Mikhail

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Mikhail

Cansado do vazio do vagão, ele voltou a caminhar pela plataforma da Estação Redstone, a atenção focada no fone ao ouvido.

A espera não era tão agoniante ao capitão quanto poderia ser a soldados mais novos, menos preparados – ainda mais num cenário tão inóspito como aquele, onde travavam uma batalha inédita a toda a humanidade. O metrô, aliás, fazia Mikhail se sentir em casa – embora as estações de Raccoon City fossem bem rústicas em comparação às verdadeiras obras de arte arquitetônicas sob as ruas de Moscou.

Voltou vívida à sua mente a memória de um dia de inverno quinze anos antes, quando descera à Estação Arbatskaya para uma reunião especial no Ministério da Defesa. Dela proviera sua primeira operação especial no Afeganistão, país em que passaria muito mais tempo do que imaginava.

E, a partir desse ponto, o cuidado era redobrado para evitar que as lembranças da nação árida e montanhosa também surgissem...

– Capitão, o Oliveira está descendo! – a voz de Martinez, seguindo-se a um estalo do comunicador, salvou Mikhail no instante em que a maré soturna já ameaçava engoli-lo.

O russo gastou segundos livrando a cabeça dos resquícios do passado antes de responder:

– Entendido. Há mais alguém com ele?

A demora em Martinez esclarecer deu-se por pesar ou gastar um momento certificando-se; talvez ambos, considerando seu tom de voz ao finalmente falar:

– Ele está sozinho, senhor.

Mikhail conteve um suspiro, embora seu rosto focado de costume tenha se desfeito em lástima. Ao menos nenhum comandado estava na plataforma para ver. A moral da tropa sempre vinha em primeiro lugar.

– Tudo bem. Fique de olho na entrada sul. Câmbio, desligo.

Os passos do capitão pela plataforma continuaram solitários por alguns minutos, até o eco dos coturnos de Oliveira descendo as escadas se tornar cada vez mais próximo. Era irônico pensar que os religiosos costumavam situar o inferno como um lugar subterrâneo, e naquele caso as profundezas serem o local mais seguro de Raccoon. Alinhado ao Partido quando jovem na esperança de conseguir um cargo político de prestígio, ele jamais fizera o tipo místico, embora a mãe fosse uma ortodoxa fervorosa. Ver os mortos se reerguerem fizera-o mudar a cabeça ao menos quanto à validade de uma parte das Escrituras, no entanto.

Com os cabelos em desordem e o sangue sobre o colete, Oliveira remetia mesmo a Lázaro saído da tumba. A postura alerta e os dedos sempre prontos junto ao M4A1 fizeram Mikhail lembrar-se, porém, como aquele era um de seus melhores soldados. Não precisou sequer requisitar o relatório de missão para que Carlos já começasse a falar:

– Como havia adiantado, senhor, sem sobreviventes nos quarteirões entre a Flower e a Lonsdale. Nenhum remanescente do Delta Team tentou contato comigo.

– E Mitchell? – Mikhail sentia a hesitação de Carlos, mas tinha de perguntar. Era seu dever como comandante de pelotão em meio àquele desastre. – Que fim ele teve?

Pela primeira vez desde que descera, Oliveira perdeu a postura atenta, baixando o rifle numa atitude nem um pouco segura – fatal caso não houvessem estabelecido um perímetro razoavelmente seguro na estação de metrô.

– O Mitchell não vai voltar, capitão – ele informou conformado. – E não, ele não foi pego pelas criaturas.

Mikhail compreendia, experiências como aquela lhe retornando num déjà-vu que o queimava como brisa árida e sol escaldante...

Raccoon: A QuarentenaWhere stories live. Discover now