Prólogo

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- Então quer dizer que você tem medo de dragões? - Guinchou Matt Três Dedos numa gargalhada estrondosa, tirando o silêncio da madrugada. - Está apenas perdendo seu tempo, o último dessas essas aberrações morreu há quase quinhentos anos. Você deveria saber da história.

- Eu sei a história! - Rebateu Gellen. Atiçou o fogo da fogueira com um pedaço de pau e continuou. - O Rei dragão veio de além do mar, de um domínio infernal, com centenas de cavaleiros de dragões e lançou suas chamas por Hetar. Escuto essa história desde quando era garota.

De fato era verdade, de desde muito nova seu pai contava aquela e outras histórias de acontecimentos que ocorrem em Hetar. Gellen gostava quando ele falava sobre as guerras que aconteceram por amor, já que como uma boa ômega, ela acreditava que um dia conheceria alguém da realeza para tirá-la daquela vida de miséria. Infelizmente para ela o tempo passou e o melhor que conseguiu fora Matt Três Dedos, o açougueiro de sua vila.

Era chamado assim por conta de ter perdido os dedos durante os anos em que estava naquela vocação. Não era um homem bonito, mas também de fato não era feio. O que Gellen mais gostou fora seus olhos, escuros como castanhas, e seu bom humor. Já estavam juntos a pouco mais de um ano e Gellen gostaria de lhe dar um filho, afinal ainda era jovem, tinha dezessete anos.

- Eu concordo com ela. - Disse Nancer, irmão de Matt. - Os dragões causaram um terror absoluto que cravou nas pessoas. Eles mataram milhares, e os que sobraram depois da Guerra do Rei Dragão, foram usados como armas por feiticeiros da Cidadela.

- E estão mortos. - Repetiu seu marido. - O que realmente deveria despertar seus temores são os Orcs. Ouvi dizer que estão se multiplicando em suas cavernas nas profundezas da terra, levando ômegas e os usando feito putas para gerarem suas proles.

Gellen e Nancer não conseguiram conter o riso, e isso fez Matt fechar a cara. Ela não gostava de debochar de se seu marido. Matt não agressivo igual a muitos alfas, mas isso não a fizera escapar de algumas bofetadas quando Gellen falou um pouco mais do que devia. Sua mãe lhe ensinara, assim como seu avô ensinou a ela, que ômegas tinham que ser dóceis e obedecer seus alfas, pois os mesmo acabam sendo bem agressivos quando lhe convém.

- Querido, você está repetindo essa história desde que saímos do bar na cidade. - Gellen falou, vendo o cunhado concordar com a cabeça.

- Orcs foram dizimados pelos homens há tanto tempo, seria surpresa hoje em dia ao menos ver um. - Disse ele.

- Vocês não acreditam em minha palavra, mas ainda sim eles existem. - Matt levantou e observou a mata ao lado da estrada, parecia esperar que um orc aparecesse ali para comprovar suas teorias. - Há cada ano seu exército aumenta, e logo nós serviremos de adubo para suas montarias monstruosas.

Assim como os dragões, Gellen também ouvira histórias sobre os Orc. Era seres humanóides de quase três metros de altura, híbridos de homem e porco, quase sempre montando uma ratazana do tamanho ou maior que um cavalo. Não se sabe a origem deles, a mais falada era que foram fruto do relacionamento de uma deusa ômega e um porco, forçada a se relacionar com ele pelos outros deuses alfas. A deusa os amaldiçoou e proferiu que aquela cria traia terror ao mundo dos homens, e usaria os ômegas de seus alfas para se reproduzir.

A milhares de anos eles entraram em guerra contra os humanos, devastaram boa parte de Hetar, até que os reis se uniram para combatê-los. Aquela união conseguiu até mesmo juntar Anões e Elfos aos humanos, algo que era no mínimo improvável, porém logo às três raças voltaram a se odiar e guerrear entre si. Os dois primeiros inclusive, não se moveram para lutar contra o rei dragão, preferiam ficar isolados em seus reinos, temerosos de que as bestas aladas os atacassem.

- Acho melhor dormimos. - Gellen falou, já se enrolando nas cobertas.

- Tem razão. - Matt veio para junto dela e a abraçou. - Mais dois dias de viagem para a nossa casa, espero que meu tio tenho tomado de conta de nossas ovelhas. As lã que vendemos não deu para muita coisa.

- É mais provável que ele esteja fornicando com uma delas. - Falou Nancer rindo, também deitado.

- Que horror! - Gellen murmurou.

- Não ligue para esse idiota. A verdade é que foi ele a ser pego dormindo com uma ovelha, quando tinha treze anos. - Matt falou.

Ela riu e seu cunhado beta xingou seu marido, ficando enrolado em suas cobertas num ponto mais afastado da fogueira. Matt a abraçou e Gellen em fim pode descansar da viagem longa e exaustivas que tinham que fazer uma vez ao mês, sempre buscando comprar mantimentos e ferramentas para a pequena plantação que possuíam. Era uma vida simples, mas Gellen gostava.

Acordou no meio da madrugada sentido o solo tremelicando como se tivesse febre. Sentou e viu que seu marido e cunhado já estavam de pé, olhando confusos para os lados. Pareciam som de cascos, como se uma comitiva com centenas de cavaleiros viesse naquela direção.

- O que será que são? - Perguntou, assustada.

- Melhor sairmos daqui para não descobrir. - Nancer falou.

Os três concordaram e as pressas começaram juntar suas coisas, um breve raiar do sol vinha no horizonte. Foi quando terminava de colocar suas coisas na carroça que Gellen viu o chão tremer com mais força, o som não estava vindo de algum lugar a frente, e sim abaixo deles.

Gritou desesperada quando o chão barrento cedeu alguns metros a frente e uma criatura saiu do buraco, bufando e soltando um som fino e estridente. Não soube distinguir o que era totalmente, ainda estava um pouco escuro, mas o fedor que ela exalava fazia seu nariz doer. O medo pareceu ficar ainda maior quando viu uma dúzia de homens cor de leite saírem do buraco, eram enormes e todos estavam seminus, usando apenas pedaços de armaduras e armas enferrujadas nas mãos.

Entretanto, o que mais era aterrorizante eram seus rostos. Uma silhueta distorcida e peluda de um porco, misturada a de um homem. Os olhos eram redondos e brancos, como se fossem cegos. Duas presas saíam de sua boca e alcançavam quase acima de suas sobrancelhas, com cabelos trançados e sujos caindo sobre os ombros. Tinham o corpo musculosos e repletos de cicatrizes, alguns com ferimentos abertos, grunhiam e rugiam entre si, como se estivesse discutindo, sem notar a presença dos três ali.

Um deles, o maior, rosnou e apontou na direção para onde Gellen iria fugir com seu marido e cunhado, em direção a vila. Ele rugiu e montou na criatura quadrúpede que rasgara o solo, deu um olhar para os três e farejou o ar. Os olhos brancos dele pararam sobre si e Gellen sentiu como se estivesse nua, sem conseguir se defender.

Ele soltou uma última bufada, como se estivesse rindo, e saiu em disparada em direção a vila, sendo seguido por alguns dos outros monstros que saíram da cratera. Foi só quando eles já estavam se afastando que Gellen percebeu que mais deles saiam da fissura.

Nancer fora o primeiro a ser morto, tinha uma faca em sua mão e gritou em desafio quando um deles se aproximou. Seu cunhado atolou a faca até cabo no peito pálido dele, que soltou apenas um rosnado, mais como se fosse uma picada de inseto. Com a espada enferrujadas o rasgou do peito ao ombro, sem lhe dar qualquer chance de defesa.

Gellen, sem saber o que fazer, lançou um olhar de ajuda para o marido. Ele a olhou em choque um segundo, então saiu em disparada em direção a floresta. A criatura mais próxima arremessou uma lança com tanta força que Matt ficou espetado pela barriga a uma árvore, o corpo mole para trás com os olhos inertes e sem vida.

Gellen ficou onde estava, chorando, paralisada de medo sem conseguir se mover. Dois deles se aproximaram lentamente, soltando grunhidos baixos para ela e sem armas nas mãos. Gritou e deu socos quando fora posta nas costas de um deles, enquanto era carregada para o buraco.

Antes de entrar na escuridão inebriante, a última coisa que pensou fora que as lendas eram de fato reais.

O Jogo dos Reis [Livro I]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora