Capítulo 3

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Por mais horrível que a criação de Thomas pudesse estar sendo, a pior parte dela se deve aos pais, pois, por mais que tentassem arrumar amigos para ele, ou distrai-lo com coisas que, em outros casos, seriam o sonho de qualquer criança, eles se esqueciam de uma coisa simples, mas poderosa: Thomas nunca precisou de um amigo. Ele precisava deles. Ele precisava da mãe, do pai, do carinho deles, do amor deles, e enquanto eles tentavam preencher essa lacuna com artifícios externos, fechavam a única entrada que possuíam ao coração de Thomas.

É inútil dizer que com quinze anos, com a mente já próxima de estar formada, Thomas odiava os pais com uma força enlouquecedora. Por vezes, em momentos de extremo estresse — a maioria deles depois de um dia longo na escola, com algumas dezenas de jovens entoando em alto e bom tom a palavra "esquizoide" nas orelhas dele —, Thomas tentara fugir de casa. Se, por graça do destino, tivesse conseguido sobreviver mais do que algumas horas longe de casa, teria sido algo ótimo, pois, sem dúvida, qualquer vida fora daquele círculo seria mais prazerosa, ou melhor dizendo, menos dolorosa. Acontece que, na vida real, fugir de casa não é uma coisa simples. Muito menos se tratando de um garoto de quinze anos que, claro, não consegue ser olhado nos olhos por nenhum outro ser humano.

Ele empurrou o sofrimento, tomando pílulas amargas de dor dia após dia, contando os minutos para o fim daquele inferno que, na cabeça dele, só seria resolvido com a morte.

Já flertara com ela — com a morte, claro, pois garota alguma sequer olhava-o no rosto — centenas de vezes. Sonhara com ela algumas dezenas e já havia tentado duas, sendo frustrado pelas interrupções constantes do pai, que ao notar a profunda depressão que acometera o garoto, insistia em ir a cada dez minutos até o quarto dele, apenas para dar "uma olhadinha".

Não se deve ater aos fatos e nem as formas das quais ele tentou tirar a própria vida, embora seja algo relevante. Mas nesse ponto, uma outra situação ocorreu, e essa, bom, foi a responsável pela tangente que a vida de Thomas se encaminhou. Muito do que ocorreu, nos próximos anos, deve-se a esse pequeno, mas relevante acontecimento.

Pequeno para ele. Pois o caminhão que esmagou o carro dos pais dele, com ambos lá dentro, era tudo, menos pequeno.

Em todos aqueles anos, foi a primeira vez que Thomas Campbell chegou a cogitar a existência de Deus.

Recebeu a notícia com uma alegria inédita, um sentimento avassalador. Pulou pela casa, gritando palavras sem sentido e, por vezes, caindo no chão em um acesso alucinado de gargalhadas. As lágrimas de alegria se misturavam com as desesperadas em um sabor salgado e doloroso. Puta que pariu, pensou ele, estou livre.

No fim, a morte foi, em partes, o fim do inferno. Mas só em partes.

Continuou frequentando a escola e, até os 18, foi obrigado a aturar a presença dos tios paternos, que pelos três anos que se seguiram a morte dos pais, foram quem tomaram "conta" dele. Quando enfim fez 18 anos, vendeu a casa dos pais, e mesmo pedindo um valor baixo para a média do bairro, foi suficiente para realizar os objetivos. Pegou o dinheiro, entrou em um ônibus e foi para o interior. Ele não tinha esperanças de ser feliz na cidade, e se havia alguma forma de chegar perto disso, da felicidade, só seria através de uma vida solitária no campo. Comprou uma casinha pequena, mas aconchegante em New Wynne, uma cidadezinha no meio do nada a algumas horas de Union Hills. O preço, para a surpresa dele, fora muito, muito menor do que ele esperava. O corretor dissera, aos sussurros, que o dono da casa estava preso já faziam alguns anos, e que assim como aquela casa, era dono da maioria na cidade. Thomas não se importava com nada disso. Pagou o valor pedido e se mudou de imediato, saindo do hotel da dona Ivy e indo para a casinha.

Se New Wynne era uma cidade no meio do nada, a casa que ele havia escolhido era a perfeita definição disso. Ficava longe do que os moradores chamavam de centro, tendo como o vizinho mais próximo o sr. Baudelere, que ficava a 15 quilômetros de distância. Também havia uma casa ao lado, mas essa estava vazia já faziam mais de 15 anos.

A casa não era imensa, mas tinha tamanho suficiente para abrigar o desejo de solidão do rapaz. Era cercada por um terreno imenso e tinha, bem à frente da porta de entrada, uma árvore alta de copa cheia. Na varanda, de pronto, providenciou uma mesinha com uma, veja bem, uma única cadeira confortável, lugar que, ao bater o olho na casa, conseguiu imaginar-se lendo um livro qualquer em uma tarde de chuva. A parte de dentro não era tão bem planejada, tendo muitos corredores estreitos. Tinha dois quartos, um deles uma suíte master, uma sala grande com um sofá confortável, e nos fundos, ao lado da cozinha bem equipada, um escritório. Ele também imaginava-se fazendo alguma coisa ali. Ainda não sabia o que, mas tinha tempo para isso. Com o dinheiro que sobrara da venda da casa, e mais a quantia que seus pais tinham na conta corrente, da qual teve acesso ao fazer 18 anos, ele calculava uns cinco anos de ociosidade tranquila. Se tivesse que inventar qualquer coisa para poder pagar a conta de luz, água e alimentação, isso seria dali um bom tempo. Por hora, estava bem.

Por Deus, ele estava bem, isso era algo que ele julgava ser impossível. Todos os anos sendo o esquizoide foram capazes de tirar essa percepção da cabeça dele. Era algo que ele, mesmo nos dias mais otimistas, achava que nunca chegaria a acontecer. E agora ele estava bem. Ah, tem coisa melhor que essa?

Só tinha um problema. Um só.

Para que servia aquela porta?

O EsquizoideWhere stories live. Discover now