Capítulo 11

12 1 0
                                    

Thomas Campbell estava tentando entender como um papel podia ser tão pesado. Não de maneira literal, mas metafórica. Que porra é essa? Ele se perguntou algumas vezes, impossível dizer quantas. Olhou para o papel, virou do outro lado, cheirou a folha, viu a tinta, cada curva das letras. Sim, era isso mesmo, ele não estava ficando louco e, muito menos, alucinando. Ele estava segurando um papel que havia passado por baixo da porta com as seguintes palavras: Você não está sozinho.

Você não está sozinho.

— Você não está sozinho.

Eu não estou sozinho? Ele pensou, murmurou para si. Ok, é melhor do que as batidas. Ele foi até a porta e parou em frente dela. Tentou, mais uma vez, abri-la. Trancada, como sempre esteve, como sempre estaria. Não não não. Ele não conseguia aceitar uma coisa dessas. Já havia aceitado coisas demais durante a vida. Já havia apanhado, sido humilhado e rejeitado como um animal por dias demais para que, no final, acabasse louco. Não, isso não podia estar acontecendo.

Ele saiu, deixando a porta para trás e foi para fora, foi até a garagem e, no meio das caixas e ferramentas, encontrou aquilo que procurava. Voltou com o machado para dentro da casa e, arregaçando as mangas, começou a desferir golpes furiosos e insanos contra a porta. Uma, duas, três, quatro vezes, e nada. Nenhuma maldita lasca. A porta permanecia da forma como havia vindo ao mundo. Perfeita. COMO ASSIM? A descrença crescia ainda mais no coração de Thomas. Ele continuou batendo, ainda mais forte, até sentir que seus braços poderiam cair dos ombros a qualquer segundo, e ainda assim, nada. Bateu contra a maçaneta, nada também. Contra as dobradiças de ferro e, além de faíscas douradas, nada também.

Deixou o machado cair com um baque surdo no chão. O assoalho de madeira, por sua vez, emitiu uma rachadura pelo peso da ferramenta. Ele olhou para o chão, para a lasca recém feita e, com uma gargalhada, chegou à conclusão que estava plena e completamente louco. A barriga começou a doer pelas risadas que insistiam em subir pela garganta. Se contorceu no chão, sem conseguir parar de rir. Aquilo era loucura, acima de qualquer limite. Ele tinha perdido a cabeça. Quando? Em que momento específico havia acontecido? Ele não sabia, mas aquilo era uma prova cabal da insanidade.

— Não. Não, ainda não. — Ele disse, parando de rir por um momento. — Se eu estivesse louco, apenas eu estaria passando por isso.

Ele se lembrou do que o corretor havia dito. Essa porta era um mistério não só para ele, mas também para os antigos moradores e para alguns residentes da cidade. Certo, talvez eu não esteja louco.

— Talvez não.

Outro bilhete passou por baixo da porta.

Você não está louco, amigo, aceite que às vezes o universo pode fazer coisas boas.

Isso desencadeou uma nova onda de risadas. Achando graça da sua perturbação mental, Thomas esticou o braço até uma caneta em cima da mesinha de centro, e escreveu do lado de trás do novo bilhete. "Agradeça, por mim, ao universo por isso". Ele passou o bilhete e, com o coração batendo um pouco mais forte, mas ainda achando graça, esperou.

Alguns segundos depois o bilhete retornou. Um novo bilhete. Uma nova frase.

Agradeça a você mesmo, meu chapa, estamos juntos nessa.

Ele escreveu uma nova mensagem e passou por baixo da porta. "Quem é você?"

Seu melhor e único amigo, Thomas

"Como isso pode estar acontecendo? Você é uma pessoa?"

Como está acontecendo, eu não sei, agora, o PORQUÊ de estar acontecendo, esse eu sei. E mais ou menos, sou tão pessoa quanto você. Você se considera uma pessoa?

"Porque isso está acontecendo? E não, não me considero uma pessoa, sou um esquizoide"

Por que você precisa de mim, cara, acho que o universo fez isso para que você tivesse alguma companhia, sei lá, algo do tipo. Pra mim faz bastante sentido.

"Você existe? Quero dizer, não é só fruto da minha imaginação?"

Sou tão real quando você desejar que eu seja. Se quiser que eu suma, é isso que vai acontecer. Se quiser que eu fique, eu fico.

"Você não vai me fazer mal?"

Porra, cara, como assim te fazer mal? Se essa fosse a minha intenção, eu já teria feito. Sou seu amigo, já disse, é tão difícil aceitar uma coisa dessas?

"Sim, bem difícil"

Pois aceite, e agora, se levante e guarde esse machado, seu novo vizinho vai bater na porta daqui um minuto.

Thomas se levantou, rápido, correu até o quarto e guardou o machado em baixo da cama. Foi até o espelho e ajeitou o cabelo. Alguns segundos depois, de fato, alguém batia na porta. Thomas foi até lá e, para a surpresa dele, era o senhor que havia ajudado empurrar o carro mais cedo.

Mas ele não estava sozinho.

— Fala, companheiro, tudo bem? Enfim, consegui me mudar. Ainda está uma bagunça, mas as coisas vão se ajeitando.

— Fico feliz por você. Muito feliz mesmo. Precisa de alguma ajuda?

— Não, rapaz. — Disse o homem, mascando alguma coisa que parecia tabaco. — Só vim apresentar a mim e minha filha. — Ele deu um passo para o lado. — Essa é Donna Ritchie, e eu, meu chapa, sou o Paul Ritchie, muito prazer.

Thomas apertou a mão do homem e então, olhou para a moça atrás dele. Era uma mulher alta, devia ter uns 30 anos, não mais que isso. Tinha o cabelo escuro e encaracolado. Tinha também, pendurado no nariz, os óculos mais escuros e redondos que ele já havia visto e, quando Thomas esticou a mão em cumprimento para ela, entendeu o porquê deles.

Ela era cega.

— Muito prazer... — Ela disse.

— Thomas. Podem me chamar de Thomas.

— Muito prazer, Thomas. É muito bom conhecer você, mesmo sendo nesse fim de mundo. — Ela disse, com a voz mais doce que Thomas já havia ouvido até então.

E embora ela fosse cega, aquela foi a primeira vez que, por incrível que pareça, alguém olhava para ele diretamente. O próprio Paul, por mais gentil que fosse, evitava olha-lo, mas ela não, ela sabia a origem da voz dele e, sem medo, sem tomar susto, sem julgamentos, o olhava fixamente.

— Mas eu insisto. — Disse Thomas, tomado pelo sentimento estranho que o invadia de súbito. — Não precisam de nenhuma ajudinha mesmo? Quando eu me mudei, por exemplo, essa casa ficou uma bagunça por algumas semanas.

— Eu não ia dizer nada. Mas não sou de deixar um homem insistindo. — Disse Paul, a voz carregada de humor.

— Então, vamos.

Thomas fechou a porta atrás de si e, andando lado a lado, foram para a casa de Paul, que ficava a poucos metros dali. Quando começaram a andar, de maneira automática, Donna passou os braços entre os de Paul e os dele.

Ela tocou nele. Foi a primeira vez que uma mulher o tocou. E foi bom.

Nesse momento, um novo bilhete passou por baixo da porta.

Não esqueça que EU sou seu amigo.

O EsquizoideOù les histoires vivent. Découvrez maintenant