Capítulo 1

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As pessoas nunca se dirigiram à Thomas Campbell como esquisito. Não, isso para ele seria pouco. Para o caso dele escolheram a palavra esquizoide. Tamanha a crueldade de um bando de moleques cretinos em fase pré-adolescente. Claro que Thomas sempre soube que não se encaixava muito bem nos padrões, mas escolher uma palavra que soava ainda mais esquisita do que a própria esquisitice? Porra, aí já é demais, certo?

Se os malditos adolescentes soubessem o poder que a sua deturpada imaginação, através das palavras, possui, poderiam acabar com guerras em um piscar de olhos.

Houveram alguns momentos em que o próprio Thomas desconfiou de que ele realmente fosse estranho e, como é natural de se pensar, em outros foi convencido disso. Aos 10 anos ele já tinha plena certeza. Aos 20 ele só buscava a solidão. E aos 25...

Bem, vamos voltar um pouco no tempo.

O começo, como o próprio nome diz, foi no começo. Em seu nascimento.

Após uma gestação longa e conturbada, seu pai, um homem alto, magro e de vista cansada, teve a sensação de que, depois de tantos anos, estaria ficando cego ou louco, pois aquilo que seus olhos viram saindo do meio das pernas de sua esposa era algo que a mente humana jamais poderia conceber. Ao pegar o garoto nos braços, estremeceu, e se não fosse a enfermeira, teria jogado o garoto no chão. Ele se virou, horrorizado com aquele rosto demoníaco e correu para o banheiro ao lado, vomitando metade do almoço e um pão inteiro que comera no café da tarde. O cheiro do vômito era repugnante, e ao subir até o nariz do homem, uma nova onda invadiu sua boca. Aquilo era horrível, mas a visão do garoto era ainda pior. Ele não sabia dizer se o enjoo havia sido causado pelo parto em si, que, claro, havia sido uma cena grotesca por natureza, ou pelo moleque horroroso que, infelizmente, possuía parte de seu código genético.

Mas isso tudo era só um detalhe daquele show de horrores.

Ele saiu do banheiro e voltou para a sala de parto, pronto para pedir desculpas para a mulher; porém, foi surpreendido ao vê-la desmaiada, completamente inerte na maca ensanguentada. Perguntou ao médico sobre o que tinha acontecido, embora já imaginasse qual seria a resposta. Não deu outra. A mulher havia desmaiado ao ver o garoto em seus braços.

Mas claro, ele era só um bebê, e como a maioria deles, não são a coisa mais linda desse mundo. As coisas iriam melhorar. Eles acreditavam nisso.

Doce ilusão. Quando o garoto fez 5 anos, metade das crianças da creche simplesmente pediam, em meio ao um mar de lágrimas, para que tirassem aquele monstro de perto delas. Os professores, que também compartilhavam do mesmo horror das crianças, proferiam algumas palavras recheadas de hipocrisia que diziam "ele não é um monstro, querido, vá lá pedir desculpas para ele". Mas, convenhamos, para quem eles estavam mentindo? Ele era um monstro, ele era esquisito, ele era errado.

Alguns anos se passaram e, com 7 anos, o garoto passou a perceber como ele era diferente dos demais. Seus pais, tristes pela situação, ao notar que nenhum dos "amiguinhos" apareciam para visita-lo, resolveram adotar um cachorrinho para ele. Era uma ideia brilhante, e quando decidiram que era isso mesmo que iriam fazer, se perguntaram no porquê de não terem pensado nisso antes.

Depois de uma breve discussão sobre quem iria falar com Thomas, o pai foi até ele, colocou as mãos no ombro do garoto, se ajoelhou, prendeu a respiração, olhou no rosto asqueroso dele e disse:

- Temos uma surpresa para você, querido.

O cachorrinho era um filhote lindo de Golden Retriever. A mãe dele havia dito que, como a casa não era tão grande, e eles não possuíam um quintal decente para o cachorro correr e brincar, um cão dessa raça só traria mais problemas, ao invés de resolver outros. Mas o pai, decidido, disse que independentemente da raça, o garoto precisava de um amigo, e sendo um Golden Retriever, ambos iriam crescer juntos, brincariam juntos e seria uma coisa ótima para todo mundo. A mulher não concordou, mas guardou as opiniões em seu íntimo, resolvendo que não tinha mais o que fazer, e que se o marido acreditava naquilo, ela deveria dar um voto de fé.

- Que tipo de surpresa? - Disse o garoto, com um sorriso enlouquecedor surgindo no rosto.

Ao ver o sorriso, o homem engoliu em seco. Deu as costas para o garoto e abriu a porta. Ao ver o cachorrinho, pequeno e peludo, sentadinho do outro lado, o garoto deu um pulo de alegria, gargalhando em extrema felicidade, coisa inédita para os pais dele.

Mas não durou muito, pois ao ver o garoto, o cão começou, primeiro, a chorar, ganindo e depois, tentou fugir para longe. Mas o garoto foi rápido. Foi até o cãozinho e o pegou no colo, acariciando o pelo macio e, claro, foi surpreendido quando o pequeno cão desferiu uma mordida na palma da mão dele, chorando cada vez mais alto.

- Ele não gosta de mim, papai. - O garoto disse, quase para dentro, através de uma cortina de lágrimas que rasgavam a alma.

O pai foi até o garoto e pegou o cão do colo do menino, fazendo-o parar de ganir de imediato.

E quem gosta, Thomas, quem gosta?

O EsquizoideWhere stories live. Discover now