Capítulo 5

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Os dias foram passando e, em todos eles, não houve um em que ele não parasse alguns minutos em frente a porta, dando asas à imaginação e pensando no que diabos poderia ter do outro lado. Era uma dispensa, certo, isso já estava explicado, mas porquê? Isso não fazia sentido, se fosse apenas uma dispensa, por que haveria "uma meia dúzia de gente" curiosa para saber o que havia ali? Pensando nisso, ele deu algumas voltas em torno da casa, analisando a arquitetura bagunçada do lugar e procurando entender ao menos o tamanho do lugar, mas sem sucesso, não havia nada que indicasse algo sobre aquilo. Cansado e sem respostas, decidiu que não iria se preocupar com aquilo. Ora, era só uma porta, caralho, por que torrar a paciência com aquilo?

Agora ele tinha mais com o que se preocupar. Tinha que arrumar alguma coisa para fazer, primeiro porque as reservas de dinheiro não eram infinitas; e também porque ainda tinha muito tempo de vida pela frente, precisava ocupar o maldito tempo com alguma coisa, certo?

Como Thomas sempre fora um ótimo leitor, e àquela altura já havia esgotado o estoque da medíocre biblioteca da cidade, resolveu que começaria a escrever suas próprias histórias. Seria um bom passatempo e daria uma utilidade para aquele escritório. Se conseguisse publicar alguma coisa no jornal da cidade, já era alguma coisa. Poderia conseguir alguns trocados e daria sentido àquela vida inútil.

Empolgado com a ideia, começou a martelar diariamente o teclado do notebook. Quando a primeira história começou a tomar forma, se perguntou no porquê de nunca ter feito isso antes. Era maravilhoso. Ele olhava para as letras brancas nas teclas pretas e, depois de alguns minutos, frases haviam se formado na folha digital. Pouco tempo depois eram parágrafos. Com tudo junto ele havia construído um enredo, personagens, uma trama bem amarrada e, por fim, uma história. Sim, ele havia conseguido. Não era muito boa, é verdade, mas ele estava gostando.

Imprimiu tudo e, com o maço de folhas na mão e com um sorriso no rosto, estremeceu. O sorriso se fechou e ele foi invadido por um sentimento de horror.

Se ele quisesse publicar aquilo no jornal, teria que conversar com outras pessoas. Teria que sair de casa. Teria que ser visto. E para um esquizoide, para uma criatura como ele, não havia nada pior do que conversar com pessoas normais.

Quer saber, ele pensou, que se foda.

Ele enfiou o manuscrito em uma mochila, pegou a jaqueta pendurada atrás da porta, as chaves da caminhonete velha que havia comprado do sr. Baudelere, que segundo ele, andava que era uma belezura, e foi, determinado, até o centro de New Wynne.

Era um dia de frio fora de época, e as poucas pessoas que circulavam nas ruas levantavam suas golas e andavam de cabeça baixa pelas calçadas, erguendo o boné em eventuais encontros com conhecidos, como se fossem pessoas de séculos passados. Thomas desviou de todos que pôde e entrou na escola, já que a redação do jornal da cidade ficava lá dentro. Era um jornal pequeno, de baixa circulação, mas se pudesse arrumar qualquer trocado por aquilo, já seria de grande ajuda.

Estava passando pelos corredores das salas de aula quando ouviu uma voz chamando-o, não pelo nome. Foi mais um grito do que um chamado, mas ele entendeu que era para ele. Com os olhos baixos, se virou para ver do que se tratava.

— Ei, filho, te conheço? — Era um homem alto, magro e de cabelos bem penteados. Tinha postura de professor e o paletó cheio de pó de giz foi a confirmação disso. Assim que o homem percebeu que ele não era um aluno, mudou o tom de voz. — Posso te ajudar?

— Estou procurando a redação. — Disse Thomas, ainda olhando para os pés. — Tenho uns manuscritos...

— Ahá, isso é ótimo, sim, muito bom. Muito bom mesmo. Como se chama?

— Thomas Campbell.

—EI. — Gritou o homem, a voz ecoando pelo corredor vazio. — Beth, vem aqui.

— Eu estou em aula! — Uma cabeça surgiu de uma das salas. A voz era em tom de advertência. — Toma jeito, Tyler.

O homem, que agora Thomas descobrira se chamar Tyler, deu de ombros.

— Espera aqui.

Ele foi até a sala da Beth e a chamou, agora sem gritar. Ela foi até ele e ficaram parados em frente a porta, conversando baixo. Logo em seguida, ela voltou para dentro da sala e anunciou que já voltava. Saiu para o corredor e caminharam, lado a lado, em direção de Thomas. A cada passo que davam, um gelo subia desde a base da coluna até o topo da cabeça. Ele deu, de forma involuntária, um passo para trás, nervoso com a situação. O queixo no peito. Eles estavam chegando. Outro passo para trás.

— Ei, rapaz, o que foi? Precisa de ajuda? — Disse Tyler, colocando as mãos nos ombros de Thomas.

Foi com esforço que ele conseguiu não desmaiar. Ele não se lembrava do último contato físico que fizera com qualquer outra pessoa. Estava com medo. Horrorizado. Não conseguia falar. Só queria ir embora, arrependido de ter cogitado aquela ideia maluca. O que ele estava pensando? Que era uma pessoa normal? Que podia sair pelas ruas e conversar com outras pessoas? Quem ele estava pensando que era? Ele era um esquizoide, um monstro, nada além disso.

— Desculpe. — Ele disse, dando as costas para Tyler e Beth, correndo pelo corredor. Foi quando teve uma ideia. Antes de virar o corredor, mas bem longe deles, abriu a mochila rápido e colocou no chão a pilha de folhas, torcendo para que eles tivessem entendido. — Me ajudem. — Ele sussurrou, indo embora.

Thomas precisava de ajuda. De todos os tipos.

O EsquizoideWhere stories live. Discover now