeça pra salvar a vida de ninguém se eu nem conseguia salvar minha própria vida. Minha faculdade de medicina tinha que esperar, infelizmente. Resolvi trancar o curso online mesmo. Retomarei semestre que vem e assim eu fiz. 

Assim que desliguei o computador, meus olhos estavam cheios de água, desci e fiz um café forte, minha mãe logo desceu também e eu dei uma xicara de café pra ela.

- Bom dia...

- Bom dia pra quem Cecilia, meu filhinho foi embora - disse tomando o café

- Mas eu tô aqui mãe, por vocês...

Ela ficou quieta

- Ele precisa descobrir uma nova vida pra ele, no momento certo ele vai voltar pra gente.

- Mas eu não quero esperar o momento certo.

- Mãe, eu tranquei minha matricula da faculdade

- E por que você fez isso?

- Bom, eu não consigo nem cuidar da minha vida.... E eu preciso cuidar de você e do papai.

- Você não precisava ter feito isso - disse rude

Aquilo me afetou tanto, minha mãe tava sendo tão rude, egoísta e grossa comigo.

- Olha mãe, ninguém nessa casa tem culpa se o Ricardo foi embora, ninguém tem culpa de nada disso ta acontecendo, eu só tó tentando dar meu melhor, tentando cuidar de todo mundo. De você. Do papai. Da droga desse morro, mas eu simplesmente não posso mais. Olha a minha idade, olha tudo o que eu faço . Ninguém tem culpa se você e o meu pai foram obrigados a crescer cedo demais, essa não é a vida que eu quero pra mim e mesmo assim, eu faço e sou tratada mal. Eu tô cansada, agora, quando você precisar de mim, você fala comigo, porque pra variar, eu ainda vou estar a disposição de todo mundo nessa casa. Eu tô cansada de me sentir um fantoche e vocês fazerem o que quiserem comigo "ai, ela não pode ficar aqui, manda ela pra fora do país" "ai, o Ricardo foi embora, faz ela de saco de pancada", "ai alguém quer fazer mal pro D2, bate nessa otária" "ai seu pai ta morrendo, você tem que salvar". EU NUNCA VIVO PRA MIM, SÓ PRO QUE VOCÊS QUEREM.

Depois de brigar quase sozinha, minha tia e meu pai acordaram e foram pra cozinha, eu ja tava chorando e minha mãe tava muda, olhando pra mim como se eu fosse doida. 

Eu fui pro quarto do meu pai, eu separei os remédios dele e voltei pra cozinha

- Pai, seus remédios estão em cima da mesa do quarto, eu to indo pro meu quarto.

- Você quer conversar pirralha?

- EU QUERO PAZ! - disse gritando

- Fiquei mexendo no meu computador, revendo algumas fotos com Ricardinho... Com o Lorenzo, eu não tinha nem pensado nele desde que eu tinha voltado daquele furacão... E ele nem tinha vindo aqui...

Resolvi ver algum filme pra ver se eu me acalmava um pouco, dispersei só depois com batidas na minha porta

- QUEM É?

- Sou eu Ceci - era a voz do Lorenzo, 

Eagora? O que eu ia fazer da minha vida?

Me apaixonei pelo filho do dono do morroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora