Carlos

187 10 15
                                    

Carlos

O pente do M4A1 comportava trinta balas. Quando dera de cara com os três mortos-vivos erguendo os braços feito sonâmbulos para fora do beco, fizera uma aposta mental...

Quer ver como vou gastar um clipe inteiro nesses esponjas de balas filhos da puta?

O dedo pressionou o gatilho num comando praticamente automático repetido à exaustão aquela noite, o mercenário tendo de se atentar cada vez menos aos alvos, já que os sobreviventes rareavam: ou por virarem comida de zumbi, ou alcançarem o abrigo temporário do metrô. Só que isso estava longe de tornar a missão mais fácil...

O morto-vivo mais próximo, de camisa xadrez, dançou por dois segundos ao levar a rajada, seu braço esquerdo logo partido ao meio enquanto a metade mutilada voava para dentro do beco, deixando um fio de sangue no ar. O dono, no entanto, não imitou o recuo e seguiu andando até Carlos, só parando quando o tórax estava estraçalhado o suficiente para mal se manter de pé.

O próximo zumbi, ao centro do trio, tinha o típico jeito de vendedor de banca de jornal ou ocupação similar, o boné não lhe caindo da cabeça mesmo com o corpo em pedaços. Às vezes se tornava mórbida diversão os integrantes do U.B.C.S. ficarem adivinhando o que cada cadáver reanimado havia sido em vida, até esbarrarem em algo desconfortável que encerrava de súbito a competição – como a provável professora na noite anterior ou, mais comum, alguma criança.

De todo modo, o jornaleiro – mesmo se não houvesse sido um, Carlos acabara de apelidá-lo daquela maneira – mostrou-se duro na queda, aguentando bons trancos no peito e a barriga arrebentada, retalhos de intestino voando ao redor junto a jorros de sangue coagulado, até finalmente parar a centímetros do mercenário; um dos braços ainda resvalando em seu colete, porém sem mais forças para agarrá-lo.

Essa merda de vírus não pega simplesmente pelo sangue... – ele ruminou, novamente salpicado de vermelho e lembrando de tomar banho nas entranhas daquelas coisas dia após dia. – Se eu estiver errado... Ao menos tiro a porra do colete, no primeiro sinal de estar doente, para o pessoal não gastar muitas balas.

Por falar nelas, o estalo seco da arma quando tentou dispará-la contra o terceiro zumbi revelou que perdera a aposta. Ele imaginara o pente esgotado, mas o trio todo caído, pelo menos.

Grunhindo, Carlos precisou golpear o inimigo com o punho esquerdo, um cirúrgico soco em seu peito conseguindo repeli-lo um metro ou mais, além de quebrar-lhe parte da caixa torácica. Como de praxe, não era o bastante para derrubar um deles, e o mercenário inclusive vinha evitando a manobra. Deixar um membro à mercê das mordidas dos zumbis era loucura, por mais que fosse cuidadoso. Mesmo com a reprovação de sua mente, naquele caso não houvera como evitar.

Ao menos funcionara, e ele não tinha tempo para comemoração: levando a mão direita ao coldre à cintura, apanhou a pistola .45 e, erguendo-a, inseriu uma bala na testa do morto-vivo no instante em que ele recomeçava o avanço em sua direção. A coisa soltou um gemido úmido e caiu de cara no chão, o crânio próximo de um dos coturnos do mercenário. Não, ela não tentaria agarrá-lo pela perna. Aquelas aberrações pelo menos morriam em definitivo com um disparo certeiro na cabeça. Ainda...

– Delta Team, alguém na escuta?

Carlos demorou propositalmente alguns segundos para responder ao rádio, na esperança de que algum colega de equipe o fizesse antes. Aproveitou a brecha para verificar se mais algum zumbi o perseguia pela rua às suas costas: negativo. Essa condição se repetiu para sua esperança de contato: enquanto ele mesmo não falou, só ouviu estática.

– Capitão, aqui é o Oliveira – replicou por fim, pressionando o comunicador junto ao ouvido. – Nenhum sobrevivente da Flower até a Lonsdale. Quatro quarteirões que mais parecem um cemitério... Claro, mais movimentados do que seria o normal.

Raccoon: A Quarentenaजहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें