Capítulo 1 - Avaliação de Trauma

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Quando Nicole chegou às instalações da Base Militar de Stratford Hill, em vez do aceno habitual, o soldado armado em frente ao portão de entrada ergueu a mão. Ela pisou no freio, interrompendo sua trajetória rotineira.

– Senhorita Taylor, bom dia! O coronel Dubken espera por você no prédio três, hoje. Por favor, siga pela rua à direita; você pode estacionar em qualquer lugar depois de passar pelo bosque de pinheiros.

– Tudo bem – ela respondeu com um sorriso e seguiu em frente.

Nicole havia interpretado levianamente o telefonema do diretor da Base Militar de Stratford Hill na segunda-feira, implorando por sua ajuda em uma situação incomum. Aquele velho coronel duro e rude não costumava ser humilde perante civis como ela, mas, naquele momento, Dubken havia sido educado e usara as palavras 'por favor' – o que poderia realmente ser uma pista sobre a severidade da situação.

Stratford Hill era uma das instituições em que Nicole trabalhava como psicóloga especializada na recuperação de indivíduos traumatizados ou condenados e em sua reinserção social. Um trabalho desconfortável, estressante e às vezes deprimente, que exigia do psicólogo ser emocionalmente forte e equilibrado e possuir uma inabalável fé no ser humano de uma forma geral. Atender em três, às vezes quatro instituições ao mesmo tempo, duas delas sendo instalações militares, vinha lhe consumindo, mas até aquele momento, ela vinha dando conta da tarefa.

Nicole Taylor era uma bela mulher, de cabelos loiros cacheados e longos, um pouco acima do peso, de 26 anos e solteira, que evoluía rapidamente em sua profissão. E ela havia confirmado isso quando participara de uma festa de aniversário de cinco anos de sua formatura, organizada por seus ex-colegas universitários – ela era uma profissional muito mais bem-sucedida e reconhecida do que todos eles, em suas respectivas profissões.

Como era de se esperar, no entanto, Nicole quase não tinha vida social. Há bastante tempo, dividia o apartamento de três quartos com sua antiga amiga da universidade, Diana, que por vezes era sua ouvinte. Mas havia meses em que sua companheira de casa era a única pessoa não relacionada ao trabalho com quem ela conversava.

Naquela manhã de terça-feira, apenas vinte e quatro horas depois que o coronel Dubken telefonara para ela, um de seus subordinados, o sargento Joseph Reintel, telefonou-lhe novamente e perguntou-lhe – muito educadamente, usando a palavra 'por favor' – se ela poderia ir pessoalmente até lá. A 'situação', como chamavam seja lá o que estivesse acontecendo na base, havia piorado, e precisavam da ajuda dela o mais rápido possível.

Depois de rodar uns cem metros pela rua pavimentada que cortava a área verde frontal da base militar, ela chegou ao prédio três – uma estrutura retangular larga, de dois andares, bem conservada, mas sem criatividade na sua arquitetura simples e funcional. Nicole estacionou, pegou sua bolsa e sua mala de trabalho, saiu do carro e entrou no prédio.

Embora Nicole já tivesse encontrado o homem de meia-idade antes, o Sargento Reintel tinha características tão comuns que dificultavam que ela o reconhecesse no mesmo uniforme camuflado que todos que via transitando pela instalação. O sargento estava ao lado do balcão da recepção e imediatamente se aproximou quando ela adentrou o prédio.

– Bom vê-la novamente, Srta. Taylor. Obrigado por atender nosso chamado. Por favor, siga-me.

Nicole cumprimentou o sargento e seguiu-o pelo corredor à direita. Passaram por várias portas nas instalações movimentadas; diversos militares cruzavam seu caminho, todos cumprimentando um ao outro. Depois de alguns metros, eles viraram à esquerda e em seguida à direita, adentrando outro corredor mais silencioso. Chegaram à terceira porta; o sargento bateu, abriu-a e entrou. Quando viu que Nicole permanecera à porta, vacilante, ele se voltou para ela.

– Por favor, Srta. Taylor, entre.

A psicóloga adentrou o que parecia ser uma sala de reunião comum, com dois armários, uma mesa oval cercada por cadeiras de metal e um monitor de TV na parede ao fundo. Sobre a mesa havia uma pilha de folhas de papel e arquivos. O monitor estava ligado; uma imagem em preto e branco um tanto confusa, de alguns homens em um dormitório, era exibida em câmera lenta. O coronel Dubken, um homem alto, magro, de cabelos brancos e olhos azuis, em seus setenta anos, estava de costas para a porta de entrada, focado na imagem, com o controle remoto na mão. Ele quebrou a concentração com uma respiração profunda e voltou-se para Nicole.

– Ah, Nicole. Graças a deus, você veio. Por favor, sente-se. Você gostaria de um pouco de café, água?

– Bom dia, coronel. Acho que vou tomar um café.

Quando Nicole se acomodou em uma das cadeiras, Dubken ergueu os olhos para o sargento, que imediatamente assentiu.

– Por favor, diga à Fanny para trazer uma garrafa com café novo? Eu também preciso tomar um pouco.

Reintel não apenas atendeu ao pedido, mas também compreendeu que era hora de sair da sala, e foi o que fez. Dubken voltou-se para Nicole.

– Desculpe-me por termos insistido tanto para que você viesse, mas... A situação que temos aqui tomou um rumo peculiar, e nós... Eu... Eu quero uma... Uma visão profissional sobre o que está acontecendo.

– Entendo. É algo relacionado ao último grupo de AT?

O gerenciamento de grupos de Avaliação de Traumas era uma de suas principais atividades nas instalações militares em que trabalhava. Consistiam basicamente de uma série de reuniões de terapia de grupo que corriam paralelamente aos tratamentos individuais e processos de recuperação que ela aplicava principalmente a soldados com trauma de guerra ou por violência. Mas esse não era exatamente o caso...

– Bem, talvez o sujeito precise participar de um grupo desses... Mas, por enquanto... Não, é uma situação diferente e isolada. De fato, precisamos que você faça uma avaliação sobre um dos nossos jovens soldados que está na cadeia da base, para permitir que ele seja transferido. Talvez para uma prisão militar segura, ou até mesmo para uma instituição psiquiátrica, eu não sei... Mas precisamos que isso seja tratado como um assunto urgente.

Nicole não respondeu imediatamente. Dado o fato de que ela estava se tornando um profissional relativamente conhecida e respeitada em seu campo, a ponto de até mesmo militares passarem a contratá-la mesmo tendo seu próprio pessoal graduado, ela não esperaria esse tipo de 'abordagem'. Ela era a pessoa que poderia dizer se alguém deveria ser transferido de uma instituição militar comum para uma instituição psiquiátrica ou não. Não havia algo como 'avaliar para transferir' alguém. Ela estava acostumada com militares, que tendiam a ser excessivamente objetivos ou insistentes em suas demandas, mas isso seria um trabalho 'corrompido'. Corrupção, em outras palavras.

No entanto, o velho Dubken estava tão ansioso que parecia não entender a inconveniência de suas palavras, nem esperar uma resposta negativa. Ele apenas seguiu em frente e estendeu a mão para a pilha de papéis no meio da mesa.

– Você terá acesso a informações confidenciais, então...

– Eu entendo, Coronel – Nicole foi rápida. – Muito antes de acessar informações confidenciais, o que se tornou quase uma rotina para mim, como você deve saber, eu jurei perante de um código de conduta que inclui total confidencialidade e proteção das informações pessoais do paciente.

– Muito bom. Muito bom. Nós sabemos. É só que... As circunstâncias se tornaram estranhas. Estamos fazendo o possível para manter tudo por aqui e evitar vazamentos de informação.

Ele limpou o suor da testa enquanto falava. Em seguida, pegou algumas pastas, deslizou-as sobre a mesa na direção da mulher, e abriu a primeira, revelando um longo formulário com os dados básicos de um soldado.

***

O Homem que Matou a MorteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora