Capítulo 1 - Amigo?

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Jess nunca quis tanto que roubassem seu celular. Se isso acontecesse, afinal, ela nunca veria a resposta para sua declaração de amor. Quem liga se daria de cara com o dono de seu coração na escola, de todo jeito? Que lhe roubassem o celular. Seria até bom se fizesse amizade com o ladrão, finalmente teria alguém para ouvir sua trágica história de amor: Melhores amigos. De infância, ainda por cima. Ela viajou quilômetros para visitar a cidade dele, talvez só para ser rejeitada naquele momento crucial.

Estava decidido, se um ladrão viesse, ele teria que ler a resposta de Arlec para ela, antes de levar o celular. Jess não tinha a coragem.

- Com licença? – Uma voz de rapaz chamou.

Jess espasmou de susto. Quem falava era um garoto esguio de cabelo preto na cara. Quando ele chegara naquela parada de ônibus vazia, ela não fazia ideia. Assim como não notou quando começou a chuviscar. Gotinhas se acumulavam na tela do aparelho que ela continuara encarando mesmo depois da tela desligar.

- Que foi?

- Você pode me emprestar seu celular?

Seria esse o ladrão que estava esperando? A garota o olhou de cima a baixo mais uma vez. A única coisa que ele carregava era um guarda-chuva, dos tipos que nem tem ponta: nada muito ameaçador. Isso se ela não contasse o charme, porque garotos bonitos, como ele era, sempre foram uma coisa muito ameaçadora, pelo menos para garotas sem imunidade, como ela era. Difícil não notar as veias ressaltadas, ou os dedos finos e longos dele, que por um momento o jovem usou para puxar a franja para trás, revelando um par de olhos cinzentos.

- Eu preciso ligar pra casa, e deixei o meu em cima da cama. – ele insistiu, os olhos lacrimejando. Os fios pretos teimavam de entrar neles, Jess podia ver, mas ao mesmo tempo ele parecia um cãozinho perdido implorando algo com choro.

- Pode pegar. – Ela se encontrou dizendo. Nem conseguia acreditar na rapidez com que passou o aparelho para um estranho. Até pensou que não se importaria se fosse ele quem roubasse...

- Obrigado. – Ele abriu um sorriso tímido.

"Se nada der certo com Arlec..." Jess pensou consigo mesma, mas achou um absurdo: "Você gosta de Arlec desde os oito anos! Vai dizer que ter vindo pra cidade dele foi só para ver a paisagem?"

Olhando para o garoto com o seu celular no ouvido, ela murmurou:

- Mas... Que paisagem... – e se deu uma tapa.

O rapaz lhe dera as costas e observava a chuva enquanto falava ao telefone. Ele não lhe prestava atenção alguma, para sua sorte. Ou azar. Jess perdeu o interesse e se pôs a observar os respingos de água nas poças da rua. Uma vez, em algum dia de chuva como aquele, naquela mesma cidade, Arlec disse que eram peixinhos. Foi um mistério para Jess por um bom tempo, então, por quê todas as vezes que ela tentou caçar esses peixes, a única coisa que achou foi frieira para se coçar.

Era cruel como tudo a lembrava dele.

- Eu trouxe um guarda-chuva, não vou demorar. Desculpe por sair sem avisar nada... – O garoto falou e desligou. Seus olhos focaram na tela de chamada encerrada para ver quantos créditos tinha gasto de sua benfeitora, mas na mesma hora, apareceu uma notificação na tela. Sem tempo para pensar, ele leu.

Jess percebeu o silêncio e se virou, perguntando se ele acabara. O garoto assentiu. Agradeceu e estendeu o telefone desviando os olhos. "Você me salvou, obrigado" foi o que murmurou, hesitante de soltar o aparelho. Ela o tirou da mão dele mesmo assim, sem atraso.

- Ora, que é isso? – Jess riu, os olhos já procurando notícias de seu romance. – Obrigada por não me roubar...

As palavras perderam a força. Na barra de notificações, embaixo do contato "Crush S2S2", sem foto, tinha a prévia de uma mensagem. Uma tão curta que não precisava de prévia.

Nós, diferentes delesOnde histórias criam vida. Descubra agora